Ubiratan Jorge Iorio
O presidente brasileiro vem reiteradamente defendendo a instituição de uma governança global, dotada de autonomia para decidir sobre alegadas “questões climáticas” e que se sobreponha aos parlamentos nacionais. Recentemente, na COP28, questionado se acreditava que os países ricos liberariam os US$ 100 bilhões anuais prometidos no Acordo de Paris para compensar os estragos em nações menos desenvolvidas, ele disparou: “Não acredito. Sinceramente acho que é preciso que as lideranças políticas do mundo tomem decisões mais corajosas e mais rápidas. Precisamos ter uma governança global para ajudar a cuidar do planeta. Porque, se você toma uma decisão qualquer em benefício do mundo e ela tiver que votar [sic] internamente pelo seu Congresso Nacional, significa que ninguém vai cumprir”. E colocou a cereja — podre — no bolo, sugerindo a abertura de um fundo permanente para promover a sustentabilidade, alojado na ONU e com poder para tomar decisões sem passar pelo crivo dos Legislativos. Ou seja, o chefe do Executivo de um país supostamente democrático diz, sem qualquer cerimônia, que o Congresso Nacional atrapalha. E a velha imprensa finge que não ouviu. Sem dúvida, trata-se de uma das facetas da “democracia relativa”, em que o clima é apenas um dos inúmeros pretextos para alimentar a vontade de poder.
Já em fevereiro deste ano, em encontro com o presidente Joe Biden, defendera a adoção dessa governança global, mediante uma reforma no Conselho de Segurança da ONU. Naquela ocasião, afirmou que isso não significa que o Brasil vai abrir mão da sua soberania, mas que se trata apenas de “compartilhar com a ciência do mundo inteiro um estudo profundo sobre a necessidade da manutenção da Amazônia, para melhorar a qualidade de vida na região”.
É forçoso lembrar que, além do Executivo, o Judiciário também aderiu declaradamente aos objetivos da Agenda 2030. Recentemente, por exemplo, a ministra Rosa Weber, pouco antes de aposentar-se na Suprema Corte, fez constar, em seu voto favorável à descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação, que o seu entendimento estava em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que estipulam “assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos, como acordado em conformidade com o Programa de ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências de revisão”. Mas e a sintonia com a nossa legislação?
A verdade é que a questão da governança global nos remete a perigos que suas aparentes boas intenções escondem maliciosamente: a perda de soberania, a centralização ditatorial de decisões, o desrespeito às liberdades individuais e — acima de tudo — a destruição dos valores morais do Ocidente. Há coisas nos ODS ou na Agenda 2030 da ONU, no protocolo ESG e nas ações dos bilionários que se acham donos do planeta e que controlam o Fórum Econômico Mundial que são invisíveis a olho nu, mas que precisam ser desmascaradas.
Como se sabe, os ODS são uma agenda que os iluminados querem enfiar goela abaixo do mundo, adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável de setembro de 2015 e que já passou por várias revisões, composta de 17 objetivos e 169 metas, a serem atingidos até 2030. Os temas abarcam quatro áreas: (a) social, que se relaciona às necessidades humanas, saúde, educação, melhoria da qualidade de vida e justiça; (b) ambiental, que diz respeito à preservação e conservação do meio ambiente, com ações que vão desde a reversão do desmatamento, proteção das florestas e da biodiversidade, combate à desertificação, uso sustentável dos oceanos e recursos marinhos até a adoção de medidas efetivas contra mudanças climáticas; (c) econômica, que se refere ao uso e ao esgotamento dos recursos naturais, à produção de resíduos e ao consumo de energia; e (d) institucional, relacionada à capacidade de colocar os ODS em prática.
Não é de se estranhar que o atual governo do Brasil ajoelhe-se diante da utopia da governança global, uma vez que o globalismo, tal como o marxismo, é uma ideologia, um experimento de engenharia social que tem a predisposição mórbida de eliminar os valores e princípios morais que sustentaram durante séculos a tradição ocidental
É cansativo listar os 17 objetivos, mas é necessário fazê-lo, para desnudar o seu grau estarrecedor de atrevimento. A lista de tarefas prevê a imposição de centenas de ações mundiais, que indicam até que ponto vai a pretensão de tutelar a vida alheia, conforme descreve a própria página da ONU no Brasil. Eis as metas: (1) acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; (2) acabar com a fome; (3) alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; (4) assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades, assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; (5) alcançar a igualdade de gênero e empoderar [sic] todas as mulheres e meninas; (6) assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; (7) assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos; (8) promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; (9) construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação.
