Jornalista Andrade Junior

domingo, 1 de setembro de 2013

Radiografia de um escárnio

Radiografia de um escárnio - LEONARDO CAVALCANTI

CORREIO BRAZILIENSE -



No atacado, é possível apontar culpados pela salvação de Donadon. PT e PMDB tiveram uma participação direta na trama e nos erros. No varejo, entretanto, os parlamentares sempre vão se esconder no voto secreto



A noite de todos os erros e acordos para salvar o mandato do deputado presidiário Natan Donadon (RO) foi previsível para os caciques do Congresso. Às 20h45 da última quarta-feira, já era possível apontar o escárnio, pois estava mais do que evidente a fuga do plenário dos colegas do parlamentar. Não que a presença em massa dos políticos pudesse significar a perda de mandato, afinal o voto secreto transforma tudo em avacalhação. A falta de 103 deles, entretanto, deixou a tragédia mais evidente.

O próprio Donadon foi avisado da salvação ao entrar no Congresso, logo depois de deixar o Complexo Penitenciário da Papuda, onde está preso numa cela de 6m². O presidiário sabia que, ao discursar no plenário, deveria ser eficiente, com gestos teatrais. A farsa deu tão certo que teve até deputada chorando, emocionada com a rotina do amigo político, preso depois de fraudar os cofres públicos em R$ 58 milhões, em valores atualizados, e que protelou o quanto pôde o cumprimento da pena de prisão.

Se o discurso funcionou, a trama foi completada com o cancelamento da sessão ordinária para o dia seguinte, o que livrou os deputados da presença em Brasília. Por mais que todos os partidos tenham contribuído de alguma forma com as faltas, os parlamentares governistas são grandes responsáveis pela vergonha, principalmente petistas e peemedebistas. Ao abrir o painel, 405 políticos confirmaram o voto. Sabia-se que seriam preciso pelo menos mais 35 nomes para aprovar a cassação, ainda de forma arriscada.

Espírito de corpo
No atacado, é possível apontar culpados. É mais do que razoável chegar ao PT e ao PMDB. Petistas por terem lavado as mãos em prol de mensaleiros, os próximos a irem ao plenário. Peemedebistas desgarrados, por sua vez, aliaram-se à parte da bancada evangélica. O grupo tinha dois motivos para a afronta. O puro espírito de corpo, a partir da história “hoje acontece com ele, amanhã pode ser comigo”. E a tentativa de mostrar independência em relação ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves.

No varejo, entretanto, os parlamentares sempre vão se esconder no voto secreto. E chegamos ao ponto inicial. Todas as costuras e acordos foram feitos e continuarão valendo por causa do sigilo. Sem ele, os deputados seriam diretamente pressionados pelo eleitor, o dono do mandato do parlamentar. Não saber como o político votou é uma afronta à democracia, afinal o parlamentar é o representante do eleitor — sem demagogia, senhores. E precisa prestar contas a quem o elegeu. Ponto.

Sem o voto secreto, Donadon seria cassado. Seria impossível para os 131 deputados que votaram a favor do presidiário confirmarem a decisão, caso tivessem que revelar o posicionamento. Assim, esconderam-se para fazer o jogo sujo e desconsiderar uma decisão judicial. Pior, criaram um fato vexaminoso para o próprio Congresso brasileiro, onde um homem acusado de fraude com dinheiro público e no xadrez possa continuar exibindo o broche do parlamento dentro de uma penitenciária.

Apenas o eleitor deve ter o direito do sigilo do voto. Tal prerrogativa o protege de poderosos. Os parlamentares não precisam da proteção. Ao contrário, devem ter coragem de revelar as decisões, sob o risco de serem considerados covardes. O eleitor não teria absolvido Donadon.

Mais Médicos
O governo ainda vai ter problemas com o Programa Mais Médicos — como mostram o caso de demissões de brasileiros nas prefeituras, levantado pela Folha de S.Paulo, e a reportagem de hoje da repórter Júlia Chaib, do Correio —, mas o Planalto já não tem mais dúvidas sobre a vitória na luta contra entidades de classe. “Se a gente pudesse, premiaria os conselhos de medicina por causa das manifestações equivocadas, o que acabou provocando claros episódios de preconceito, repudiados nas redes e em artigos de jornais”, disse um interlocutor da presidente Dilma Rousseff esta semana. “Isso apenas fortaleceu o programa.”

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