Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 25 de junho de 2013

O tamanho e o peso do monstro das ruas

O tamanho e o peso do monstro das ruas


Sou do tempo em que, ao cobrir passeatas, a gente não sabia em que momento a PM trocaria o cassetete por balas calibre 38. Tínhamos medo da polícia e éramos defendidos pela massa. Hoje, vejo colegas no terraço de prédios próximos, temendo o linchamento.

Aos olhos do meu tempo, o script atual é amadorístico e arriscado, se pensarmos no comportamento de massa: não há concentração ou palanque com um poderoso sistema de som onde as lideranças (?) se alternem, por ordem crescente de representatividade, até uma apoteose ao som do Hino Nacional. ...

Hoje, é um mar de gente sem rumo, cada um com sua revolução preferida rabiscada num cartaz. Uma pulverização espetacular. Às vezes, tudo parece a campanha da Fiat, aquele happening feicibuquiano ao som da música "Vem pra rua". Outras vezes explode, no mesmo cenário, um assustador ódio aos partidos.

Intelectuais e colunistas que admiro, anestesiados, parecem esquecer o significado e, principalmente, a consequência, de palavras como voluntarismo, ingenuidade e irresponsabilidade - três dos subprodutos do comportamento juvenil em qualquer época ou sociedade, hoje ou nas barricadas de 1968. Parece existir, no ar, um receio de criticar ou analisar mais profundamente o que os meninos estão fazendo. Ninguém usa o verbo aprontar.

Recebi um link com uma convocação do tipo "Vila Euclides", feita na Esplanada dos Ministérios. A ideia era reunir, primeiro, um milhão, depois, três milhões e, finalmente, 20 milhões de manifestantes. Pensei: vai que acontece algo de proporções gigantescas? Em vez de entusiasmado, fiquei apreensivo.

Imaginei o estrago, aplicando, na sonhada massa de milhões, a porcentagem de gente violenta que também compareceria. E o contingente policial e militar que seria mobilizado. Pensei na infra. Onde fazer o número um e o número dois? Quantas carrocinhas de Geneal? E os ministérios militares, ali pertinho, ficariam de braços cruzados? Como evitar uma invasão do Congresso, sua destruição e o linchamento de políticos e funcionários, senão com muita violência?

E a pergunta principal: que resposta imediata, ali, na hora, aplacaria a fúria reivindicatória da multidão?

linchamento de políticos e funcionários, senão com muita violência?

E a pergunta principal: que resposta imediata, ali, na hora, aplacaria a fúria reivindicatória da multidão? Enforcar Feliciano na cúpula do Senado? Entregar o Ministério da Fazenda ao Movimento Passe Livre? Fuzilar os condenados do mensalão na rampa do Congresso? Coroar Joaquim Barbosa Rei do Quilombo do Planalto? Desapropriar o Eike Batista? Implodir os estádios construídos para a Copa?

Meu pesadelo paranoico foi interrompido pela lembrança de que o monstro, sabiamente identificado por mestre Elio Gaspari, mora atualmente na internet. E, como a internet, se ele é gigantesco, abrangente, rápido, insubordinado, incontrolável, livre, totalmente acessível e transnacional, também é pulverizado, individualista, cego, irresponsável, agressivo, totalitário, permissivo, virtual e, acima de tudo, amadorístico.

O que estamos vendo nas ruas tem tudo isso. Para o bem e para o mal.

Tal como no mundo virtual, o monstro será freado por seu próprio gigantismo. Para o bem e para o mal. As instituições, mesmo severamente chamuscadas, terão de dar algum tipo de resposta. Poderemos, infelizmente, ter mais cadáveres e prejuízo material. Mas novos líderes estão surgindo para as causas justas, ainda que hoje eles rejeitem essa condição. E as redes sociais, aprendendo com a experiência, poderão produzir movimentos mais organizados e, acima de tudo, mais eficientes.

Assim como na web, nem tudo será respondido ou resolvido. Para o bem e para o mal, a vida continua. O que estará em pauta é o grau de desenvolvimento do país, o IDH, a qualidade das instituições, do parlamento, da imprensa, dos militares, da polícia e da classe empresarial. Sonhar que as redes sociais possam substituir esse complexo processo de amadurecimento de um país é uma perigosa ingenuidade.

A propósito, Tim Berners-Lee, o criador da web, em entrevista ao programa "Ciência & Tecnologia", exibido pela Globo News no último sábado, ao ser indagado sobre qual seria a definição de sua invenção que gostaria de ver inscrita na placa de seu túmulo, resumiu tudo:

"Vago, mas empolgante".
 
Por Ernesto Rodrigues
Fonte: O Globo

0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More