‘Sessão de violência’, editorial do Estadão
PUBLICADO NO ESTADÃONas democracias, quando políticos governistas falam em “bater na oposição”, ou vice-versa, todos sabem que se trata de uma metáfora. Significa encurralar, isolar, desmoralizar os adversários. É bem verdade que, não faz tanto tempo assim, os brasileiros viram o que pode acontecer quando a expressão é empregada em sentido literal. Em junho de 2000, o então presidente do PT, José Dirceu, incitou professores em greve a agredir o governador Mário Covas, já combalido pelo câncer. “Eles (os tucanos) têm que apanhar nas ruas e nas urnas”, ordenou o futuro chefe da quadrilha do mensalão. Embora estarrecedor, foi, no entanto, um episódio excepcional.
Já nos regimes em que as instituições nominalmente democráticas foram capturadas pelo mais crasso autoritarismo, bater fisicamente na oposição acaba sendo apenas uma entre tantas outras modalidades truculentas de enfrentamento político. Foi o que aconteceu na noite de terça-feira no plenário da Assembleia Nacional da Venezuela, quando deputados chavistas, à maneira de uma matilha, acuaram e em seguida espancaram diversos membros da frente oposicionista Mesa de Unidade Democrática (MUD) que ousaram protestar contra a condição de parlamentares mortos-vivos a que os reduziu o presidente da Casa, Diosdado Cabello, expoente da facção ultratroglodita do aparato chavista de poder.
O mais recente ciclo de violência no país começou tão logo saíram os surpreendentes resultados da eleição presidencial de 14 abril. Pelos números oficiais – contestados de imediato pelo candidato oposicionista Henrique Capriles, governador do Estado de Miranda -, o herdeiro político do caudilho Hugo Chávez, falecido havia pouco mais de um mês, Nicolás Maduro levou a melhor por irrisório 1,49 ponto porcentual de vantagem, ou 265 mil votos em um total aproximado de 14 milhões. Apontando numerosas evidências de irregularidades nos postos eleitorais, Capriles exigiu a recontagem total de votos, em vez da auditoria obrigatória de 54% das urnas eletrônicas, que compara os números nas telas com os comprovantes impressos que os eleitores depositam em um recipiente fechado.
A muito custo, a autoridade eleitoral dominada por chavistas concordou em estender a amostragem a 100% dos sufrágios, mas se recusou a examinar as provas de fraude, entre elas a inclusão de milhares de eleitores fantasmas nas listas dos venezuelanos aptos a votar. Diante disso, a oposição decidiu considerar Maduro um presidente ilegítimo enquanto as demandas de seu candidato não fossem atendidas. A retaliação não tardou. Enquanto as milícias chavistas batiam nos opositores nas ruas, Diosdado Cabello, o chefe do Legislativo – em um ato reminiscente do clássico de terror político 1984, de George Orwell –, proibiu os deputados do MUD de falar em plenário e de participar de comissões legislativas. Além disso, suspendeu o pagamento de seus salários.
Segundo a sua lógica orwelliana, já que eles não reconhecem “a vontade soberana do povo”, não podem exercer os seus mandatos, originários do mesmo sistema eleitoral que contestam. De seu lado, com a mesma especiosa argumentação, Maduro ameaçou suspender as transferências de recursos federais para o Estado governado por Capriles.
Na sessão de terça-feira da Assembleia, quando o líder da bancada chavista, Pedro Carreño, exortou Cabello a manter as represálias aos proscritos, alguns deles desenrolaram um cartaz com a inscrição “Golpe no Parlamento”. Foi a senha para a agressão que se transformou em pancadaria, deixando feridos pelo menos 17 oposicionistas e 5 governistas.
“Sem uma palavra, covardemente, eles nos atacaram pelas costas”, contou o deputado do MUD Ismael Garcia. “Não pouparam nem nossas deputadas.” O seu colega Julio Borges apareceu no canal privado Globovisión com diversos hematomas na face. Cabello havia proibido a única emissora autorizada a cobrir as atividades do Congresso de entrevistar parlamentares do minoritário MUD. Ninguém o acusará de incoerente.
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