O que está em jogo é um princípio indispensável em sistemas democráticos: o de que a lei é igual para todos
Costuma-se dizer que a lei é igual para todos. Acreditar nisso é parte importante da convicção de que vivemos numa democracia. E vivemos mesmo — embora seja importante e prudente aceitar a possibilidade de que, como em quase todas as empresas humanas, há exceções e falhas.
Algumas podem ser inevitáveis, outras nem tanto, principalmente quando as leis têm a ver com o comportamento de quem as cria. Se o prezado leitor, por exemplo, bate a carteira de outro cidadão, não há dúvida alguma: constatado o delito e identificado o seu autor, a aplicação da lei é inevitável: cadeia nele.
No entanto, se o crime é cometido por cidadão que atua em altas esferas do poder público, as coisas podem ser bem diferentes. É o que está acontecendo com políticos que são réus em diferentes processos. Não são poucos. Temos no momento 84 cidadãos — em tese dedicados à preservação do sistema democrático — que são réus em 135 ações penais.
É um número considerável — suficiente para que cidadãos ingênuos considerem que a classe política precisa de uma limpeza em regra. E esperem que o Poder Judiciário seja severo nas punições. Tanto para punir criminosos que ofendem o sistema democrático, como para manter o princípio indispensável de que a lei é igual para todos.
Por motivos que o cidadão comum desconhece, o Supremo Tribunal Federal aceitou outro dia a validade dos embargos infringentes no caso de 84 políticos apanhados, por assim dizer, com a mão na massa — ou, indiretamente, no nosso bolso. Esses tais embargos dão à classe política o direito — que, é preciso não esquecer, não existe para quaisquer outros cidadãos — de ser submetida a novo julgamento. E isso sem que tenha aparecido qualquer prova de sua suposta inocência.
O STF decidiu que os tais embargos são válidos para réus que, embora condenados, tiveram pelo menos quatro votos a seu favor no tribunal. Nos tribunais que julgam quaisquer outros acusados, essa colher de chá — na verdade, mais bule do que colher, não existe.
O cidadão comum tem direito de condenar esse procedimento excepcional — por mais legal que seja. Porque o que está em jogo é um princípio indispensável em sistemas democráticos: o de que a lei é igual para todos. Na verdade, ela deveria ser especialmente severa no caso de réus supostamente obrigados a defender essa igualdade.
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