#vamosmudarbrasilia
Ilan
Goldfajn
O Globo -
O Estado de São Paulo
Não foi
nos últimos seis minutos da virada espetacular da Holanda que o México começou
a perder o jogo. Começou quando o treinador mexicano Miguel Herrera substituiu
o atacante Giovani dos Santos e recuou exageradamente o time. Ele deixou de
querer mais e perdeu a vantagem no placar. Acabou perdendo também a chance
histórica de classificar o México para as quartas de final da Copa do Mundo.
Na
economia deixamos de querer mais já há algum tempo. Os jornais do fim de semana
comemoraram os 20 anos do Plano Real. O plano foi um marco, saímos da inflação
alta e começamos a enxergar o futuro. Mas anos depois, faltou dar-lhe
sequência. Alguns mecanismos de indexação persistiram, o gasto público nunca
parou de crescer, e nos contentamos em manter o centro da meta de inflação em
4,5% (para que baixar mais?). O tempo foi passando e fomos recuando.
Introduzimos novos mecanismos de indexação, nos acomodamos no teto da meta de
inflação (6,5%) e reintroduzimos controles de preços que nunca funcionaram no
combate à inflação (na verdade, só pioraram).
Com o
time recuado, começamos a duvidar da sua qualidade. A inflação ainda é alta...
deve ser algum problema estrutural. Os juros sobem e a inflação permanece
alta... deve ser a falta de eficácia da política monetária. Afinal, vivemos um
paradoxo: a inflação hoje é alta e a atividade fraca (como pode haver inflação
numa economia fraca?).
De fato,
a inflação ronda o teto da meta de 6,5%, apesar do controle de preços
administrados, cuja inflação é de apenas 4,1%. No mês de junho a inflação nos
últimos doze meses atinge 6,5% e deve ficar acima do teto da banda até
dezembro. Para os próximos anos, as expectativas são de inflação ainda alta. A
inflação esperada calculada a partir dos títulos indexados encontra-se em 5,9%
para os próximos anos. A pesquisa Focus mostra que as expectativas para 2015
estão em 6,1%.
E a
atividade vai na direção contrária. O sinal é inequívoco. Um conjunto amplo de
indicadores coincidentes para o segundo trimestre — incluindo, entre outros,
indicadores para a produção industrial, setor de serviços, demanda por crédito
e confiança de empresários e consumidores — aponta para uma retração da
atividade econômica (projetamos queda de 0,2%). Assim, no primeiro semestre a
economia deve ter estagnado. Os índices de confiança de empresários e
consumidores atingiram os menores níveis desde a crise financeira
internacional.
O Banco
Central (BC) baixou a projeção de crescimento para 1,6% em 2014 no último
Relatório de Inflação. Mas com o resultado mais fraco do PIB no primeiro
trimestre, bem como esta perspectiva para o segundo trimestre e a análise dos
fundamentos econômicos, vai ser difícil a economia conseguir crescer acima de
1% em 2014. É necessária uma recuperação vigorosa no segundo semestre para
alcançar essas projeção (uma queda da atividade de -0,2% no segundo trimestre
requer uma recuperação de 0,5% por trimestre para a economia ainda crescer 1%
neste ano).
A verdade
é que não há paradoxo. A princípio, qualquer fenômeno que venha a reduzir a
oferta tende a diminuir a produção enquanto eleva os preços. Uma queda da
produtividade da economia leva à atividade fraca e inflação alta. O mesmo
ocorre quando há uma queda dos termos de troca (preços de exportação sobre
importações). Ambos parecem ter afetado a economia brasileira nos últimos anos.
Mas mesmo
sem choques de oferta, seria difícil espantar-se com a resistência da inflação.
A subida recente de juros ocorreu após uma forte queda nos últimos anos, uma
parte é apenas correção de rumos. E, quando vista em conjunto, a política
econômica não tem contribuído plenamente para a queda da inflação.
O
problema é que apenas um jogador ficou na frente: o Banco Central. O combate à
inflação é um jogo de equipe. O aumento de gastos e a queda do superávit
primário do governo, associados a incentivos ao consumo privado, têm prolongado
o descompasso entre a demanda e a oferta no País.
Nos
últimos anos, o superávit primário caiu de 3 a 4% do PIB para 1 a 2%. Em maio,
o déficit primário atingiu 11 bilhões (2,5% do PIB), e o acumulado em 12 meses,
1,5%. Estimamos que o superávit recorrente - aquele que é sustentável - atingiu
apenas 0,5% do PIB. Neste ano, com a queda da arrecadação devido à atividade
mais fraca, será muito difícil atingir a meta fiscal de 1,9%.
O
uso de controles de preços para combater a inflação tem sido um verdadeiro gol
contra. Controles mantêm acesa a perspectiva de reajustes de preços
administrados no futuro. Não se acredita na queda futura da inflação, apesar da
atividade fraca. Com expectativas de inflação em alta, é mais difícil reduzir a
inflação corrente (quem quer abdicar de reajuste com perspectiva de inflação em
alta?).
Mas o
jogo não está perdido. Longe disso. Estamos distantes das ameaças
hiperinflacionárias de décadas atrás. E a sociedade fica incomodada com as
altas de inflação que reduzem o seu poder de compra, atuando como um verdadeiro
imposto regressivo.
Para a
frente, apesar de teoricamente possível, não acredito na persistência
prolongada da inflação alta, com queda da atividade. Os preços livres vão
acabar cedendo e afetando a inflação. Mas a política econômica tem de atuar em
conjunto com um objetivo bem definido. E é importante atuar nas expectativas
para reduzir o custo da desinflação. Para isso é necessário desembaraçar a
questão dos preços administrados para evitar manter as altas expectativas de
inflação. Afinal, tem de querer para avançar.
0 comments:
Postar um comentário