Percival Puggina
Leio e releio em angustiada inconformidade a nota do jornalista Cláudio Humberto em sua coluna no Diário do Poder: “Entre os 30 assuntos mais buscados na internet no Brasil nos últimos sete dias, 29 têm conexão direta com futebol. O último da lista é a Fórmula1. Eleições, reforma tributária, STF, etc., não aparecem”.
O que fizeram com esse povo? Se há uma revolução política em curso no Ocidente, como percebo haver, esse é um de seus resultados no campo da cultura aqui no Brasil. Essa é a formação da consciência crítica, esse é o produto da pedagogia do oprimido, esse é o efeito da nova estética sob os sistemas visuais e auditivos da sociedade, essa é a consequência das lições e exemplos de ética ministrados pelas elites nacionais.
Já ouvi falar muito na “selva urbana” entregue às feras. Diante da informação prestada por Cláudio Humberto, começo a pensar menos na selva e mais nas tabas de concreto onde a informação chega abundante e não encontra mentes educadas para a tarefa de pensar e extrair relações de causa e efeito, levando a opções políticas.
O que me impressiona não é intensidade com que o assunto futebol atua sobre os interesses individuais na internet. Sou brasileiro e gosto de jogos com bola, principalmente de futebol, em cuja prática, quando jovem, nunca cheguei sequer no nível da mediocridade. O que me preocupa são os “não assuntos” dessa imensa maioria de cidadãos que votam e são, querendo ou não, os sujeitos do processo democrático.
Fica muito fácil entender, assim, que tantos parlamentares descartem com uma sacudida de ombros temas relevantes como a democracia, as liberdades dos cidadãos, o virtuoso serviço da justiça, a qualidade da representação política, a boa governança, a imagem do país e as próprias prerrogativas dos parlamentares.
Se o eleitor está de olho na bola e não vê o resto, Nero incendeia Roma e Calígula decide quem vive ou morre, contanto que o povo tenha circo.
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