Cerca de 70% dos que precisam de transplante de medula óssea não possuem doador compatível na família. A esperança reside em mais de 21 milhões de doadores adultos
Lucas tem 9 anos. O Vasco da Gama é sua paixão e ele adora os jogos eletrônicos. Ele tem sonhos. Muitos. Ele espera que, neste Natal, o maior deles seja realizado. Ele escreveu uma carta com um pedido diferente ao Papai Noel. Lucas tem uma forma grave de leucemia e, portanto, precisa de um transplante de medula óssea para continuar sonhando. Lucas pediu a Papai Noel um doador para um transplante que pode salvar a sua vida.
A generosidade do Papai Noel e de seus agentes aqui entre nós, entretanto, pode ser frustrada. Lucas é negro e a representatividade desta etnia nos registros de doadores de medula óssea é pequena. Não apenas no Brasil, mas também em todo o mundo.
A leucemia não atinge somente Lucas. A cada quatro minutos, uma pessoa é diagnosticada com câncer do sangue. A cada dez minutos uma pessoa morre com este diagnóstico. No mundo, estes números representam mais de seis pessoas a cada hora ou cerca de 150 pessoas por dia. Os pacientes, seus médicos, suas famílias e seus amigos buscam desesperadamente a cura. E ela pode vir através de um de nós.
Cerca de 70% dos pacientes que precisam de um transplante de medula óssea não possuem um doador compatível na família. A sua esperança reside em mais de 21 milhões de doadores adultos potenciais cadastrados bem como em quase 600 mil unidades de células de cordão umbilical armazenadas nos bancos de doadores existentes em todo o mundo, incluindo o Brasil.
Qual o tamanho do registro necessário para atender a toda a população mundial? A variabilidade é extrema e a dificuldade na identificação dos doadores reside na multiplicidade das combinações de marcadores genéticos que fazem cada indivíduo ser único. A natureza, entretanto, permitiu que determinadas combinações fossem toleradas e assim os milhões de doadores representam de fato a esperança de cura para os pacientes.
Para um indivíduo caucasiano, a possibilidade de identificação de um doador compatível é mais de 90%. Os registros de busca estimam que com mais um pequeno esforço será possível atingir o número mágico necessário para que um doador seja identificado para todos aqueles pacientes.
Já para os pacientes negros, os números são bem diferentes. Segundo o programa Be a Match (Seja um Doador), nos EUA apenas 66% dos pacientes afrodescendentes têm um doador identificado. Nesse sentido, há um esforço de todos os registros de doadores para o recrutamento daqueles que representam as minorias étnicas.
No entanto, no Brasil, a situação é ainda diferente. As pessoas que tentaram ajudar Lucas viram os seus esforços malograr. Não pela variabilidade do nosso sistema genético, mas pelo sistema que acredita que as células tumorais respeitam os ditames da nossa burocracia. O registro brasileiro que dispõe de mais de 3 milhões de doadores — sendo, assim, o terceiro maior registro de doadores do mundo — não aceita novos doadores, independentemente da etnia.
A portaria no 2.132, de 25 de setembro de 2013 publicada no Diário Oficial da União, visa a “garantir a adequada representatividade da diversidade genética da população brasileira nesses registros, garantir a oportunidade de identificação de doadores compatíveis e de assegurar a utilização adequada dos recursos financeiros disponíveis no SUS”. Restringir o cadastro de doadores voluntários por estado, como determina a portaria, certamente não irá aumentar a diversidade étnica do nosso registro. Alcançar este objetivo fica ainda mais distante quando aprendemos que o Amazonas terá direito a cadastrar 10.162 doadores por ano. Os critérios que estabelecem a cota de São Paulo em 72.110 e a do Rio de Janeiro em 14.040 doadores também fogem à compreensão. O mundo globalizado não admite regionalidades quando o objetivo é enfrentar o câncer de sangue em todas as etnias. Como justificar as diferentes cotas estaduais?
Quando o sistema é questionado sobre os motivos da recusa de novos doadores, os investimentos dos últimos dez anos são logo apresentados. De fato, os avanços são inquestionáveis. Milhões de reais foram gastos na identificação de doadores para o transplante de medula óssea. Entretanto, o sistema não consegue definir quantos dos nossos 3 milhões de doadores podem ser realmente disponibilizados quando solicitados. E, dentre estes doadores, quantos são negros?
Os milhões de reais e o tamanho do Registro também não serão suficientes para garantir o transplante de Lucas e de muitos outros. A maratona daqueles que sobrevivem ao tratamento inicial não se encerra com a identificação do doador. Como explicar que o Rio de Janeiro, com uma população de mais de dez milhões de habitantes e sede do Registro Brasileiro (Redome), dispõe de apenas dois leitos ativos para os transplantes a partir de doadores identificados neste mesmo Registro?
A batalha para conquistar um leito em um dos centros credenciados frequentemente fracassa, pois o número limitado de leitos aguarda uma nova política de expansão. Enquanto isso, a leucemia não espera. Ela mata!
Como reduzir os custos das tipagens de doadores e mesmo assim ampliar os registros? Um exemplo de sucesso é o registro alemão — o DKMS —, que aceita amostras para tipagens oriundas de doadores de todo o mundo, inclusive do Brasil. Além disso, o programa alemão substituiu a coleta de sangue de potenciais doadores por um esfregaço de células da mucosa bucal obtido com um simples cotonete, permitindo, assim, o envio da amostra pelo correio sem nenhum risco de contaminação. O custo para o governo alemão é de apenas 50 euros. Doações são bem-vindas. É só conferir http://www.dkms.de/en
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