E a empáfia megalômana continua: (10) reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles; (11) tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; (12) assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; (13) tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos (reconhecendo que a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) é o fórum internacional intergovernamental primário para negociar a resposta global à mudança do clima; (14) conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; (15) proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; (16) promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; e (17) fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Quanta pretensão! Que enorme fome de poder! Querem nos fazer felizes, mas à maneira deles. Que resultados esperar de metas tão ambiciosas? A ONU, que há sete décadas não consegue resolver nem simples conflitos entre vizinhos de condomínio, vai dar conta dessas façanhas? E — o que é mais importante — quem definiu essas metas? Você, caro leitor, por acaso foi consultado? De que legitimidade esses salvadores da humanidade se revestem para, simplesmente, atropelarem os parlamentos que representam, ao menos teoricamente, a vontade dos povos espalhados pelo mundo?
Não é de se estranhar que o atual governo do Brasil ajoelhe-se diante da utopia da governança global, uma vez que o globalismo, tal como o marxismo, é uma ideologia, um experimento de engenharia social que tem a predisposição mórbida de eliminar os valores e princípios morais que sustentaram durante séculos a tradição ocidental. Tal como o PT e seus satélites, o globalismo é autoritário, pois defende a primazia e a tirania dos coletivos sobre os indivíduos, agora com uma fantasia mais moderna, a de um governo mundial que transcende as fronteiras das nações, algo como uma divindade com sabedoria e poder para decidir, por exemplo, que nossos filhos devem aprender na escola uma história reescrita (ou “ressignificada”) por ideólogos e burocratas, que tipos de banheiro eles devem usar, que devem respeitar as “tradições” dos índios e condená-los a viver exatamente como viviam no século 16 e muitas outras abobrinhas desse tipo, alimentadas por propagandas milionárias bombardeadas incessantemente pela mídia. É a mesma tirania exibida em ditaduras do passado e do presente, só que agora exercida por meio de uma retórica calcada em palavras de ordem, como justiça ambiental, direitos humanos, desigualdades, diversidade, preconceitos, nova ordem, grande reset, homem novo etc.
Observem que todos os pontos da agenda de implantação da governança global são progressistas. Seus defensores, como bons esquerdistas, não aceitam filosofias, princípios e valores morais que se opõem à sua ideologia, e sua meta é anular o indivíduo e a família em sua essência, como, por exemplo, o direito dos pais de educarem os filhos segundo os seus padrões tradicionais e a sua fé. Para isso, definem autocraticamente seus dogmas e tentam forçar regras e comportamentos, vigiados pela ONU e seus tentáculos (como a Unesco, a Unicef e a OMS), tais como cartilhas educacionais, padrões sociais, linguagem, doutrinação e bússolas diretivas para escolas do mundo inteiro. A idiossincrasia dessa gente vai além da simples defesa do Estado como gestor da política e da economia de um país, uma vez que não podem prescindir de um órgão que exerça esse papel de forma supranacional, capaz de formular a engenharia social e os seus respectivos comandos e ordens para alterar a mentalidade política, jurídica e econômica da humanidade, para que a revolução contra a civilização tradicional possa acontecer sem ser percebida, como se fosse orgânica.
É preciso afirmar com todas as letras que a governança global, tal como o socialismo, é uma aberração moral e está para as nações assim como o Estado está para os indivíduos: segundo seus pseudoaxiomas, países não podem ser soberanos e decidir com base em seus próprios usos, costumes e princípios morais, pelo mesmo motivo que os indivíduos não sabem fazer suas escolhas e, portanto, estas devem ser função do Estado. Embora alguns ainda insistam em ver o globalismo como uma teoria conspiratória sem comprovação empírica, é um movimento que está em pleno andamento, fartamente alimentado por fortunas de bilionários que compram e deturpam consciências e redações desprovidas de princípios sólidos e com um objetivo muito mais perigoso do que o mostrado pelas ditaduras do século 20, porque não se limita a estabelecer apenas políticas autoritárias, mas a forjar uma moral despótica, completamente relativista, com base na formação de homens e mulheres que se assemelham a robôs, sem capacidade de pensar e de compreender que lhe roubaram o seu bem mais precioso — a liberdade —, meros repetidores mecânicos de bordões de uso comum em centros acadêmicos e em meios ditos culturais, artísticos e jornalísticos, e incapazes de esboçar qualquer reação.
A questão é se os legislativos, que sintetizam a democracia representativa e que estão ameaçados de ser tragados pela nova ditadura, vão aceitar passivamente a supressão de suas funções e, principalmente, se o povo — que supostamente é representado nos parlamentos — vai conformar-se em perder sua liberdade e dignidade.
Essa ameaça crescente de concentração de poder do globalismo deveria preocupar os liberais, mas, infelizmente, ainda se nota entre alguns deles certa resistência para enfrentar o perigo, por pensarem erradamente que seria algo como “coisa de conservadores”. É tempo de perceberem que sua omissão é uma forma abominável de conformismo, pois, ao abrirem mão do controle de suas vidas, estão chancelando o socialismo dos nossos dias, que matreiramente deslocou suas tropas do campo da economia para o da cultura.
*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.
PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/a-destruicao-dos-valores-do-ocidente/
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