Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Sr. Pacheco, não confunda prudência com omissão

Gabriel Wilhelms


Nas críticas que temos elaborado contra a política da mordaça que está em vigor em nosso país, bem como tendo como alvo aqueles que vêm assassinando o Estado de Direito no Brasil, naturalmente Alexandre de Moraes figura como o grande protagonista, sem que nos esqueçamos de seus pares, que, de forma corporativista, emprestam já há meia década e de forma solidária seus votos e decisões ao “censor geral da República”, sem os quais jamais haveríamos chegado neste ponto. Nada mais normal que aqueles que papel ativo têm tido na censura (incluindo a prévia), no ativismo judicial, no desrespeito eminente à Constituição, que chegam mesmo a se organizar para julgar dezenas de centenas de cidadãos sem prerrogativa de foro, condenando-os a penas desproporcionais por crimes que claramente não cometeram, estejam sob a ribalta. Convém, porém, não nos esquecermos de um personagem que, se não concorreu de forma ativa para tal estado de coisas, o fez de forma passiva, ao permitir que a casa por ele comandada, única capaz de frear os abusos da suprema corte, permanecesse em estado de sonolência: Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Se os abusos relatados já ocorrem há mais de cinco anos, se o inquérito das fake news foi indevidamente aberto de ofício e se, desde o princípio, já promoveu episódios como a censura à revista Crusoé, tudo seguido, com honrosas exceções de alguns de seus integrantes, do silêncio das duas casas legislativas, agora, à luz das revelações da Folha de S. Paulo, reconhecer a natureza ilegal, arbitrária e abusiva do modus operandi instalado por Moraes no STF e no TSE é inelutável para qualquer pessoa que se pretenda democrata e tenha sido agraciada com um cérebro.

Como reação ao esquema montado por Moraes e revelado pela Folha, a oposição, em uma iniciativa capitaneada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), pretende apresentar um novo pedido de impeachment contra o ministro em setembro. Considerando os pedidos apresentados desde a posse de Pacheco como presidente do Senado, em 2021, há, no momento, um total de 47 pedidos de impeachment contra ministros do STF carentes de decisão. Dentre estes pedidos, um total de 22 têm como alvo Alexandre de Moraes. Contudo, tratando de reduzir a pressão pelo pedido de impeachment contra Moraes como “lacração de rede social”, Pacheco se esquiva dizendo que a aferição do conteúdo revelado pela Folha (conteúdo este farto em provas, cuja legitimidade não foi contestada nem mesmo por Moraes) deveria caber ao Ministério Público e ao Judiciário (como se houvesse alguma instância acima do STF, apta a corrigir os abusos desta corte) e promete “prudência” ao analisar o pedido.

Ora, a prudência é mesmo uma virtude política das mais importantes e provavelmente a maior herança do pensamento conservador; é um antídoto contra aqueles que, parafraseando expressão usada por Pacheco, pretendem “esculhambar” um país. Ocorre, meus caros, que a verdadeira prudência é muito diferente do silêncio, da omissão ou mesmo da covardia diante daquilo que está errado. Vou além: assim como o próprio termo conservador, a palavra prudência é passível de ser sequestrada por aqueles que, escorando-se em uma postura de dita moderação, pretendem manter as coisas inalteradas, incluindo os abusos. Não faltaram aqueles que, enquanto muitos batalhavam por uma já tardia abolição da escravidão, em nome da “prudência”, pretendiam fazer com que a abjeta instituição adentrasse o século seguinte. Assinala-se uma notória diferença, moral, inclusive, entre a verdadeira prudência de um Joaquim Nabuco, que, assim como seus colegas abolicionistas, preferia uma solução institucional e legal, daqueles escravagistas cuja única coisa que estavam interessados em conservar era seu interesse próprio e a vida boa assentada no lombo de outros seres humanos. Da mesma forma, Edmund Burke, pai do conservadorismo britânico, crítico mais ilustre da Revolução Francesa, não deixava de falar em defesa da Revolução Gloriosa que pôs fim ao absolutismo monárquico na Inglaterra.

Claro que não estou aqui a defender revolução ou coisa que o valha. O impeachment de ministros do STF é um instituto constitucional e, se um remédio indigesto e polêmico, é muitas vezes o último recurso para fazer nada mais nada menos que Justiça, na hipótese de que um ministro se torne seu violador.

Se é preciso reconhecer mérito na proposta de Pacheco, aprovada no Senado e em discussão na CCJ da Câmara, de restringir as decisões monocráticas de ministros do STF, é também forçoso atestar que isso não faz nem cócegas ao assassínio da Constituição pelos seus assim chamados guardiões. Dizer que a resposta cabe ao próprio Judiciário, como sugere Pacheco, é debochar do povo brasileiro. Ora, não foi a primeira reação de Moraes, ao ver vir a público seu modus operandi abusivo no âmbito dos inquéritos infindáveis, a abertura de outro inquérito, tão irregular quanto, ao passo que alguns de seus pares, incluindo o próprio presidente do STF, Luís Roberto Barroso, saíram em sua defesa? Pretende, então, o presidente do Congresso que sejam as cortes inferiores a moderar os abusos das superiores? Ora, quando, em uma ação de danos morais movida contra a União pelo ex-deputado estadual Homero Marchese (mais um a ter redes sociais bloqueadas por Moraes), um juiz federal de Maringá, José Jácomo Gimenes, “ousou” condenar a União a pagar a indenização por “erro de procedimento” de Moraes, não foi essa mesma decisão cassada por Moraes, que também determinou que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) investigasse o juiz? Com um supremo atuando de forma corporativista e instâncias inferiores acuadas, ou julgando com base nas jurisprudências execráveis estabelecidas ao arrepio da lei e da Constituição, Pacheco insiste em se furtar de suas obrigações com o argumento de que o assunto é do Judiciário. É necessário ter “prudência”, ele diz. Será que o nobre presidente do Senado crê que endossar o pagamento do promíscuo quinquênio — uma de suas bandeiras — a magistrados e membros do Ministério Público, já estendido a outras categorias em votação na CCJ do Senado, com impacto inicial previsto em até R$42 bilhões por ano, é um sinal dessa dita “prudência”? Sr. Pacheco, não confunda prudência com omissão; também não confunda os cidadãos com asnos.

Fontes:

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/08/14/pedido-de-impeachment-de-moraes-sera-apresentado-em-setembro-diz-girao

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/08/23/pacheco-quer-prudencia-sobre-eventual-pedido-de-impeachment-de-alexandre-de-moraes

https://www.poder360.com.br/poder-governo/governo/moraes-cassa-decisao-que-apontou-erro-seu-e-manda-cnj-investigar/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/23/pacheco-defende-quinquenio-pec-passa-pela-primeira-sessao-de-discussao

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/05/10/pec-do-quinquenio-pode-gerar-impacto-de-ate-r-42-bi-sobre-folha-diz-ifi




























PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/sr-pacheco-nao-confunda-prudencia-com-omissao/




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