Jornalista Andrade Junior

sábado, 28 de setembro de 2013

Não queremos sangue, nem vingança

Não queremos sangue, nem vingança


Queremos Justiça


No ano de 2005 o presidente Lula procurava consolidar uma ampla maioria no Congresso Nacional através de uma aliança que englobasse não só os partidos que lhe deram sustentação eleitoral como também alguns que fizeram parte da coligação derrotada nas eleições de 2002. Não se exigia qualquer compromisso ideológico, nem a adesão a um programa de governo, e a operação era comandada pelo então chefe da Casa Civil, José Dirceu, e pela direção do PT. ...
Sabia-se, sem provas, por informações verbais de membros dos partidos da base governista, que partidos e parlamentares estavam recebendo dinheiro – depois provado que era dinheiro público – para fidelizar a sua participação nessa aliança, objetivando inclusive as eleições do ano seguinte, quando se pretendia reeleger o presidente e garantir a maioria no Parlamento.

O escândalo só veio a público com a denúncia feita pelo deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, um dos partidos da base governista, sobre as operações ilegais feitas no âmbito dos Correios. Os partidos de oposição resolveram coletar assinaturas (o mínimo de um terço dos membros nas duas Casas do Congresso Nacional), para a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que depois ficou conhecida como a CPI do Mensalão.

Não foi fácil a obtenção do número mínimo de assinaturas. Apresentado o requerimento à Mesa do Congresso, há um período curto de tempo (em geral pouco mais de 24 horas), nos termos do Regimento Interno, para a verificação das mesmas, durante o qual é possível a retirada ou a inclusão de outras. O governo se mobilizou para promover a retirada de assinaturas e inviabilizar a CPI e a oposição tratou de acrescentar outras. No final, conseguiu-se assinaturas acima do mínimo necessário.

Instalada a Comissão ela começou a investigar e os fatos começaram a aparecer através de testemunhos e documentos confirmando o que se divulgava: recursos públicos haviam sido desviados para garantir a fidelidade de parlamentares.

Porém, terminado o prazo estipulado de vigência da CPI (seis meses), não se tinham esgotado as investigações nem se tinha chegado às conclusões finais. Era necessária uma prorrogação do prazo de vigência da Comissão. Aí a coisa ficou mais difícil. Novamente necessitava-se um terço de assinaturas, e o governo atuou pesadamente para impedir que tivéssemos sucesso. Enquanto o governo obtinha a retirada de assinaturas por meios menos ortodoxos, a oposição ia obtendo outras.

Foi necessária uma manobra de última hora, em que deixamos de entregar dez assinaturas, que eu mantive comigo até o último minuto, para evitar que o governo as identificasse. Pegos de surpresa, não tiveram tempo para obter a retirada de mais assinaturas. Obtivemos o nosso intento com apenas uma assinatura acima do mínimo necessário. Assim a CPI prosseguiu, concluiu os seus trabalhos e enviou os resultados ao Ministério Público Federal que iniciou o processo objeto das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal.

Esse relato histórico é necessário para desfazer o mito de que a oposição não atuou para esclarecer o episódio e levar aos tribunais os principais responsáveis. Não houve omissão, nem inação. Fizemos o papel que nos cumpria fazer.

Estamos, agora, diante das decisões do STF. A sociedade assistiu ao andamento das investigações e do julgamento como nunca antes neste país. Concluiu-se pela existência do mensalão, pelo desvio de dinheiro público, pela confirmação da corrupção com formação de quadrilha. Os responsáveis foram condenados e devem cumprir as penas determinadas.

Mas o processo não se encerrou. Recursos da defesa estão sendo discutidos. Aos leigos soa estranho que o mesmo tribunal que já decidiu volte a decidir sobre o mesmo processo e possa fazê-lo de forma oposta ao decidido. No entanto, existem argumentos consistentes para aceitar ou não os embargos. Ainda que tenhamos consciência de que alguns dos membros do STF agem com viés político/partidário – inclusive eram militantes petistas – e atuam para abrandar as penas dos culpados, e que o processo político de indicação dos membros do Tribunal – o presidente indica e o Senado aprova – torna inevitável a componente política que influencia as decisões, temos que aceita-las. Não temos nada melhor no processo democrático vigente.

A condenação da antiga cúpula do PT é prova de que o STF mantém um respeitável grau de autonomia e independência. A recente decisão de aceitar os recursos (embargos infringentes) nos casos dos condenados por formação de quadrilha não invalidam todo o trabalho feito. Ainda que juridicamente possa não se configurar uma “quadrilha” (o tribunal vai julgar os recursos), o fato político é esse mesmo: um grupo operou para obter dinheiro público e garantir maioria no Congresso Nacional. Para nós é quadrilha, bando, gangue, seja lá o nome que se dê. A corrupção ativa e passiva, o desvio de dinheiro público, que condenou vários dos processados é fora de dúvida. O fato político é inquestionável. Se vão cumprir as penas em regime fechado ou semiaberto, o STF vai decidir.

O argumento da maioria vencedora no Supremo – pelo direito ao recurso – é razoável, ainda que, para nossa consternação, o processo legal permita a sua quase dita “eternização”. É correta a concepção de que o ruído das ruas, a compreensível sede de Justiça por que clama a opinião pública, não pode se sobrepor à lei. Ainda que, nesse caso, se entenda que esse clamor tenha razão de ser, nem sempre ele faz Justiça. A História da humanidade mostra muitos exemplos disso.

Não queremos nem sangue, nem vingança. Queremos Justiça.

Cabe agora ao Supremo ser ligeiro. Superar as chicanas de advogados de defesa e mesmo de juízes. Aí sim, não há desculpas. A Justiça só existe quando é rápida. O caso já se arrasta por oito anos, desde o início das investigações da CPI. É mais que suficiente.
 
Por Alberto Goldman
Fonte: Diário do Poder

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