Coluna do Fábio Giambiagi
O Brasil é pródigo em gastos mal avaliados. Há uma responsabilidade coletiva nisso. A principal é do governo, mas a sociedade, em geral, e a imprensa, em particular, são também responsáveis por isso. Programas de TV e de rádio propagam a generalização da indignação com despesas tão injustificáveis quanto macroeconomicamente insignificantes, cujo único efeito é aumentar o desprezo popular pela política (na Argentina, Javier Milei foi o resultado disso), enquanto, a céu aberto, desenvolve-se um enredo ignorado por todos. Caro leitor, há um elefante na sala — e ninguém quer ver.
A despesa do INSS em 2024 será
da ordem de grandeza de R$ 920 bilhões e a do Loas, de aproximadamente R$ 105
bilhões. Em torno de 43% das despesas do INSS (algo como R$ 395 bilhões) são
com benefícios de um salário mínimo (SM), parâmetro este que afeta a totalidade
do gasto com Loas.
Em outras palavras, R$ 500
bilhões de gastos são estritamente indexados ao SM (e nem estou considerando
outras despesas, como seguro-desemprego e abono).
A lei do SM aprovada em 2023
determina a indexação real do SM ao crescimento do PIB. Consideremos, por
hipótese, um crescimento médio deste de 2% ao ano, algo razoável à luz das
tendências demográficas e dos obstáculos ao aumento da produtividade. O efeito
disso é aumentar a despesa previdenciária e assistencial em 2% de R$ 500
bilhões, ou seja, R$ 10 bilhões.
Ora, o que são R$ 10 bilhões num
orçamento da dimensão de mais de R$ 2 trilhões, dirá alguém que se considera um
defensor do “desenvolvimento com base no social”? O problema é o tempo. E suas
consequências.
Peço ao leitor que acompanhe o
raciocínio deste modesto escriba que, há mais de 35 anos, vem se batendo de
forma estéril pelo controle do gasto público.
No ano 1, de fato, o efeito é de
“apenas” R$ 10 bilhões. No ano 2, porém, o efeito será cumulativo: aos R$ 10
bilhões do ano 1, terá que ser adicionado o incremento do fluxo de mais R$ 10
bilhões resultante de mais um ano de aumento real do SM, ou seja, teremos mais
R$ 20 bilhões de despesa.
Como a soma do efeito total
corresponde à equação Efeito total até t = Efeito total até (t-1) + Fluxo de t,
no ano 2 já teremos um efeito combinado de R$ 30 bilhões.
No ano 3, o plus do fluxo será
de R$ 30 bilhões, e o efeito acumulado — o que nós economistas denominamos a
“integral” — será de R$ 60 bilhões.
No final de dez anos, projetando
esse mesmo raciocínio, teremos um fluxo no ano 10 de mais R$ 100 bilhões de
gasto e um efeito total acumulado de R$ 550 bilhões.
E isso sem computar chatices
aritméticas como os juros compostos, que complicam as contas e oneram muito os
números. Tudo isso diante de um público de mais de 200 milhões de espectadores
— muitos deles, beneficiários —, de um mercado embevecido pela perspectiva de
queda de juros do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) — o que torna
a Selic mais atraente —, de um Congresso que aprovou a lei alegremente e de um
ministro da Fazenda que diz estar preocupado em atingir o déficit zero mas
valida, na prática, a velha cantilena de que “gasto é vida”.
O país demorou mais de 25 anos,
desde as discussões iniciais do “Emendão” de Collor em 1992, para fazer uma
reforma previdenciária abrangente, que veio com mais de duas décadas de atraso
em 2019 e cujo efeito inicial previsto foi “podado” em torno de um terço nas
negociações naturais que ocorreram na tramitação legislativa da proposta.
No final, o seu efeito em 10
anos foi da ordem de R$ 800 bilhões. É verdade que isso foi a preços daquele
ano, mas a preços de 2024 o impacto da reforma em 10 anos foi de algo menos de
R$ 1,1 trilhão.
Em outras palavras, em plena luz
do dia e sem ninguém ter dado um pio, o Brasil desfez, de uma penada, metade do
que custou duas décadas e meia aprovar. E sem uma única conta da Secretaria de
Avaliação de Políticas Públicas que mostrasse os benefícios da política no
combate à pobreza extrema. Que não haja dúvidas: a fatura um dia chegará.
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