Discurso pronunciado no
Clube Militar do Rio de Janeiro
em 31 de Março de 1999.
Transcrição revista pelo autor.
NB – Meu artigo “A história oficial de 1964“, publicado em O Globo de 19 de janeiro de 1999, que nenhum mandarim da esquerda ousou responder, todos deixando o espinhoso encargo para uma inábil professorinha do interior que acabou confirmando todos os meus argumentos, trouxe para o autor um presente inesperado e — nos dias que correm — bastante incômodo: a amizade dos militares. É preciso estar maluco para declarar isto em público, mas é certo que essa amizade muito me honra e me alegra. E foi ela que levou dois ilustres militares brasileiros, o Cel. Luís Paulo Macedo Carvalho, presidente do Instituto de História e Geografia Militar, e o Gen. Hélio Ibiapina Lima, presidente do Clube Militar, a me convidar para falar nessas duas instituições, respectivamente nos dias 30 e 31 de março passado. O que eu disse numa e na outra foi mais ou menos a mesma coisa, mas o discurso do Clube Militar foi gravado e transcrito, o que me permite reproduzi-lo nesta homepage. O discurso foi pronunciado de improviso, sem notas. Publico aqui a transcrição integral da gravação em fita, sem alterações, apenas corrigida em detalhes de linguagem e completada nos pontos truncados. — O. de C.
Agradeço comovido ao General Hélio Ibiapina e a todos os queridos amigos do Clube Militar este convite que muito me alegra, e peço permissão para começar esta conferência com uns detalhes autobiográficos, não por vaidade, absolutamente, mas apenas porque alguns fatos da minha vida se encaixam muito bem no assunto que vamos abordar aqui.
Existem pessoas que têm o dom de se aproximar de quem está no poder. Eu pareço que fui brindado com o dom contrário. No tempo dos governos militares, logo no começo, entre 1966 e 68, eu era um militante do Partido Comunista e odiava os militares; eu os chamava de “gorilas”, como aliás todo mundo naquele meio. Tive muitos amigos e parentes que foram prejudicados pelo governo militar e durante todo aquele período eu me senti marginalizado, como muitos membros da minha geração, em razão de minha hostilidade ao regime. Hoje em dia, quando os esquerdistas estão no poder, dominam tudo e estão passando muito bem de saúde, já não estou mais ao lado deles e estou aqui falando para vocês. Por isto é que digo que fui brindado com este dom de fazer sempre as amizades mais inconvenientes no momento. Todos conhecemos muitas pessoas que fizeram carreira no regime militar e tão logo a situação mudou trataram de trocar de amizades, porque era melhor para a sua saúde…
Ora, toda a experiência que vivi, primeiro ao lado dos esquerdistas e depois numa longa solidão para a qual me retirei após ter me desiludido com a perspectiva socialista, para poder meditar e refazer de certo modo o meu mundo de idéias, toda esta experiência me ensinou, em primeiro lugar, a inconveniência de falar quando não se tem um mínimo de certeza razoável. Devo lembrar aos senhores que a minha atuação pública começa apenas em 1996, com o livro O Imbecil Coletivo. Até aí a minha vida tinha sido muito modesta, muito discreta, dando minhas aulinhas e escrevendo uns livros de filosofia que ninguém lia. Só publiquei O Imbecil Coletivo porque observei a ascensão de um tipo de mentalidade destrutiva, não só do ponto de vista político mas sobretudo no que diz respeito à destruição da inteligência humana. Tendo observado fatos cada vez mais alarmantes, na área cultural, e vendo que ninguém dava sinal de tê-los percebido, eu disse a mim mesmo: “Parece que sobrou para mim”. Então, com competência ou sem ela, foi necessário fazer alguma coisa. Esse livro, na época, desencadeou uma onda que eu não diria de raiva, foi mais onda de pânico, entre pessoas do meio intelectual que jamais tinham sido criticadas no mais mínimo que fosse e que estavam acostumadas com o dogma da intangibilidade sacrossanta de suas pessoas. Um deles, lembro-me claramente, foi o prof. Leandro Konder, um comunista histórico, um homem que nunca foi criticado par nada, um homem sem defeito, um homem sem mácula e que, onde quer que vocês perguntem a respeito dele, lhes dirão: “O Leandro é uma moça”, “O Leandro é um cavalheiro, é um gentleman.” Dele não se fala mal. E esse homem, por conta do seu prestigio de gentleman, vinha não só mentindo compulsivamente em assuntos culturais, mas pregando idéias bastante destrutivas, por trinta anos protegido pelo manto de sua pretensa delicadeza. Então, quando ousei mexer nessa figura, muita gente ficou escandalizada, parecia que ia ter um enfarte, e eu notei que para essas pessoas doía mais nos seus corações ver alguém destratar intelectualmente um Leandro Konder, um Oscar Niemeyer ou alguém assim, do que ouvir blasfêmias contra Jesus Cristo. Eu cheguei a ver pessoas, em conferências minhas, passarem mal fisicamente ao ver-me desmascarar certas figuras da sua adoração. Tudo isso eu vi com estes dois olhos, não estou inventando nada. Eu vi no rosto dessas pessoas a emoção que a Bíblia chama “escândalo”. Que é o escândalo, no sentido bíblico do termo? O escândalo é um fato que desmente a nossa fé, que viola a integridade da nossa alma e abala a nossa confiança na ordem do universo.
