O PIB, choque de realidade - EDITORIAL O ESTADÃO
O governo pretende fazer do investimento o motor da expansão econômica - e com urgência, para colher resultados eleitorais em 2014. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já havia chamado a atenção para uma provável mudança do padrão de crescimento, baseado em informações parciais.
Mas a nova orientação ficou clara só no último fim de semana, depois de anunciado o fiasco econômico do primeiro trimestre. Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB) foi apenas 0,6% maior que o dos três meses finais de 2012. O consumo das famílias ficou praticamente estável, com expansão de 0,1%, apesar da manutenção de vários estímulos fiscais.
Uma revisão dos números dificilmente mudará os pontos essenciais do quadro. Diante do desastre inegável, e pressionada pelo desafio da reeleição, a cúpula do governo decidiu, como primeira providência, atribuir a máxima importância ao programa de concessões na área de infraestrutura.
A maior ênfase ao investimento foi confirmada pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, depois de publicados os números do primeiro trimestre. A preocupação com as eleições de 2014, além de evidente, foi reconhecida por fontes do governo.
A mudança de ênfase poderá fortalecer a política econômica, se a equipe responsável se mostrar capaz, a partir de agora, de executar o programa. Será uma notável metamorfose. Anunciado em agosto de 2012, o programa de concessões ficou empacado até agora. Deveria ter sido prioritário desde o lançamento, mas só há pouco tempo a cúpula brasiliense parece haver descoberto sua real importância.
O começo das licitações estava previsto para o fim do ano passado, mas só deverá ocorrer, na melhor hipótese, em setembro. Para evitar mais um fracasso, o governo teve de vencer o preconceito contra o lucro, melhorando as condições de rentabilidade dos projetos.
Aquelas oferecidas inicialmente foram baixas demais para atrair investidores. Em vez de se perguntar se o País precisa realmente de infraestrutura mais ampla e mais eficiente, as autoridades concentraram a atenção na lucratividade do investimento. A decisão inicial de limitar severamente o retorno para os investidores inverteu as prioridades e deixou a expansão e a modernização da infraestrutura em plano inferior.
Quando o programa de concessões foi anunciado, há quase um ano, o primeiro obstáculo foi logo apontado por alguns analistas: já nas licitações o governo poderia tropeçar, por falta de realismo na fixação de critérios e por despreparo técnico. Esse despreparo já foi reconhecido até por autoridades, em momentos de rara franqueza na discussão de problemas de política econômica e de execução de programas e de projetos.
Com a mesma franqueza, seria preciso reconhecer o voluntarismo e a teimosia como algumas das piores marcas da atual administração federal. Esses defeitos explicam por que o governo insistiu até recentemente em tratar o consumo como principal motor da economia. De fato, o governo só decidiu pensar em nova estratégia quando a estagnação do consumo tornou evidente o fracasso da escolha inicial da presidente Dilma Rousseff e de seus conselheiros mais importantes.
Esse fracasso é também explicável, em parte, pela tolerância à inflação, outro erro fundamental da política seguida até agora. Mesmo com os incentivos setoriais e com a inegável expansão do crédito, os consumidores tiveram dificuldade crescente para conviver com a alta de preços e consequente erosão de seu poder de compra. A percepção desse fato levou a outra importante mudança, traduzida no recente aperto monetário. Depois de muito tempo, a inflação parece haver-se tornado, afinal, assunto importante para a cúpula da administração petista.
O governo sofreu um choque de realidade. Daí a conversa sobre um novo padrão de crescimento. Mas é cedo para medir esse choque e suas consequências. A política fiscal, até agora marcada pela irresponsabilidade, será um indicador muito importante para essa avaliação.
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