editorial do Estadão
Recente estudo acadêmico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
indicou que a militância partidária é mais ativa e frequente do que às
vezes se pensa. Por exemplo, mesmo em ano não eleitoral, os filiados
participam das atividades das legendas. Em tese, esse dinamismo da
militância é extremamente positivo, já que indicaria que os partidos não
são meras siglas, mas vibrantes entidades, conectadas de fato com seus
integrantes. No entanto, sabe-se bem que, na prática, uma conclusão
assim não é cabal.
Por maiores que sejam a militância e a participação, os partidos
políticos no País continuam sendo feudos, controlados por alguns poucos
caciques, que atuam como se fossem seus proprietários. As recentes
negociações com vistas às próximas eleições mostraram uma vez mais que
eventuais coligações entre as legendas não são definidas nas convenções
partidárias, com o voto dos respectivos filiados. Tudo é acertado antes
pelos mandachuvas, de acordo exclusivamente com seus interesses.
A crise dos partidos políticos é profunda. Não basta que a militância
seja participativa para que os partidos sejam, de fato, entidades
representativas de seus filiados e não meras siglas. Exemplo disso é o
baixíssimo índice de renovação das lideranças partidárias. Segundo o
Movimento Transparência Partidária, o porcentual de mudança da
composição das Executivas Nacionais dos partidos foi, nos últimos dez
anos, de apenas 24%. Há partidos que, nesse período, não realizaram
nenhuma eleição interna, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE).
Os dados indicam uma profunda deformação do sistema partidário. A vida
das legendas não é decorrência da atividade de seus filiados e tampouco
do exercício de uma democracia interna. O que deveria ser a força motora
de toda atuação partidária mais parece um ornamento, servindo para
despistar a origem real do poder de cada partido, concentrado nos
caciques de sempre.
Tal distorção no mando das legendas – decisões que são tomadas não pelos
filiados, mas por alguns poucos, eternamente no poder – não é resultado
apenas de uma disposição autoritária de quem manda no partido. O
próprio sistema partidário permite e fomenta essa inversão. O mesmo faz o
modelo institucional adotado. Por exemplo, o dinheiro público destinado
aos partidos serve para minar o caráter representativo dessas
entidades.
Se é o Estado que financia as atividades das legendas, os filiados
adquirem um papel secundário na vida dos partidos. Eles se tornam
coadjuvantes. Os protagonistas dos rumos dos partidos são aqueles que
manejam os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha, criado no ano passado. São também aqueles que
asseguram a continuidade desses recursos públicos.
Assim, as próprias regras eleitorais distanciam o partido de seus
filiados e, em última análise, do eleitor. O que acontece hoje nas
legendas é similar ao que ocorria até pouco tempo atrás nos sindicatos,
quando existia a contribuição sindical obrigatória. Com uma fonte
estável de receitas, as lideranças sindicais não precisavam se preocupar
em trabalhar pelo interesse de seus filiados. A reforma trabalhista
acabou com a obrigatoriedade da contribuição e é de esperar que haja uma
melhora da qualidade do caráter representativo das entidades sindicais.
É o que deveria ser feito com os partidos.
Outra medida necessária para o saneamento do sistema partidário é a
introdução de cláusula de barreira efetiva, que ponha fim às legendas
sem nenhuma representatividade. A permanência de partidos que não
recebem votos não tem nenhuma utilidade democrática ou representativa. É
apenas sintoma de um sistema disfuncional e pernicioso.
Nossa democracia representativa está organizada em torno de partidos
políticos. Tanto é assim que a Constituição de 1988 os coloca entre as
instituições fundamentais para a organização política do Estado. Mas
para isso é preciso haver partidos políticos – e não apenas entidades
pelegas vivendo à custa do Estado.
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