Então, quando eu dizia certas coisas para certas platéias, as pessoas sentiam a emoção do escândalo, uma espécie de terror espiritual ante a morte do seu Deus. Não posso dizer que os artigos que publiquei, reunidos nesse livro, tenham suscitado propriamente ódio ou rancor. Eu tenho certeza de que suscitaram medo.
As pessoas sempre me perguntam se nunca recebi pressões ou se fui intimidado ou ameaçado. Sim, isso aconteceu algumas vezes, mas ninguém fica trinta anos quieto num canto, pensando, para depois recuar ao surgir a primeira reação adversa. Recuamos só quando, na juventude, no arrebatamento do entusiasmo, nos levantamos de improviso contra algo que no calor da hora nos parece errado e o adversário reage, aí sim nos intimidamos e corremos e pomos o rabo entre as pernas. Praticamente toda a minha geração fez isso. Fez isso baseada sobretudo no mito lisonjeiro de que a juventude é idealista e de que a juventude tem amor à justiça. Ora, o que vocês achariam de um juiz de quinze anos de idade que condenasse o réu sem sequer tê-lo ouvido? Não há amor à justiça quando não há amor à verdade, e não há amor à verdade quando não há sequer a paciência de esperar para conhecê-la. Isto quer dizer que esse famoso amor à justiça que se atribui à juventude é apenas vaidade, pretensão e arrogância. Evidentemente esses sentimentos baixos, como todas as paixões infames de que o ser humano é capaz, sempre podem ser muito bem trabalhados e aproveitados por pessoas sedutoras. A palavra “sedutor” vem do latim sub ducere. Ducere é “conduzir”, e sub, “por baixo”. Quer dizer: o sedutor é alguém que nos conduz pela nossa parte inferior, pela nossa parte fraca e pelas nossas tendências abissais ocultas. Ora, não há tendência mais baixa do que a vaidade e a arrogância rancorosa. Quem quer que diga a um garoto de quinze anos que ele é superior à geração de seus pais porque tem o espirito da justiça é apenas um sedutor barato e mentiroso. Mas acho que não houve na história do século XX uma única geração que não tenha ouvido esse canto de sereia. Eu também ouvi, eu também fui seduzido, eu também achei maravilhoso me imaginar o grande justiceiro: aos dezessete, dezoito anos eu tinha a certeza de que sabia quais eram os males do mundo, de que eu sabia quais eram os culpados pelos males do mundo e qual a punição que deveria lhes ser aplicada. Também tinha a certeza de que o principal mal do mundo era que não me dessem os instrumentos de punir todos os culpados. Ou seja: para resolver tudo bastava uma só coisa — dar o poder absoluto ao Olavo de Carvalho e a seus cumpinchas. Então tudo estaria resolvido, isto eu achava aos dezessete anos e toda a minha geração pensava como eu. Vocês chamam isso de espirito de justiça? Eu chamo de espirito de estupidez, espirito de arrogância, espírito da pretensão boba. A diferença entre eu e os meus companheiros de geração é a seguinte: eu percebi isso e eles não.
Quando falo em companheiros de geração, às vezes se trata de pessoas que me eram bem mais próximas que meros companheiros de geração. Durante um certo tempo dividi um apartamento com o Rui Falcão, que foi presidente do PT, e ambos éramos amigões do José Dirceu, que não saía dali; então, esses eram os meus companheiros. Eu percebi que eu era um palhaço arrogante e eles nada perceberam de si mesmos até hoje.
Não sei se cheguei a ser alguma coisa que preste, mas aquela porcaria que eu era já não sou mais. Não consigo mais me enganar com tanta facilidade, não consigo dizer a mim mesmo, como naquela época: “Olavo, você sabe quem são os culpados dos males do mundo”, “Olavo, você tem o direito de reivindicar a posse do chicote universal para açoitar o lombo de todos os malvados”, e assim par diante. Ora, estou com 52 anos, alguma coisa devo ter aprendido neste período, mas certamente, se aprendi, foi porque me abstive de falar durante vinte anos ou mais. Ontem mesmo, na conferência que fiz no Instituto de Geografia e História Militar, estava contando que fiz como Buda, que, sendo tomado por uma dúvida, sentou ao pé de uma árvore e disse: Não me levanto daqui até descobrir a resposta. Eu também tive um amigo, já falecido, que foi um grande psicólogo clinico, Juan Alfredo César Müller, o qual, na sua juventude, tendo terríveis dúvidas vocacionais, entrou numa igreja e disse para si mesmo: “Vou me ajoelhar e vou rezar até obter a resposta ou vou morrer ajoelhado aqui.” Assim, ele obteve a evidência, uma espécie de sinal divino de que ele devia seguir a carreira de psicólogo, e raramente uma vocação foi tão acertada como a desse grande gênio da psicologia clinica . Quando a gente quer a verdade a gente faz assim, quando a gente não quer a gente inventa uma qualquer, a que nos pareça a mais lisonjeira, a que agrade ao nosso grupo de referência, e condenamos o resto do mundo porque ele não concorda conosco. Quem estudar brevemente a história do século XX verá que todos os movimentos destrutivos, todos os movimentos responsáveis por massacre de mi1hões de pessoas, todos eles, foram sempre encabeçados por jovens, e que a militância a serviço desses movimentos foi sempre de jovens. Isso será porque o jovem tem espirito de justiça? Somem o número dos mortos; cem milhões do comunismo, mais vinte mi1hões do fascismo e assim par diante, sem contar a maravilhosa militância de 1968 — Woodstock — em favor da disseminação das drogas, que transformou o mundo num feudo dos traficantes. Quantas pessoas as drogas mataram e a quem incumbe a culpa disso? A culpa inteira cabe a estes jovens, cujos pais covardemente continuam a lisonjeá-los, dizendo: “Vocês têm o espirito da justiça”, “Vocês têm o espirito da verdade”, “Vocês são melhores que nós”. Nunca se deve dizer isso a um filho, nunca, nunca, nunca. Um século de lisonja à juventude deu em duzentos mi1hões de mortos. Será que não está na hora de parar com isso? Será que não está na hora de os adultos aprenderem que os jovens não devem ser lisonjeados e sim educados, mesmo que isto os contrarie? Muito bem, eu tive um monte de