Rafael Fantin, Gazeta do Povo
A possibilidade de privatização do Porto de Santos foi oficialmente descartada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em dezembro, com a retirada do projeto do Programa Nacional de Desestatização (PND). No entanto, a gestão petista promete que o maior porto da América Latina vai receber cerca de R$ 7 bilhões de investimentos por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê a construção do túnel Santos-Guarujá com participação privada, além de concessões nos acessos ao porto e arrendamentos de serviços para empresas.
Entre as promessas do “novo PAC” estão a concessão da Ferrovia Interna do Porto de Santos (Fips); obras nas avenidas perimetrais da margens direita e esquerda; 16 arrendamentos e uma parceria público-privada (PPP) para construção do túnel Santos-Guarujá - de 1,7 quilômetro e com orçamento previsto em R$ 5 bilhões - com aporte dos governos federal e estadual.
Ou seja, apesar da resolução do governo federal de manter a gestão na autoridade portuária pública, existe uma dependência histórica de capital privado para concretização de investimentos em infraestrutura no setor e na própria operação dentro dos portos nacionais.
Conforme resolução publicada no Diário Oficial no mês passado, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) continuarão com a competência de coordenar e monitorar as medidas de concessão parcial dos serviços portuários.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que o modelo de gestão chamado de “landlord port” - que significa gestão estatal com investimento e operação privada - é o principal adotado pelas autoridades portuárias, internacionalmente. Mas existe uma ressalva: o modelo brasileiro é marcado por uma forte ingerência político-partidária na administração técnica dos portos.
O diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Silva, lembra que a participação privada no setor ocorre no país desde antes da lei 8.630 de 1993, que regulamentou os arrendamentos portuários. “Essa sempre foi a tônica inclusive nos governos anteriores do presidente Lula. O que foi paralisado neste momento foi o processo de privatização, modelo de desestatização com a venda da Companhia Docas, como aconteceu em Vitória (ES). Em Santos, foi optado pela manutenção da gestão no ‘landlord’, modelo de sucesso no mundo todo. Ou seja, o governo continua proprietário da terra, mas pode firmar parcerias privadas”, explica.
De acordo com ele, a concessão dos canais de acesso aos portos era discutida há anos e pode se tornar uma realidade no país, como ocorre nos setores de rodovias e ferrovias, com destaque para o projeto inédito do Porto de Paranaguá (PR). O governo paranaense pretende passar a administração para a iniciativa privada por 25 anos para ampliação, manutenção e exploração do canal de acesso aquaviário. “É muito importante deixar que os entes privados participem do processo. Quase toda operação nos portos é feita pela iniciativa privada sem conflitar com a manutenção do controle do Estado”, afirma.
O presidente da ABTP também lembra que a prorrogação do Reporto (Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária) até 2028 deve ser convertida pelas empresas do setor em mais de 50 bilhões de investimentos em terminais privados ou arrendados. O Reporto desonera os impostos de importação de máquinas, equipamentos, peças de reposição e outros bens.
“A renovação foi feita por cinco anos, de tal forma que se encaixa perfeitamente na reforma tributária. A partir deste momento, a expectativa é que o setor não necessite do incentivo, pois a reforma tributária trata dessa situação. Isso significa incentivo para o capital privado no setor e atrai os investidores, pois país nenhum do mundo tributa infraestrutura, mas o resultado, quer seja produtos ou serviços”, projeta.
Na avaliação de Silva, os principais problemas portuários estão nos acessos “saturados” pelo aumento da demanda e crescimento da produção nacional em diferentes setores, entre eles, o agronegócio. “As medidas anunciadas para o Porto Santos são de extrema relevância, como o VTMIS [Sistema de Monitoramento de Tráfego de Embarcações], a construção do túnel para relação entre o porto e a cidade com a diminuição dos gargalos e outras medidas, como os pátios reguladores para agendamento e chegada de forma escalonada.”
No final de dezembro, a Autoridade Portuária de Santos (APS) contratou a Fundação Vanzolini para elaborar a modelagem jurídica e econômica do projeto para obras do túnel Santos-Guarujá. “Conseguimos chegar a um consenso sobre o traçado do túnel, que evitará desapropriações e tornará possível cumprirmos um cronograma que prevê lançamento do edital em 2024, início da obra entre 2024 e 2025, e conclusão entre 2028/2029”, prometeu o presidente da APS, Anderson Pomini.
Além disso, foi aprovado o termo de acordo para a aquisição, por desapropriação extrajudicial amigável, de áreas particulares em Guarujá, que somam 6.859 metros quadrados, por onde deve passar o novo trecho da Avenida Perimetral da Margem Esquerda, obra que integra o Novo PAC e tem previsão de repasse de cerca de R$ 500 milhões do governo federal.
Movimento por privatização do Porto de Santos pode voltar
O presidente da Federação Nacional das Operações Portuários (Fenop), Sérgio Aquino, reforça que a regra internacional é de administração dos portos pelo poder público, seja municipal, estadual ou em conjunto. O governo tem autonomia na gestão administrativa-financeira e conta com a captação de investimentos na iniciativa privada, além da participação das empresas nas operações portuárias e na logística de cargas.
“A diferença é que a administração pública não está subordinada aos movimentos político-partidários. Não é porque o governo mudou que se troca os gestores dos portos. O controle da empresa é do poder público, mas a gestão segue o conceito da iniciativa privada, principalmente com a participação de conselhos da sociedade, como era o CAP [Conselho das Autoridades Portuárias] no Brasil”, avalia.
