Ubiratan Jorge Iorio
Ao considerarmos a ação humana em toda a sua amplitude, percebemos que a economia não pode ser analisada satisfatoriamente sem levarmos em conta suas interações com a ética, a moral e a política. Por isso, os economistas precisam saber que determinados mercados são bons porque contribuem para a dignidade dos indivíduos, e que outros mercados são maus porque agridem a dignidade e prejudicam terceiros; do mesmo modo, precisam saber que o funcionamento dos mercados e, portanto, o desempenho da economia dependem fortemente de muitos componentes morais e culturais subjetivos e objetivos. Ignorar isso é abster-se do senso de humanidade e negar que a economia é, antes de tudo, uma ciência humana. A mensagem deste artigo é que o respeito aos valores morais consagrados pela tradição é essencial para criar economias pujantes e que, no mundo dos nossos dias, está em curso uma guerra implacável contra esses valores.
O antropólogo e sacerdote espanhol Juan Luis Lorda nos dá três definições equivalentes de moral: a primeira a conceitua como a arte de viver bem, em harmonia com a dignidade inerente à pessoa humana; a segunda, como a arte de educar a liberdade para usá-la bem; e a terceira, já que a educação da liberdade consiste em conhecer, praticar, adquirir e aprender bons costumes, como a arte do conhecimento, da prática e do aprendizado desses costumes, que são, por definição, aqueles que permitem aos humanos viverem a sua condição única, ausente nos outros animais, que agem por instinto, por não possuírem a faculdade da razão.
Nas três definições, a moral é tratada como uma arte, e de fato o que acontece com ela não é diferente do que ocorre com as artes: sem base teórica, torna-se impossível orientar bem a prática e, sem uma boa prática, torna-se impossível fazer as coisas satisfatoriamente. Para viver bem, para educar a liberdade e para adquirir e praticar bons costumes, é necessário primeiro adquirir conhecimentos acumulados por outros e forjar hábitos que só podem ser adquiridos mediante o exercício pessoal. Portanto, a arte da moral requer conhecimentos e habilidades, teoria e prática, princípios e hábitos, vocação e disposição.
A nossa vida moral consiste no desenvolvimento livre das capacidades que recebemos desde que fomos criados e postos neste mundo, segundo leis que não podemos reinventar nem alterar. Não podemos, por exemplo, excogitar como é a liberdade, a amizade e o amor. O máximo que podemos fazer, e mesmo assim apenas às vezes, é escolhê-los livremente. Assim, a moral não depende de nossos gostos e preferências, nem tampouco é uma questão de simples opinião. O aprendizado moral é bastante difícil e delicado e exige muito esforço, mas sempre vale a pena tentar fazê-lo, pois seria realmente lamentável deixar transcorrer toda a vida sem ter tido a percepção do que ela tem de mais importante. Como diz Lorda, de acordo com o grau de relativização, há um verdadeiro supermercado de sistemas morais, só que a verdade, contrariamente ao que apregoam os revolucionários culturais, não é relativa.
Por outro lado, existem dois tipos de liberdade, que correspondem a duas concepções de moral, a relativa e a absoluta. O primeiro é a liberdade que se vê ou exterior, em que ser livre significa poder fazer o que a vontade desejar, sem empecilhos, quando se pode ir e vir, opinar e discordar etc. A imensa maioria das pessoas define isso simplesmente como liberdade, por ser essa a parte que se vê. Mas a outra liberdade, a que não se vê ou interior, sob o ponto de vista moral, é mais importante: é a da nossa consciência, pois os impedimentos que enfrenta não estão fora, mas dentro de nós. Assim, uma pessoa é livre interiormente quando pode guiar-se pela luz da sua consciência, sem obstáculos interiores que a impeçam de agir dessa forma. A ciência econômica pressupõe a liberdade exterior, mas isso não significa que as ações econômicas não sejam influenciadas também pela liberdade interior, para o bem ou para o mal.