filhos, tenho oito filhos, nunca os maltratei, nunca os humilhei, mas também nunca os lisonjeei. Eu disse apenas o que um pai deve dizer a um filho: “Eu te amo, meu filho”, “Saia de cima do muro que você vai cair”, “Pare de maltratar o seu irmãozinho”, e todas essas coisas de pai. Mas nunca disse: “Você é a encarnação do espírito de justiça”, “Você é a consciência moral do seu pai”, e nenhuma dessas coisas covardes que corrompem a alma da juventude. Podemos expressar bons sentimentos pelos nossos filhos sem lhes inocular a mais destrutiva das ilusões. Mas a nossa geração recebeu doses imensas, doses cavalares desta lisonja. E, assim lisonjeados, acreditamos que bastava nos dar armas e que o resto nós faríamos: construiríamos um mundo melhor. E como construiríamos um mundo melhor? Pelo velho expediente de matar — matar quem não o desejasse. Esta é sempre a solução, qualquer que seja o problema, não é mesmo? Nós tomamos em sentido literal o que dizia Jean Paul Sartre: “O inferno são os outros”. Basta matá-los e está tudo resolvido, basta matar quem não concorda conosco. Sendo educado nesta mentalidade, — da qual felizmente me livrei, mas me livrei progressivamente, porque é uma ilusão pensar que você se livra do veneno marxista simplesmente trocando a carteirinha do seu clube; não é assim, é um processo interior que requer uma verdadeira psicanálise, uma retirada progressiva dos enclaves, dos complexos, dos cacoetes mentais que se impregnam profundamente na nossa alma —, tendo sido educado nesta mentalidade, foi assim que julguei o movimento de 1964. Para julgá-lo, condená-lo e abominá-lo eu não precisei saber quase nada a respeito dele. Bastou ouvir uma palavra. E qual era essa palavra? Era a palavra mágica – “a Direita”. Qual era o crime dos militares? Eles eram a Direita. Ora, a Direita quer dizer necessariamente o mal, portanto eles eram o mal encarnado. Não interessava saber o que estavam fazendo, por que estavam fazendo, etc. Não era preciso saber nada a respeito deles para odiá-los e condená-los. Era uma espécie de maldade onto1ógica que estava grudada na constituição deles, independentemente do que fizessem ou deixassem de fazer. Se um militar socorresse um doente na rua ele continuaria sendo mau, e se um homem da esquerda maltratasse uma criancinha, ainda assim ele continuaria sendo bom, porque a bondade e a maldade não dependiam dos atos e sim da identidade ideológica. Ora esta metafísica, esta horrenda metafísica maniquéia, ela na verdade é a essência mesma da política. Um dos grandes teóricos da política no século XX foi Carl Schmitt. Ele se perguntou qual a essência da política, o que distingue a política de outras atividades, o que distingue a política da moral, do direito da economia etc. E ele diz o seguinte: quando um conflito entre facções não pode ser arbitrado racionalmente pela análise do conteúdo dos conceitos em jogo e quando portanto o conflito se torna apenas confronto nu e cru de um grupo de amigos contra um grupo de inimigos, isto chama-se — Política. Ora, é fácil você compreender que nesse sentido a definição de Schmitt inverte a definição de Clausewitz que diz que a guerra é uma continuação da política por outros meios. Schmitt descobriu, muito mais realisticamente, que a política é uma continuação da guerra par outros meios. Ora, durante toda a história humana existiu política mas havia outras dimensões e outras atividades que eram consideradas mais importantes. A religião era uma delas, mesmo os governantes se ocupavam mais de religião que de política. No século XIX, um homem chamado Napoleão Bonaparte descobre uma coisa terrível: a política, diz ele, é o destino inevitável dos tempos modernos. Tudo vai virar política e os homens não se ocuparão senão de política. Ele descobre a politização geral de tudo. E o que significa a politização geral? Significa que todos os conflitos já não poderão mais ser arbitrados pela análise dos conteúdos dos termos em questão, mas serão resolvidos sempre por um confronto de forças entre o grupo dos amigos e o grupo dos inimigos. Ou seja, terminou a civilização e começou a barbárie. A politização geral de tudo é simplesmente a barbárie, a violência institucionalizada, seja sob a forma de violência física, seja como a violência moral da mentira imposta como verdade obrigatória. Napoleão previu isso no começo do século XIX, mas a previsão dele só se torna plenamente efetiva no Século XX. No século XX tudo é politizado, e por isso mesmo este foi o século mais violento e mais sanguinário da história humana. A partir do século XIX você vê um crescimento do índice de violência, absolutamente incomparável com o crescimento paralelo da população. A politização geral da vida quer dizer que um garoto de quinze, de dezesseis anos, que mal está entrando na vida, que não tem a menor idéia do que se passa neste planeta, já está cooptado, já está inscrito no grupo dos amigos, cuja única finalidade é matar o grupos dos inimigos. Mas isto é vida? Isto é perspectiva que se ofereça a um jovem: politizá-lo desde o berço, oferecer-lhe o vício da militância política como se fosse a encarnação mais alta da ética e do bem? Ora, quantas vezes não ouvi intelectuais brasileiros fazendo a apologia da politização, condenando as pessoas que não são politizadas! Por exemplo, um homem que se ocupe mais de religião do que de política é condenado como um cretino ou um inconsciente, um indivíduo que se ocupa mais com o sustento de sua família do que de política parece uma criatura inferior. Quando analisamos o termo e entendemos as implicações praticas deste conceito, vemos que esta apologia da politização é a coisa mais monstruosa que algum ideólogo já inventou. Ora, foi à luz desta mentalidade que eu julguei, sem conhecê-lo, o movimento de 1964. Tendo percebido que eu já tinha condenado o réu sem nem tê-lo ouvido, sem nem ter visto a cara dele, sem nem ter sabido onde ele estava, um dia constatei a minha própria ignorância e disse: Bem, agora tenho de ir para casa e pensar no assunto.
