HÉLIO SCHWARTSMAN
SÃO PAULO - Atribui-se a Eubulides de Mileto o paradoxo do careca. Se o proprietário de uma vasta cabeleira tem arrancado um fio de cabelo você não o chama de careca, certo? O mesmo para quem fica sem dois fios. E três, quatro... Quantos fios de cabelo um indivíduo precisa perder para ser considerado careca?
Eubulides e seus paradoxos de indeterminação me vieram à mente por causa da Venezuela. Não há dúvida de que o chavismo chegou ao poder naquele país num cotexto democrático. Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez em 1998 e repetiu o feito em 2000, 2006 e 2012. Após sua morte, em 2013, Nicolás Maduro, a quem designara como sucessor, triunfou, ainda que num pleito contestado.
O problema é que legitimidade popular, embora seja um ingrediente essencial da democracia, não é o único. Desde o início, o movimento flertou com o autoritarismo. Chávez aprimorou o estilo Fujimori de fazer política, que é o de esticar as instituições até o ponto de deformá-las, mas evitando um rompimento formal.
Foi assim que ele criou uma Superpresidência, que pode tudo, desfigurou o Judiciário, transformando-o num órgão dócil, e manietou o Legislativo. Ele também intimidou opositores e jornalistas, ainda que inicialmente sem incorrer numa campanha de violações sistemáticas aos direitos humanos e supressão da liberdade de imprensa.
Foi só a situação econômica piorar mais, em larga medida por erros cometidos pelo próprio governo, para que Maduro arrancasse mais algumas madeixas. Em sua nova fase, o chavismo reprime com violência protestos, prendeu um líder oposicionista com acusações pouco verossímeis e apertou ainda mais o cerco contra a imprensa que não lhe é favorável.
A pergunta que fica é o que mais Maduro precisa fazer antes que o governo brasileiro se dê conta de que está cada dia mais difícil chamar a Venezuela de democracia e pare de apoiar incondicionalmente o regime.
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