Dito isso, emerge a importância do sistema ético-moral-cultural, para compreendermos sua interação com a economia. Sendo assim, é importantíssimo ter em conta que o caminho para o poder preconizado pelos marxistas culturais, como Gramsci e os teóricos da Escola de Frankfurt, é o da corrupção moral das pessoas. Para alcançar esse objetivo, a imprensa convencional, o sistema educacional e todas as instituições culturais deveriam ser infiltrados e ocupados por agentes moldados de acordo com sua ideologia. A função dessas três instituições, para os revolucionários atuais, consumidores hipócritas de iPhones e de vinhos franceses, não é informar, esclarecer e iluminar, mas, sim, confundir e enganar, além de lançar uma parte da sociedade contra a outra e grupos contra outros grupos, sempre de acordo com o script opressores versus oprimidos, tirado da cachola piolhenta de Marx. Empenham-se em construir “identidades” para cada grupo e alargá-las de todas as maneiras, tornando cada vez mais específicos os grupos apontados como “vítimas” ou “minorias”, bem como em montar narrativas de “opressão histórica” sobre esses grupos. Nos dias atuais, essa “técnica” está ficando cada vez mais escandalosamente evidente.
Impõe-se uma demanda por “justiça social” que, por sua vez, cria uma corrente inesgotável de gastos públicos apresentados como “essenciais” com saúde, educação e aposentadoria, além de auxílios e bolsas para todos os “necessitados”, “perseguidos”, “oprimidos” e “excluídos”. No longo prazo, o fluxo interminável de despesas nessas áreas — os famosos “gastos sociais” — abala necessariamente as finanças do governo, e as crises fiscais assim provocadas sempre servem como pretexto para os neomarxistas acusarem o “capitalismo” de todos os males. Entretanto, o que acontece é que o colapso das contas públicas e da economia é provocado exatamente pelas medidas que defendem e que levam ao Estado inchado, à economia regulada e à estagnação econômica. O estado de bem-estar é o problema, é o estorvo, é a entrada — e não a saída.
Estamos falando então de uma guerra permanente, com a criação forçada de batalhas por parte das elites “progressistas”, na política, na mídia, na Academia, na cultura e no Judiciário, cuja amplitude é enorme e bastante diversa: o tempo inteiro são blitze impiedosas contra o colesterol, o açúcar, o consumo de carne, a massa, a obesidade, o cigarro, o aquecimento global, as mudanças climáticas, a família, o matrimônio, a heterossexualidade, as tradições, o Ocidente, o Cristianismo, enfim, uma lista de inimigos que cresce incessantemente, e quem se recusa a dobrar-se aos cânones da nova ordem passa automaticamente a ser rotulado de “fascista”, “racista”, “machista”, “misógino”, “homofóbico”, “xenófobo”, “islamofóbico”, “transfóbico”, “fundamentalista”, “extremista de direita”, “neoliberal” etc.
O politicamente correto é uma ferramenta poderosa para intimidar, restringir a liberdade de expressão e subjugar a opinião pública, à qual jamais deve ser permitido discordar das posições dos revolucionários culturais
Claramente, trata-se de uma guerra desleal contra as opiniões individuais, vale dizer, contra as liberdades exteriores essenciais, mediante a imposição sistemática do “politicamente correto”, estrondeado 24 horas por dia. É impressionante a tenacidade com que o enorme rebanho de vacas de presépio do monstro de duas cabeças — a comunista e a globalista — empenha-se incansavelmente em convencer à força a população a tolerar demonstrações repugnantes a que chamam de “arte”, a aceitar espetáculos de abertura e encerramento de Olimpíada que tresandam a morrinha woke, a aumentar a lista de palavras proibidas, a engolir pessoas com cromossomos masculinos espancando boxeadoras, a concordar com o cerceamento da própria liberdade de opinião e de expressão, a sentir vergonha de possuir sangue europeu e culpa por ser branco, a condescender com juízes parciais e a aturar corruptos de carteirinha ocupando cargos públicos.