Então eu me fiz a pergunta filosófica decisiva. A pergunta filosófica decisiva é “Quê?” — Quid? Eu me perguntei: Quê aconteceu em 1964? O que foi exatamente aquilo? Ou seja, vamos deixar de lado por uns momentos a avaliação dos acontecimentos, a investigação de suas causas profundas, a conjeturação de suas conseqüências a longo prazo, etc. etc., e vamos fazer a mais simples e a mais decisiva das perguntas. Quê aconteceu?
Ora, o que aconteceu em 1964 foi o seguinte. Em janeiro daquele ano, Luiz Carlos Prestes esteve em Moscou, apresentando a Mikhail Suslov um relatório da situação brasileira. Não sei qual foi o conteúdo deste relatório, mas a conclusão de Suslov foi bastante significativa: ele chegou à conclusão que o Brasil estava maduro para ter uma guerra civil no campo, e autorizou então Luiz Carlos Prestes, em seu retorno ao Brasil, a desencadear essa guerra civil no campo. Luiz Carlos Prestes voltou com a autorização e, se não executou a tarefa de imediato, decerto a teria executado ao longo do tempo. Se não havia ainda a condição para desencadear uma guerra civil no campo em escala nacional, havia no entanto condições para paralisar a economia, instaurar a rebelião entre as Forças Armadas e fazer tudo para tornar viável a guerra civil encomendada por Suslov. Em suma, estava sendo montado aqui algo cujo tamanho as pessoas às vezes não avaliam. O que seria uma revolução comunista num país do tamanho do Brasil? Seria certamente a maior revolução comunista da história das Américas. Era isso que estava sendo montado aqui. Ao mesmo tempo é evidente que estava sendo montada uma reação a essa revolução. Que reação era esta? De onde partia? Partia sobretudo de algumas lideranças civis. Particularmente em São Paulo do Governador Adhemar de Barros e no Rio do Governador Cantos Lacerda. Um dos recursos que estes dois líderes utilizaram para fazer face a uma eventual ameaça comunista foi a constituição de tropas paramilitares com dinheiro que recolhiam de empresários e com o apoio discreto e evidentemente ilegal das policias militares desses dois Estados. Os detalhes do Rio eu não conheço (o assunto está sob pesquisa e não posso assegurar nada sobre a extensão dos recursos paramilitares sob o comando de Lacerda), mas a situação de São Paulo eu conhecia muito bem. A Policia Militar, que então se chamava Forca Pública, era uma espécie de igreja ademarista, um culto ademarista, uma seita. Os oficiais da PM parecia que já nasciam ademaristas, como se estivesse no ADN. Se o Adhemar de Barros lhes dissesse: “Vocês peguem um carregamento de três mil metralhadoras e entreguem na rua tal numero tanto”, eles fariam. E assim foram se construindo certas organizações paramilitares como par exemplo a PAB (Patrulha Auxiliar Brasileira), que era uma tropa de vagabundos e arruaceiros, lumpenproletários, exatamente como as tropas fascistas de Mussolini. Ora, eu não acredito que o fascismo seja o pior dos males, o fascismo é uma reação ao comunismo, o fascismo está para o comunismo assim como a febre está para uma infecção. O fascismo não é causa sui, não é ele que se produz a si mesmo, mas ainda assim é uma coisa bastante perigosa. Não sei medir a extensão destas tropas paramilitares fora de São Paulo. Na Paraíba certamente havia organizações desse tipo. Um historiador comunista chamado Moniz Bandeira que apesar de comunista sempre me pareceu honesto no que escreve, diz que provavelmente havia na Paraíba por volta de dez mil homens armados. Muito bem, descobri essas coisas uns anos atrás, quando estava estudando para poder reescrever os capítulos finais de uma obra chamada O Exército na História do Brasil, publicada pela Odebrecht e pela Biblioteca do Exército. Na época eu era um redator autônomo contratado pela Odebrecht, e um dos serviços que vieram parar na minha mesa foi o de corrigir o texto desse livro. O capítulo referente à Revolução de 1964 tinha muitas lacunas e decidi completá-lo por minha conta. Foi revirando livros e documentos, fazendo entrevistas com testemunhas da época, que me dei conta dessas coisas, mas havia alguém que já havia descoberto tudo isso muito antes de mim: o então General Humberto de Alencar Castello Branco, em setembro de 1963, era chefe do Estado Maior do Exército, e fez um discurso alertando seus companheiros para o perigo da proliferação de organizações paramilitares, que num momento de crise poderiam usurpar as funções das Forças Armadas. Ele não se referiu apenas à famosa organização de esquerda, os “Grupos dos Onze”, nem às Ligas Camponesas: ele falou no plural, sem mencionar cor ideo1ógica, e subtendendo que quaisquer organizações paramilitares eram um insulto e um perigo para as Forças Armadas regularmente constituídas. Ora, eu vim a me preocupar com isto em 1996, o Gen. Castelo Branco se preocupou em 1963: dá para medir o tamanho da minha sonolência, da minha burrice, da minha idiotice? Dá para vocês medirem o estado de hipnose em que vivi durante todos esses anos entre 1964 e 1996, para um dia acordar e ver que este homem já havia percebido tudo isso trinta e três anos antes? Muito bem, estavam lá os comunistas montando a sua revolução e os governadores direitistas montando suas tropinhas paramilitares de fascistinhas, a PAB tinha até aquela vestimenta cáqui, muito característica, que lembrava as camisas pardas das SA. Então, com um monte de comunistas