J.R. Guzzo
Salvo durante os primeiros tempos do regime militar de 1964, poucos partidos ou chefes políticos tiveram um tratamento tão amigo por parte da maior parte da imprensa brasileira como Lula e o PT têm tido nos últimos cinco ou seis anos. Desde que o nome de Jair Bolsonaro apareceu como uma nova realidade da política nacional, proprietários puseram seus veículos e jornalistas puseram sua profissão a serviço do atual presidente – dentro da justificativa geral de que só ele e o seu sistema poderiam “salvar a democracia” no Brasil.
No seu momento mais extremado, esse esforço cívico levou a principal emissora de TV do Brasil a emitir uma sentença que nenhum tribunal deu até hoje para os problemas penais de Lula: “O senhor”, anunciaram no ar, “não deve nada à Justiça”. Depois que o TSE contou os votos da eleição do ano passado e declarou que Lula tinha ganhado, a democracia estava “salva”. Não era mais necessária, portanto, a aliança com o novo regime. Mas o fato é que, por essas coisas da vida, o apoio ficou ainda mais apaixonado.
Após anos seguidos de boa paz, o presidente e o PT começam a denunciar a imprensa como “inimiga” e retomar sua posição-raiz: os meios de comunicação são “monopólios” indesejáveis a soldo da burguesia.
Montou-se nas mesmas regiões da mídia, desde então, uma frente unida de resistência em favor dos novos administradores do Tesouro Nacional – e a coisa até que ia indo bem quando começaram a surgir diferenças de entendimento sobre a natureza da parceria. O governo entende que tem direito a 100% de apoio em 100% das questões e em 100% do tempo. Alguns veículos entendem que não é assim; consideram-se autorizados a discordar em determinadas coisas, e até mesmo a falar mal de Lula, das centenas de ministros, para-ministros e subs dos subs que vêm embaixo quando acham que isso ou aquilo está errado.
Houve, no começo, um pouco de surpresa por parte do governo, logo transformada em impaciência e, agora, em franca indignação. Após anos seguidos de boa paz, o presidente e o PT começam a denunciar a imprensa como “inimiga” e retomar sua posição-raiz em relação à ela: os meios de comunicação, mais uma vez, são “monopólios” privados indesejáveis a soldo da burguesia, do “grande capital” e de tudo aquilo que fingem ser contra. Não admitem meio termo. Ou puxa o saco, dia e noite, ou é inimigo.
Essa neurastenia agressiva veio à luz do sol, com todas suas reservas de rancor, com as críticas de alguns veículos a decisões da Petrobras em geral e, em especial, à sua política de investimentos. A irritação oficial se deve, no caso, às observações que a imprensa fez a respeito do reinício das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco – que deveria custar 2 bilhões de dólares, já engoliu mais de 20 bi, levou a Petrobras a tomar um calote master do companheiro Hugo Chávez e até hoje, após quase dez anos de obra, não está pronta.
Essa refinaria é um dos mais escandalosos fracassos dos governos anteriores de Lula e o pior de toda a história da estatal. Vão enfiar ali, agora, mais 6 ou 8 bilhões de reais tirados do bolso do pagador de impostos. O erro fundamental está na insistência da Petrobras em enterrar dinheiro no refino, onde quer manter um monopólio industrial obsoleto que não consegue atender nem às necessidades internas de produção de combustível. Em vez de se concentrar na área em que é mais bem sucedida, a da produção de óleo, e vender as refinarias para empresas privadas com capacidade e interesse em investir nisso, o sistema Lula decidiu apostar no que não dá certo.
O ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, que distribui os bilhões de reais em verbas de propaganda oficial do governo, é um dos mais revoltados. Lula também teve o seu acesso de nervos. Diz que toda a corrupção na Petrobras, um marco na história universal da roubalheira, e a sua própria condenação na Operação Lava Jato, foram uma manobra “dos Estados Unidos” para impedir o Brasil de ter uma indústria petroleira. Vem, agora, com a história de que a mídia faz parte dessa conspiração.
J.R. Guzzo, Gazeta do Povo
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