Nessa loucura toda, tudo o que pode ser interpretado, mesmo que subjetivamente, como sendo “excludente”, ou “elitista”, ou “ofensivo”, precisa ser terminantemente proibido e mesmo punido. Ao defender e estimular a censura de ideias e comportamentos considerados fora da agenda woke, o politicamente correto é uma ferramenta poderosa para intimidar, restringir a liberdade de expressão e subjugar a opinião pública, à qual jamais deve ser permitido discordar das posições dos revolucionários culturais. É a ditadura do politicamente correto, da agenda 2030 da ONU, dos protocolos ESG e do Foro de Davos, enfim, é a peste woke, que os neomarxistas de vários tipos querem espalhar por toda a sociedade através da destruição moral dos indivíduos.
Se o marxismo cultural envenena a sociedade moralmente, afundando-a em uma crise de identidade e de falsos padrões subordinados a uma ética hipócrita, na economia em particular ele não provoca efeito diferente. Os agentes econômicos tendem a reagir a incentivos e, obviamente, quando os padrões morais não têm a rigidez necessária para estabelecer a fronteira entre o certo e o errado, ao mesmo tempo em que a guerra cultural martela incessantemente na cabeça das pessoas que o errado não tem nada de errado, a reação será diretamente proporcional a esse incentivo perverso. Em outras palavras, além de, obviamente, restringir a liberdade exterior, o marxismo cultural, ao corroer os valores morais tradicionais, influencia perversamente o conceito de liberdade interior.
Algumas escolhas que os indivíduos fazem em sua vida, voluntariamente ou não, não são de natureza econômica, ou seja, as ações individuais no campo da economia são afetadas consideravelmente pelo “panorama moral e cultural”, pelo estado das artes nos julgamentos morais e nas manifestações culturais. Quando alguém decide tomar um sorvete de flocos em vez de um de morango, tendo ambos o mesmo preço, essa não é uma escolha econômica ou moral, mas, quando essa mesma pessoa resolve praticar um crime, por exemplo, o de traficar drogas, por considerar boa a relação entre os benefícios que vai obter com o tráfico e os custos de ser punido, trata-se de uma ação econômica motivada também por valores morais contaminados pelo relativismo.
Então, quando o sistema ético-moral-cultural está corrompido, é evidente que a economia é afetada, porque muitas ações serão decididas levando-se em conta o panorama desse sistema e os sinais que ele emite para os tomadores de decisões. O mesmo é válido quando o sistema político também está contagiado e emite maus incentivos. E não é nenhum exagero afirmar que o Brasil e o mundo, moral e politicamente, estão bastante infeccionados.
Quando um investidor potencial olha para a atitude de condescendência que o governo brasileiro vem tendo em relação ao governo da Venezuela e à figura caricata do seu ditador, ou seja, alimentando um lixo moral, por que investirá os seus recursos no Brasil? As pessoas que enriqueceram honestamente, quando ouvem a cantilena do governo dizendo que pretende taxar “grandes fortunas”, farão o quê? Ou, ainda, quem vai investir no Brasil quando olha para o estado das contas públicas do país, ou leva em consideração sua enorme carga tributária, ou vê o governo esbanjando sem qualquer cerimônia os recursos que extrai dos pagadores de impostos, ou escuta repetidos discursos do presidente da República fazendo pouco caso da austeridade fiscal, ou, perplexo, tem conhecimento de que há 6 gigabytes com gravações de conversas escabrosas no coração da Justiça?
Desvios morais e transvios éticos destroem a economia. Pelas nossas liberdades e pelo bem da humanidade, precisamos reagir corajosamente contra a doença do marxismo cultural e reafirmar os valores morais, antes que seja tarde demais.
– Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.
PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/marxismo-cultural-e-degradacao-moral/
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