armados de um lado e fascistas armadas do outro, que é que ia acontecer? Certamente, a Noite de São Bartolomeu. Mas a direita sempre foi mais combativa, mais corajosa, e estava mais armada: isto quer dizer que se a iniciativa da reação aos comunistas dependesse exclusivamente dos lideres civis, não teria chegado um único comunista vivo ao fim do ano de 1964. A revolução comunista teria falhado. Os comunistas seriam derrotados, como o foram pelas Forças Armadas. Mas quantos eles teriam matado e quantos deles teriam morrido? O número é incalculável, mas além disso ainda podemos compreender que, em plena época da chamada Guerra Fria, as duas grandes potências não duelavam diretamente, mas sim através de situações exatamente como essa, montadas em países periféricos. Portanto, se houvesse uma guerra civil aqui, todo mundo iria querer ajudar os dois lados. Seria um festival de generosidade universal: os Estados Unidos mandando armas e assistência técnica para um lado e a União Soviética e a China mandando armas e assistência técnica para o outro. Seria uma efusão de bondade fantástica, como foi no Vietnã. E teríamos vivido este drama par uma década ou duas. Isto era o cenário que estava montado, isto não é uma conjetura feita a posteriori, isto eram os planos que já estavam em andamento de parte a parte. Na noite de 31 de março para 1o. de abril, o que faz porém o Exército? Ele toma a dianteira, ocupa as ruas, desmonta a máquina comunista, coloca uma focinheira nas tropas direitistas e por fim corta a cabeça dos seus líderes, primeiro encostando-os, depois chegando a cassar os mandatos de Adhemar de Barros e Carlos Lacerda, porém, antes mesmo disto, tomando uma medida mais decisiva ainda que foi criar a Inspetoria Geral das Polícias Militares, com o que todas as policias militares estaduais, virtuais colaboradoras das tropas paramilitares de direita do Brasil inteiro, foram submetidas diretamente à autoridade do Exército e voltaram à disciplina normal. Esta imensa operação de desmontagem de uma revolução esquerdista e de um aparato bélico direitista, quantas mortes custou? Duas, três, cinco no máximo. Quantas pessoas morreram em conflitos políticos entre 1964 e o fim do mandato do Marechal Castelo Branco? Quantas? Cinco? Seis? Este foi o preço que nós pagamos pela desmontagem não só da maior máquina revolucionária já construída pelos comunistas em toda a América Latina, em todas as três Américas, mas também, pela desmontagem do aparato bélico de reação direitista civil, que simplesmente desapareceu da história e entrou no esquecimento. Foi isto o que aconteceu em 1964. Quando vemos isto, só há uma coisa que podemos dizer: Foi absolutamente genial. Não é qualquer um que desmonta uma bomba desse tamanho com uma perda de vidas humanas tão reduzida, tão insignificante. É claro que depois houve alguma violência porque decorridos quatro anos a esquerda se rearmou e se lançou à aventura das guerrilhas. Em razão das guerrilhas morreram umas trezentas pessoas entre os guerrilheiros e duzentas pessoas do outro lado. Na pior das hipóteses, quinhentas pessoas — isto ao longo de mais de uma década, num pais do tamanho de um continente. Este talvez tenha sido o preço mais barato em vidas humanas que qualquer regime do mundo já pagou pela reconquista da sua própria estabilidade. Nunca se deteve uma revolução comunista com tão poucas mortes. Ora, mas sempre vamos encontrar um engraçadinho para nos dizer: “Mas uma só morte já é revoltante!” Ora, nós sabemos perfeitamente que essa atitude é um teatro histérico, um fingimento. Quando se diz que um total de quinhentas mortes é menos grave que um de mil mortes — ou do que as dezessete mil mortes de adversários do regime cubano —, aí já está implícito que todas as mortes são más. Só podemos fazer um cálculo do mal maior ou menor se já admitimos que ambos são males. Mas toda vez que se diz que aqui houve menos violência, que um adepto do regime sanguinário de Fidel Castro não tem autoridade moral para criticar o uso moderado que o nosso governo militar fez de uma violência que a própria esquerda inaugurou, sempre aparece um hipócrita, um sofista, um mentiroso comunista para fingir que é tão cristão, tão bondoso, que não admite a morte de um mosquito, e é precisamente esse tipo de calhorda que vem nos atirar ao rosto a bela frase: “Mas uma só morte já é revoltante!” Ora, qualquer principiante de lógica sabe que não é possível nivelar urna afirmação categórica e uma afirmação comparativa. Por exemplo, se digo que Aids é mais grave do que gripe, não estou fazendo apologia da gripe, estou subentendendo que ambas são doenças, que ambas são males, não é isso? E, se um indivíduo ameaçado de Aids descobre que tem apenas gripe e se regozija com isto, devemos concluir que ele gosta de gripe, que ele ama a gripe, que ele é um apologista da gripe e desejaria espalhar os germes da gripe no mundo? O alívio do mal menor será uma apologia do mal? Só um tipo perverso, como são intelectualmente perversos todos os comunistas sem exceção, pode fingir que acredita numa coisa dessas. Quando nós mostramos que o preço pago por este país para se libertar de urna guerra civil que provavelmente não terminaria nunca foi um preço baixo, sempre aparece não só um farsante para insinuar que adoramos pagar esse preço, mas também aparece sempre um engraçadinho que nos diz que