Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 4 de junho de 2013

Quase uma década de ocupação militar no Haiti liderada pelo Brasil

POR ZÉ MARIA 

Quase uma década de ocupação militar no Haiti liderada pelo Brasil

Missão humanitária tem, para colunista, o objetivo de proteger as multinacionais instaladas no país. “Diferente da política de ‘restaurar a democracia’, a Minustah tem garantido também a legitimidade de eleições fraudulentas”No amanhecer do dia 1° de junho de 2004, soldados brasileiros desembarcaram no país mais pobre da América Latina para iniciar uma vergonhosa ocupação militar. A justificativa do governo Lula para comandar a ocupação, que envolveu mais de 12 mil militares e policiais de diversos países, foi que se tratava de uma “missão humanitária” com o objetivo de reestabelecer a “democracia no país”, controlando a violência e garantindo segurança para a população. No governo Dilma, o discurso foi repetido e a ocupação mantida.
Quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou a ocupação, o presidente haitiano Jean-Bertrand Aristides já havia sido deposto por um golpe apoiado pelos EUA. Por pressão de George W. Bush, na época presidente americano, a ocupação serviria para resolver a instabilidade política da região. O Brasil, subservientemente, aceitou o papel vergonhoso de liderar a ocupação, já que os EUA estavam ocupados com as guerras no Iraque e Afeganistão. Aliás o argumento da “defesa da democracia” e “ação humanitária” foram os mesmos utilizados por Bush para tentar justificar a invasão do Iraque e a guerra no Afeganistão.
Desde então, o Brasil encabeça a Minustah, Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, desembolsando mais de R$ 1 bilhão para custear a ocupação. No entanto, ações humanitárias mesmo, é o que menos se viu em todo este período. Quando estive no Haiti há três anos, dois meses após o terremoto de 2010, andei quase uma semana pelas ruas da capital Porto Princípe e o posto mais visível da tropas de ocupação era na entrada das Zonas Francas, protegendo as empresas e vigiando os trabalhadores. Não se via soldados reconstruindo o país, ajudando, por exemplo, a população a reerguer suas casas destruídas pelo terremoto.  Ainda hoje, mais de 350 mil haitianos vivem em barracas improvisadas em Porto Príncipe, sob precárias condições de higiene e alimentação.
A ocupação tem o objetivo, da mesma forma que as ocupações do Iraque e Afeganistão, de assegurar os interesses das grandes empresas transnacionais instaladas no Haiti. De garantir estabilidade para que estas empresas sigam produzindo e faturando um alto lucro à custa dos salários miseráveis pagos aos trabalhadores haitianos. As tropas foram, e ainda são usadas para reprimir qualquer revolta dos trabalhadores contra essa exploração abjeta a que estão submetidos, por multinacionais norte-americanas, francesas, e também brasileiras.
O outro aspecto importante desta ocupação militar é assegurar os interesses geopolíticos norte-americanos na região. A estabilidade política, sem qualquer questionamento à hegemonia dos EUA na região não é um objetivo secundário para aquele país. Lamentavelmente o governo brasileiro transformou nosso país em cúmplice dos poderosos do norte, ajudando-o a massacrar nossos irmãos do sul.
Em quase uma década, a Minustah foi alvo de denúncia de violações de direitos humanos que vão desde relatos de torturas a estupros cometidos pelos capacetes azuis contra a população. Manifestações foram duramente reprimidas e dirigentes sindicais assassinados. Até mesmo uma epidemia de cólera que assolou o país, infectando 700 mil pessoas e matando outras 8 mil, foi fruto da ocupação. Ficou comprovado que soldados nepaleses da ONU provocaram a epidemia. Tudo isso permaneceu impune e disfarçado pelo discurso e campanha do governo de “ação humanitária no Haiti”.
Diferente da política de “restaurar a democracia”, a Minustah tem garantido também a legitimidade de eleições fraudulentas. A própria duração da ocupação já sinaliza uma contradição em relação ao seu discurso humanitário. A ajuda humanitária, anunciada há nove anos, nunca chegou para a vida das pessoas que estão nos acampamentos, que estão desempregadas ou que perderam seus parentes e amigos no terremoto de 2010.
É preciso suspender imediatamente a participação do nosso país neste episódio vergonhoso que perdura já quase dez anos. Fora as tropas brasileiras do Haiti!

* Presidente nacional do PSTU, é dirigente sindical metalúrgico e integra a Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.

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