O CAP era um órgão deliberativo e passou a ter papel consultivo com alteração na Lei dos Portos, sancionada durante o governo Dilma Rousseff (PT). As entidades propõem que a comunidade empresarial portuária tenha uma participação mais efetiva nas decisões do setor no país. “O movimento para que o Porto de Santos continue com gestão pública segue essa tendência, o que é considerada a melhor prática mundial. Porém, não podemos continuar reféns de movimentos e nomeações com influência político-partidária. Até agora, não existem regramentos que garantam a profissionalização efetiva das direções dos portos”, cobra Aquino.
Para o presidente da Fenop, não adianta a manutenção do porto como empresa pública sem mecanismos para evitar as ingerências partidárias, caso contrário, o movimento pela privatização pode ser retomado em Santos. De acordo com ele, a Fenop apresentou a proposta ao governo federal para que a nomeação de diretores portuários dependa da homologação ou manifestação do CAP, o que pode dificultar a troca de cargos para acomodação de aliados partidários sem justificativa técnica. A Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) também defende o fortalecimento do CAP para deixar mais robusto o sistema "landlord" adotado pelo Brasil.
“Não há uma situação confortável pelo fato de o Porto de Santos ter sido retirado do Plano de Desestatização. A questão não é só essa. O modelo mundial foi mantido e deve ser seguido de maneira integral: empresa pública, autonomia administrativa-financeira e gestão profissional sem interferência política. Se não tivermos isso, muito cedo e com muita força, retornará o movimento para privatização das administrações portuárias”, pondera.
Investidor cobra planejamento técnico a ser aprovado pelo Congresso
Diretor de investimentos em terminais da Terminal Investment Limited (TiL) e presidente do Conselho de Administração da Brasil Terminal Portuário (BTP), Patrício Júnior, defende um planejamento a longo prazo com metas para o setor com aprovação do Congresso Nacional como política de Estado, independente da gestão presidencial. Segundo ele, o planejamento estratégico traz mais segurança, previsibilidade aos investimentos na iniciativa privada e menos burocracia na execução de obras fundamentais para o desenvolvimento do país.
“Qualquer governo não deve alterar algo que é discutido, conversado, trabalhado com a sociedade. Dentro do governo federal, existe o Infra, que é o órgão técnico que cuida do planejamento na área de infraestrutura. Na minha avaliação, o Infra deveria desenvolver um trabalho tanto na área de portos, rodovias, entre outros, que fosse um MasterPlan de 5, 10 ou 15 anos, independente do governo que está no poder, que iria apenas executar um plano de investimento de longo prazo de uma nação”, defende o investidor.
De acordo com o diretor, o plano deveria ser aprovado pelo Congresso Nacional com a possibilidade de alteração em parte pelos governantes, com garantia da manutenção do projeto como um todo. “Isso deveria ter sido feito há muito tempo no Brasil. Sem isso, começam os problemas dos ‘puxadinhos’ com governos que uma hora puxam o barco para direita e outra hora vão para a esquerda”, opina Júnior.
O cenário resulta em insegurança para os investimentos e preços maiores, consequentemente. “A dificuldade do investidor estrangeiro não é saber para onde o barco está indo, mas se amanhã ele ainda estará na mesma direção. Toda insegurança faz com que haja uma taxa de retorno maior”, comenta o diretor, que ainda faz a ressalva que instabilidade não é um problema exclusivo do Brasil.
“É assim em todo o lugar, inclusive nos Estados Unidos. Em alguns lugares, o problema é um pouco menor e em outros, o problema é maior. No Brasil, eu diria que é médio. Perdemos a oportunidade de estar um pouco adiante. Isso pode acontecer se apostarmos mais no investimento em infraestrutura, que é a saúde corporal do indivíduo. Se estiver tudo funcionando, ele pode ser um atleta”, ressalta.
Em dezembro, a BTP teve o contrato de arrendamento no Porto de Santos renovado por mais 20 anos e prevê, como contrapartida até 2047, o investimento de R$ 1,9 bilhão no terminal de contêineres. Trata-se de um dos maiores investimentos privados em infraestrutura portuária do Brasil dos últimos 10 anos.
Presidente do Conselho Administrativo da BTP, Júnior afirma que muitas ideias brilhantes na área de infraestrutura começam a ser executadas, mas as obras públicas travam por décadas e os projetos não saem do papel.
“A empresa tinha planos durante a gestão de Tarcísio de Freitas no Ministério da Infraestrutura, no governo Bolsonaro, para investimento no Porto de Santos no STS 10. No novo governo, a administração passou para autoridade portuária, que defende que não existe necessidade do STS 10 com investimento em outros locais. Foi feito um estudo sobre isso, uma análise de impacto ou a decisão foi tomada por alguém que simplesmente acha que não deve ser feito? Quando investimos dinheiro, pensamos nisso tudo”, questiona.
Segundo a APS, o porto recebe mais de 5 milhões de contêineres por ano em terminais privados, que têm capacidade atual calculada como suficiente até 2030. O governo Bolsonaro sinalizava para um novo terminal de contêineres, o STS 10, com interesse da BTP para ampliação da capacidade do Porto de Santos.
Rafael Fantin, Gazeta do Povo
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