O GLOBO -
Os dois presidentes trataram dos assuntos que são prioritários para seus respectivos governos. A presidente Dilma Rousseff tem razão de levar essa indignação do governo brasileiro à Assembleia da ONU, mas fica sem sentido pedir uma regulamentação internacional para o uso da internet, que é no limite aonde ela quer chegar, pois esse tipo de atividade não se faz dentro de regulamentações. Espionagem é uma atividade de segurança nacional que se realiza justamente fora dos controles de qualquer tipo de organismo, mesmo internacional.
De qualquer maneira, trazer ao debate internacional a questão da falta de privacidade, a proteção aos direitos humanos, classificando a espionagem americana como violação a esses direitos, está dentro do papel escolhido pela diplomacia brasileira para lidar com um assunto tão delicado.
O melhor papel que ela pode fazer dentro do plano traçado com seus conselheiros, inclusive e sobretudo o de marketing político, é essa denúncia vigorosa , às vezes rude com que tratou o assunto desde o início. Estamos diante de um caso grave de violação de direitos humanos e civis, de desrespeito à soberania nacional de meu país , disse ela ontem do púlpito da ONU.
Não deixou barato o fato de que ela própria e sua comunicação com assessores mais próximos foram espionadas, assim como a Petrobras: Meu governo fará tudo o que estiver a seu alcance para defender os direitos humanos de todos os brasileiros e de todos os cidadãos do mundo e os frutos da engenhosidade dos trabalhadores e das empresas brasileiras .
A presidente afirmou que a espionagem fere o Direito internacional e afronta princípios que regem relações entre nações amigas. Ela afirmou que o Brasil vai propor a criação de um marco civil da internet com validade internacional, que garanta a liberdade, a neutralidade, a universalidade e a privacidade dos usuários.
A presidente Dilma seguiu o script que melhor convinha ao papel que pretende apresentar ao eleitorado brasileiro na eleição de 2014, mas exagerou ao dizer que as tecnologias de informação não podem ser o novo campo de batalha entre Estados , exigindo da ONU um papel de liderança que nenhum organismo internacional pode exercer, simplesmente por ser inócua qualquer tentativa de impedir a espionagem na rede e os ataques cibernéticos, como provam as revelações do WikiLeaks e o vazamento de Edward Snowden, que revelou a espionagem no Brasil.
Faz parte do discurso eleitoral da presidente Dilma essa defesa do país contra a ofensiva dos Estados Unidos, e seria impossível não reagir. Mesmo assim, poderia ter mantido a viagem de Estado programada por Barack Obama, e tentar tirar dessa situação constrangedora alguma vantagem para a nossa política externa. Mas é possível que não houvesse mesmo clima para uma visita tão em cima dos acontecimentos.
O presidente dos Estados Unidos falou depois de Dilma e abordou a questão da privacidade de maneira superficial. Disse que os EUA começaram a revisar a forma de coletar inteligência para equilibrar as exigências de segurança com as preocupações de privacidade que todos os povos têm em comum .
Ao centrar seu discurso na questão da Síria, Obama reafirmou que existem no mundo problemas mais importantes para os Estados Unidos do que a reclamação brasileira. A questão é realmente de interesses específicos. Para o governo brasileiro, não há nada mais importante do que protestar contra a invasão de privacidade e a tentativa de espionagem. Para os Estados Unidos, o mais importante é resolver a questão da Síria, é promover o debate internacional sobre o controle de armas químicas.
Os dois fizeram bem seus papéis. A questão central é que o Brasil não vai conseguir levar para o plano prioritário do mundo essa questão da espionagem americana, nem a Alemanha, que também sofreu espionagem, tentou. Os dois países uniram-se para a realização de uma reunião na ONU sobre o assunto, e na semana passada ela aconteceu em Genebra.
O país foi representado por uma estagiária, que não abriu a boca, numa demonstração clara de que o governo brasileiro sabe que não há o que fazer sobre esse assunto. O que é preciso é tentar minimizar os efeitos das espionagens, montar um esquema de proteção adequado e evitar soluções que impliquem uma política isolacionista.
O resto é propaganda política interna. Depende da tradição política de cada país. Não consta que Angela Merkel tenha utilizado o episódio na campanha em que se reelegeu na Alemanha.
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