o que estamos fazendo é “contabilidade macabra”. Qual de vocês já não ouviu esta expressão? Ora, todos sabemos que os comunistas odeiam “contabilidade macabra”. E por que a odeiam? Odeiam-na por um motivo muito simples. Odeiam-na porque toda soma do número de vítimas mostra que eles são os maiores assassinos, que eles têm o primeiro prêmio do morticínio universal, que nenhum regime do mundo pode se igualar, em sanha mortífera, ao desses benfeitores do gênero humano. Se somamos o número total de vítimas do comunismo neste século, vemos que é superior ao número de mortes de duas guerras mundiais, somado ao número de vitimas de todas as ditaduras de direita, mais o número total de vitimas de terremotos, enfartes e epidemias variadas. Isto não é força de expressão: é um simples fato, medido matematicamente. Ou seja, o comunismo foi o pior flagelo conhecido pela humanidade desde o dilúvio universal. Não há outro termo de comparação. A peste negra, proporcionalmente, foi menos grave do que o comunismo. Será que perdemos totalmente o senso das proporções? Ou será que o medo de sermos acusados de fazer “contabilidade macabra” nos torna cegos para as proporções dos males? Será que os defensores de uma ideologia tão assassina, tão intrinsecamente homicida, têm alguma autoridade moral para falar mal da nossa “contabilidade macabra”, coma se o feio, como se o mal, não estivesse em cometer os homicídios e sim em somá-los? Como se fazer cadáveres fosse menos grave do que contá-los? Quem condena a “contabilidade macabra” é sempre aquele que tem mais crimes a esconder, que tem portanto uma boa razão para não querer fazer as contas. Pois a contabilidade, macabra ou não, mostra que num país de mais de uma centena de milhões de habitantes um governo militar conseguiu deter uma revolução sem fazer mais de cinco vítimas, e que em seguida esse mesmo governo conseguiu desmontar uma guerrilha sem matar mais de trezentos combatentes (perdendo ele próprio duzentos), enquanto na vizinha ilha de Cuba, em tempo de paz e sem ser desafiado por qualquer guerrilha, o governo comunista matava quase duas dezenas de milhares de pessoas. Não, macabra não é a contabilidade: macabro é o esforço de ocultar os resultados do balancete.
Ora mas foi somente isso que aconteceu em 1964 — um movimento muito bem sucedido, que desmonta duas máquinas de guerra e devolve a paz à nação, com um número de perdas insignificante? Não! Em seguida, as pessoas que fizeram o movimento tinham de governar. Governar como? Tinham um programa? Tinham ao menos uma ideologia pronta? Não tinham. Tanto não tinham, que os governos nascidos da Revolução de 1964 tentaram, nos anos subseqüentes, duas políticas exatamente contrárias: primeiro uma política liberal internacionalista, com Castelo, e depois uma política estatizante nacionalista, com Geisel. Ou seja, eles tentaram as duas pontas do espectro ideo1ógico que então havia no país. Isso prova que não tinham ideologia nenhuma. Ora, não ter ideologia nenhuma significa que esse movimento não foi feito para implantar uma ideologia determinada, mas que foi feito simplesmente para tirar o pais de uma emergência catastrófica, e que, apesar de não se apresentar com programa algum, acabou tendo uma folha de realizações bem superior, seja à da Era Vargas, seja à dos governos que lhe sucederam. Quais são essas realizações? Voltemos à definição: o movimento de 1964 foi um movimento de emergência para desmontar duas máquinas de guerra, para impedir que o pais entrasse numa guerra civil e que em seguida, mesmo não tendo ideologia nem planos definidos, conseguiu — o quê? Vamos ver: em 1964, o número de pessoas que viviam na miséria, que viviam com menos de um salário mínimo neste país era de sessenta por cento da população nacional. Quando terminou o regime militar, eram vinte e poucos por cento. Ou seja, esse regime que não tinha ideologia, que não tinha planos, que nem sabia o que haveria de fazer, conseguiu tirar da miséria quarenta por cento da população brasileira. O que são quarenta por cento da população brasileira? São, hoje, setenta milhões de pessoas, na época uns cinqüenta milhões. Aí é que eu me pergunto: Será que estamos todos dormindo? Será que não percebemos as coisas? Será que perdemos o senso das proporções? Digam-me vocês: Qual o regime do século XX, qual o plano econômico, por mais genial que fosse, seja o Plano Qüinqüenal de Stálin ou o New Deal de Roosevelt ou qualquer outro, que conseguiu retirar da miséria e deu condições de vida humana a 50 mi1hões de pessoas no prazo de uma geração? Quem fez isso? Quem pode se gabar de tanto? Nós conseguimos fazer. Quando digo “nós”, “nós, brasileiros, fizemos”, — vejam que coisa irônica! —, estou atribuindo a mim as obras e as g1órias daqueles a quem eu abominava e a quem chamava de “gorilas”. E eles, os abomináveis gorilas, me deram a possibilidade de hoje poder dizer com orgulho: Nós, brasileiros, fizemos isso, nós tivemos a vitória — a maior vitória sabre a miséria que se conheceu no século XX. E será que temos motivo para sentir vergonha disso? Será que um daqueles meninos de quinze anos que eram meninos de quinze anos aos quinze anos e que agora aos cinqüenta e tantos continuam meninos de quinze anos, bobocas irresponsáveis e sobretudo mentirosos, será que um desses meninos tem autoridade para julgar e condenar o movimento que fez isso?
