Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Mensalão, convicção e responsabilidade - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR


GAZETA DO POVO - PR -

O impecável comportamento ético do ministro Celso de Mello ao longo de sua carreira como magistrado obriga a que sopitemos a decepção nacional com seu voto favorável ao prolongamento do julgamento dos mensaleiros, que deu sobrevida a um dos episódios mais vergonhosos da história política nacional. A sua manifestação ganha legitimidade porque não parte de alguém que desprezou as regras da independência e da suspeição para votar em favor de seu ex-preceptor e patrão, como fez o ministro Toffoli sem sequer enrubescer. A ele também não se aplica a impressão instintiva e natural de muitos de que ministros recém-chegados à Casa (e que não participaram de todo o longo e dolorido processo de oito anos e milhares de páginas de evidências claríssimas de que o país foi assaltado) deveriam se eximir de votar no caso. Isso seria um gesto de respeito àqueles a que sucederam e que se alinharam com os votos condenatórios, como foi o caso de Antonio Cezar Peluso e de Carlos Ayres Britto.

Portanto, é certo que um julgador tecnicamente preparado como Celso de Mello pode dormir tranquilo com a qualidade jurídica do voto que proferiu sem se preocupar com a opinião do Brasil profundo. No entanto, a charge de Paixão, nesta Gazeta do Povo, em que Têmis, a deusa da Justiça, empunha a espada para... cortar a pizza oferecida pelo ministro é de uma sinceridade cruel e resume o sentimento geral de desencanto.

Ao se decidir pelos tais embargos infringentes – assumindo posição contrária a outros ministros igualmente cultos e estudiosos –, Celso de Mello optou por agir de acordo com o que Max Weber definiu como ética da convicção, deixando de lado a alternativa de agir impulsionado pela ética da responsabilidade. Weber, a exemplo de outros filósofos, distinguia entre as ações que são guiadas pelos valores e crenças pessoais enraizadas e aquelas que, mesmo contrariando essas convicções, são praticadas com vistas ao bem e ao interesse comum. Há momentos e circunstâncias em que o interesse coletivo deve e pode substituir o julgamento puramente individual a respeito da qualidade ética das ações. O ministro Celso de Mello não acreditou que o episódio do mensalão e o caráter exemplar da sua punição fosse um desses. Paciência. Agora resta aguardar. Já há juristas alvoroçados cogitando novos embargos declaratórios para que o STF explique o que quis dizer ao julgar e recusar os embargos declaratórios dos réus...

A retórica dos tribunais sempre pode reservar surpresas. Por exemplo: até há pouco, pensava-se que a última ditadura a que havia sido submetida a Itália houvesse sido a de Benito Mussolini, e que depois da Segunda Guerra o regime democrático tivesse sido a regra vigente no país. Não é de ver que o hoje ministro Luís Roberto Barroso, quando advogado de Cesare Battisti, assassino e terrorista condenado pelo Judiciário italiano (um dos mais respeitados do mundo), conseguiu encontrar piruetas mentais e verbais para retratar seu cliente como uma pobre vítima “dos anos de chumbo” e da Guerra Fria, um pobre coitado perseguido pelos vencedores da guerra política que empreendeu e perdeu?

Vamos torcer para que não seja Delúbio Soares quem possa rir por último, saboreando a “piada de salão” a que comparou o processo. Ou para que o ex-guerrilheiro libertador José Dirceu tenha de interromper sua carreira de próspero e influente lobista fazendo amigos e influenciando pessoas nos mais altos escalões do governo “dos companheiros”. Ou para que João Paulo Cunha não possa continuar a mandar sua esposa receber mimos nas agências bancárias de Brasília e depois mentir a respeito do assunto para a imprensa desta infeliz e maltratada república.

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