REINALDO AZEVEDO
Não
conheço o médico Alexandre Gustavo Bley, que já é, a esta altura,
ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná. Ele renunciou
ao cargo nesta terça-feira. E o fez, entendo eu, por respeito às leis,
aos princípios do regime democrático, à dignidade do seu cargo, à ética
de sua profissão. Não estou aqui a dizer que outros devam segui-lo.
Talvez o ministro Alexandre Padilha até sonhe com isso — restaria a
possibilidade de entregar os conselhos à companheirada. Sempre há um
“companheiro” de olho numa boquinha. Se a gente se distrai, eles
aparelham festa de batizado, churrascada, reunião da Tupperware e visita
de vendera do Avon. A leitora pensa que vai comprar um batom e pimba!
Cai vítima da abdução.
Bley
renunciou. Não aceitou ceder às pressões do governo. E escreveu uma
carta que merece ser lida com cuidado. Abre com uma epígrafe. Leiam o
que vai abaixo.
*
A covardia coloca a questão: É seguro?
O comodismo coloca a questão: É popular?
A etiqueta coloca a questão: Ë elegante?
Mas a consciência coloca a questão: É correto?
E chega uma altura em que temos de tomar
uma posição que não é segura, não e elegante, não é popular, mas temos
de fazê-lo porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude
correta.
Martin Luther King
Caros colegas Conselheiros,
Há 10 anos
iniciei minha vida dentro do Conselho Regional de Medicina do Paraná.
Confesso que foi nesse ambiente que aprendi o real significado da
palavra ÉTICA. Um conceito que possibilita o convívio entre as pessoas e
traduz o conjunto de valores morais e princípios de uma sociedade.
Portanto, é plural, mas auxilia cada um nas decisões cotidianas do que
queremos, podemos e/ou devemos fazer. Da mesma forma, as leis norteiam o
cidadão no caminho da justiça, o que, a principio, seria eticamente
aceito. O grande problema é quando a lei se dissocia da ética.
No momento
em que o governo federal emitiu a Medida Provisória 621/13, que
instituiu o Programa Mais Médicos, criou-se um “arcabouço legal” para
que o programa existisse, inclusive passando por cima de leis já
consagradas. Já se passaram 70 dias, após a exposição de inúmeras
incongruências da medida, modificações foram propostas, e dois decretos
foram emitidos na tentativa de legitimar a ação do governo. Portanto as
“leis” estão postas, mas será que todo esse processo é ético? Aos meus
olhos, não.
O
diagnóstico feito pelo governo de que o Brasil necessita de um maior
número de médicos no sistema público é correto, para não dizer óbvio,
mas, desde o inicio, os Conselhos de Medicina, criados legalmente para
proteção da sociedade, têm alertado que a causa apontada e o tratamento
instituído são absolutamente incorretos. A MP 621/13 passa ao largo da
solução definitiva de um acesso à saúde, tanto em quantidade quanto em
qualidade, condizente com as demandas do povo. Já de muito tempo se
denuncia o subfinanciamento da saúde e a má gestão, porém, como de
praxe, o governo federal varre para baixo do tapete sua própria sujeira,
tentando se eximir da responsabilidade que lhe cabe e colocando a culpa
em toda classe médica.
A vinda de
profissionais formados no exterior rende manchetes diariamente, seja
pela nacionalidade ou agora pelos documentos de inscrição. O vergonhoso
envio de dinheiro público para a ilha de Cuba, através da contratação de
profissionais subjugados, expõe a moral deste governo. Na mesma linha, a
forma autoritária e açodada com que os registros provisórios nos
conselhos estão sendo tratados demonstra a falta de zelo com a segurança
da saúde do povo. Inúmeros problemas foram encontrados e já noticiados,
como documentos trocados, falta de autenticações, falta de diplomas,
falta do local de trabalho, nome do supervisor responsável, entre
outros.