Quando nos perguntamos o que aconteceu em 64, foi isto. Houve prisões, houve torturas, houve mortes. Eu tive parentes que foram torturados, eu próprio passei muito medo e humilhações. Tive amigos que foram mortos. Um amigo querido meu, João Leonardo da Silva Rocha, apanhou tanto de alguns soldados, segundo se dizia, que ficou louco. Nunca mais ficou bom. Mas eu teria de ser um monstro de mesquinharia para condenar em bloco, por esses atos de violência, por revoltantes e intoleráveis que sejam em sua própria escala, um regime que salvou o pais de uma guerra civil e que salvou cinqüenta milhões pessoas da miséria. Porque ninguém conseguiu fazer tanto com tão pouca violência. Ora, falamos em trezentos, quatrocentos, quinhentos mortos! Quantas pessoas morreram nos Estados Unidos em conflitos políticos no mesmo período? Quantos negros foram espancados e mortos, quantos brancos assassinados em represália? E isto em plena vigência da democracia, com todas as garantias da ordem jurídica, sem o perigo de uma guerra civil. Para matar quatrocentos, quinhentos ou trezentos, os americanos não precisam de uma guerra civil. Na guerra civil deles morreram cinco milhões — foi a maior guerra que o mundo conheceu até então. E o nosso regime, para parar uma guerra civil, e depois para desmontar a guerrilha, matou trezentos e perdeu duzentos. Devemos comparar os nossos militares aos governantes de outras nações, aos cubanos, aos espanhóis antepassados do Dr. Garzón que queimavam freiras em massa, aos americanos que se matam sem cessar, aos lindos lordes ingleses que nunca pararam de matar irlandeses, aos russos que mataram trinta milhões de seus compatriotas, aos chineses que mataram sessenta milhões, ou devemos compará-los a Deus e condená-los por não serem perfeitos? Se houve um governo humano que fez melhor, me mostrem qual. Sobretudo, se houve um governo comunista que fez melhor, me mostrem. Eu nunca vi. Mas todas estas coisas óbvias que estou dizendo parece que foram perdidas de vista, que se tornaram invisíveis e incompreensíveis, ofuscadas por tantas mentiras e tanto falatório comunista recompensado a peso de ouro por empresários de imprensa venais e irresponsáveis. E tudo isso foi perdido de vista por um motivo muito simples: esse governo militar, que era não opressivo, que não era um governo fascista, não tinha um dos principais traços que caracterizam todas as ditaduras e todos os movimentos fascistas: ele não tinha a menor vontade de inculcar uma ideologia na população. Ele não tinha nenhuma ideologia para inculcar. De vez em quando fazia uns cartazes, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, ou mandava passar uns anúncios de suas realizações, uma estrada, uma usina, uma ponte — tudo com menos alarde e menos despesa do que qualquer governo civil antes ou depois dele. Isso foi tudo. Pergunto eu: Havia doutrinação fascista nas escolas? Havia um cinema doutrinário pago pelo governo para inculcar idéias fascistas na população? Não: O governo dava dinheiro para a oposição fazer filmes! Havia programas de TV martelando e remartelando o discurso oficial 24 horas por dia, como em Cuba e em todos os países comunistas e fascistas? Não! Não havia. As novelas, o gênero mais popular de TV, eram usadas pelo governo para transmitir propaganda ideológica? Não. As novelas eram todas escritas por comunistas notórios como Dias Gomes e Janette Clair, e quando o governo censurava alguma cena erótica julgando-a imprópria para o horário das oito quando as crianças estavam acordadas, era uma tempestade de protestos! Havia editoras dominadas pelo governo publicando material ideológico o tempo todo para inculcar a doutrina oficial na população? Não! Ao contrário, nunca o mercado de livros esquerdistas foi tão próspero — no mais das vezes com subsídios do governo —, nas universidades só havia propaganda comunista e simplesmente não se notou um esforço ideo1ógico par parte do governo. O único passo que o governo deu nesta direção foi a disciplina de Educação Moral e Cívica. Mas o que aconteceu com a EMC? Eu estava lá, “meninos, eu vi”. Eu vi isto acontecer. Eu vi o Partido Comunista decidir, muito simplesmente: colocaremos os nossos militantes em todas as cátedras de EMC e as transformaremos em canais de propaganda comunista. Assim disse e assim fez. O governo o impediu? Fez algo para impedir? Não! Ou seja, além de dar liberdade para os comunistas fazerem o que fizeram, ainda criou instrumentos, financiou filmes comunistas, deixou comunistas ocuparem as cátedras de EMC, deixou que os comunistas tomassem toda a imprensa e toda a universidade onde hoje exercem cinicamente um poder de censura. Tudo isso