Após ampla
celeuma, a Advocacia Geral da União admitiu em ação civil pública
proposta pelo Cremers, que os requisitos dispostos na MP 621/13 podem e
devem ser observados, porém o governo não tem corno atendê-los agora.
Tal situação ensejou o CFM a “liberar” os CRMs da exigência de ter o
nome dos supervisores, tutores e locais de trabalho, concedendo o
registro e dando um prazo de 15 dias para regularização. Penso que é uma
atitude no mínimo temerária, pois, uma vez liberado o registro, como
voltar atrás ? Aguardar esses poucos dias para, de posse de todos os
documentos, proceder o registro seria o mais sensato, como noticiamos
abertamente para toda a nação durante vários dias. Lembro que há exatos
56 anos os Conselhos de Medicina foram criados e se tornaram
responsáveis pela inscrição dos médicos, habilitando o exercício
profissional seja definitivo ou provisório, o que possibilita a
fiscalização e o julgamento dos possíveis desvios éticos cometidos. A
mesma medida é tomada para qualquer médico que vem se inscrever, seja
brasileiro ou estrangeiro, formado no exterior ou não. Tudo isso com o
intuito de levar segurança à população; logo, penso que não podemos e
não temos o direito de abrir mão do nosso dever legal.
Entretanto
a pressão do governo sobre os Conselhos já passou o campo da
argumentação e de forma clara passou à intimidação, colocando em risco a
existência destas instituições, bem corno a moral dos conselheiros que
procuram contribuir para a representação de nossa instituição. Por isso
entendo que a medida tomada na plenária, de inscrever esses
profissionais e aguardar o restante dos documentos, conforme orientação
do CFM, pode ter sido a forma mais sensata para se evitar um mal maior.
Não tenho dúvida de que sem a presença do Conselho a sociedade ficará
mais desprotegida. Entretanto, essa obrigatoriedade de inscrição, ao
arrepio da lei, do próprio contexto da MP 621 e da ética, me incomoda e
me faz tomar uma atitude. A luta é árdua, pois a força governamental é
infinitamente superior, e a preservação da instituição tem que ser
priorizada. As pessoas passam, mas as instituições devem ficar.
Todos
sabem que, ao longo de minha gestão, primei pela retidão de conduta e me
expus demasiadamente na defesa do que entendemos ser o correto para a
saúde. Devido à grande visibilidade, não me sinto nem um pouco
confortável em assinar uma carteira de habilitação sem que TUDO esteja
na mais absoluta correção, conforme o zelo e a isenção que sempre
norteou as ações do CRM. Caros colegas, não se trata de intransigência
de minha parte, mas sim de coerência. O governo, de forma unilateral, me
diz que eu devo fazer, porém não posso, pois minha consciência e minha
historia não permitem.
A decisão
que estou tomando está sendo muito dolorosa, pois sei das implicações
que traz. Pensei e pesei a minha atitude, abri mão da vaidade e me despi
de qualquer apego a cargo ou status. Gostaria de pedir desculpas a
vocês, meus colegas de conselho, aos funcionários, à ciasse médica e ao
povo do Paraná, mas a situação está insustentável para a minha pessoa.
Diante do
exposto, renuncio ao posto de Presidente do CRM-PR, mas não da luta pela
definição de políticas de estado para que o acesso à saúde saia do
patamar vexatório em que se encontra e faça jus ao que a Constituição
Brasileira traz em seu texto, qual seja, um real direito de cada
cidadão. Saio da representação e retorno para junto dos milhares de
médicos que jamais se furtaram de participar desse debate, pois somos
forjados nos bancos da escola para, acima de tudo, salvaguardar a vida
das pessoas.
Confesso a
todos que prefiro a vergonha da renúncia a ter que conviver com a
vergonha de ter traído a minha consciência, pois, quando um indivíduo
abre mão de suas convicções, perde sua identidade e o significado de sua
existência.
Atenciosamente e com profundo respeito,
Alexandre Gustavo Bley
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