aconteceu porque havia um cidadão chamado Golbery do Couto e Silva que acreditava numa tal teoria da “panela de pressão”. E o que era a panela de pressão? Era que, dizia ele, “não podemos tampar todos as buracos, tem de haver uma valvulazinha…” E onde era essa valvulazinha? Eram as universidades e a cultura, o movimento editorial e o show business — eram todos os canais de comunicação das idéias. Tudo isso foi entregue pelo próprio governo nas mãos dos comunistas. Mas que bela teoria, hein? Era só o que as comunistas queriam. Era só o que eles queriam para fazer da sua derrota militar a sua vitória política, porque naqueles anos estavam começando a entrar no Brasil as obras do ideólogo italiano Antonio Gramsci. Este dizia adeus à teoria leninista da insurreição e criava uma nova estratégia baseada em duas coisas: de um lado, aquilo que chamava de Revolução Cultural, ou seja, o domínio do vocabulário, o domínio dos automatismos mentais, de modo que as pessoas, sabendo ou não, passem a falar e pensar como os comunistas e acabem aceitando o comunismo, com ou sem esse nome, como se fosse a coisa mais natural do mundo; de outro lado, o que ele chamava de a longa marcha da esquerda para dentro do aparelho de Estado, ou seja: ocupar todos os postos da burocracia. Lentamente, com muita calma, através de ocupação de espaço, de nomeações, até mesmo de concursos, — par exemplo, o governo abre um concurso para a Policia Federal e, quando você vai ver, noventa por cento dos candidatos que se apresentam são comunistas, foram mandados ali para isso.
Ora que raio de governo fascista era esse, que não tinha militância, que não tinha partido de massas, que não tinha ideologia, que não tinha sequer um programa de doutrinação das massas, um discurso para ser repetido nas escolas? É simples: esse governo nunca foi fascista. Foi um governo de emergência, criado para impedir uma guerra civil e que chegou ali e teve de governar de alguma maneira, sem nunca ousar aprofundar sua intervenção na história brasileira, ao ponto de constituir uma legitima revolução. O movimento de 64 foi uma revolução? Eu acho que não foi. Também acho que disputar com as esquerdistas e insistir no termo “revolução” quando dizem que foi apenas um golpe é ceder a uma tábua de valores esquerdistas, a um vocabulário esquerdista. Porque para um esquerdista uma revolução é a melhor coisa do mundo. Comunistas é que adoram revoluções. Para que temos de imitá-los? O que temos de responder-lhes é: Vocês, comunistas, que façam suas revoluções. Nós fazemos coisas modestas, nas quais morre menos gente, nós não somos assassinos profissionais, nós não estamos o tempo todo tentando virar o mundo de cabeça para baixo, nós só agimos na emergência para impedir catástrofes. Porque nós não somos como vocês, nós não temos a solução de todos males, nós não somos o bem encarnado, nós não acreditamos que temos a verdade revelada que nos autorize a matar metade do mundo para salvar a outra metade. Em suma, nós somos gente, somos seres humanos, não somos anjos do Senhor como vocês, não temos autoridade para fazer a História à nossa imagem e semelhança, e por isto mesmo, ao tomar o poder em 1964, governamos com sabedoria, com paciência, com bondade, com brandura e sobretudo protegemos vocês contra a direita civil que queria matá-los. Se chegou um único comunista viva ao fim de 1964, ele deveu isso a quem? Às Forças Armadas.
Isso foi o que aconteceu em 1964. Pergunto: onde estava eu? Eu estava dormindo. Dormindo no berço esplêndido da mitologia esquerdista, alimentado de palavras, sobretudo de adjetivos: “Fascista!”, “Explorador!”, “Imperialista!” Ah!, como essas palavras mexiam comigo! Como eram poderosas! Alimentando-me delas, pude passar muito tempo sem me perguntar o que acontecia na realidade. Quando finalmente — e a contragosto — descobri o que acontecera, eu me disse: Quê posso fazer agora? Eu não posso mudar o curso da história passada, mas posso dizer algumas coisas boas àquelas pessoas que participaram desses acontecimentos, que tiveram uma participação em 1964 e que ajudaram a construir o Brasil. Não adianta chegar hipocritamente para vocês e pedir desculpas. Não se trata disso. Mas há uma coisa que posso fazer. Posso lhes dizer: Não se envergonhem da sua obra. Levantem as suas cabeças, tenham orgulho e não permitam que nenhum hipócrita comunista venha se fazer de seu fiscal. Nunca, nunca cedam a sua dignidade ao falso moralismo da hora, nunca sacrifiquem aquilo que é elevado e digno em vocês àquilo que é baixo e vil num outro qualquer. Era isso que eu queria pedir a todos vocês. Muito obrigado.
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