Políticas de ações afirmativas são constitucionais?
A decisão da Suprema Corte dos EUA no caso Students for Fair Admissions v. Harvard (2023) serve como um marco na discussão sobre discriminação e igualdade de tratamento. A Corte decidiu que as políticas de admissão da Universidade de Harvard, que consideravam a raça como um fator para promover diversidade, violavam a Cláusula de Igualdade de Proteção da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Esse julgamento destaca a necessidade de garantir que todos os indivíduos, independentemente de suas características pessoais, sejam tratados de forma igualitária perante a lei.
No Brasil, a Constituição Federal consagra o princípio da isonomia, afirmando que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Esse princípio é a base do direito à igualdade, que busca garantir que ninguém seja discriminado por razões como raça, gênero, orientação sexual, ideologia política, ou qualquer outra característica pessoal. A Constituição também assegura a dignidade da pessoa humana, o que reforça a necessidade de tratar todos os indivíduos com respeito e sem preconceitos. Ou seja, o texto da Constituição brasileira admite os mesmos fundamentos que levaram a Suprema Corte americana a declarar inconstitucional a política de cotas raciais de uma universidade privada.
A prática de criar vagas exclusivas para determinados grupos, como mulheres, negros, ou membros da comunidade LGBTQIA+, tem como objetivo promover a diversidade e corrigir desigualdades. Essas políticas são conhecidas como ações afirmativas e, em muitos casos, são defendidas como necessárias para garantir que esses grupos historicamente marginalizados tenham acesso às mesmas oportunidades que outros setores da sociedade. No entanto, essas iniciativas frequentemente geram a sensação de que “algo foi feito” para corrigir as desigualdades, mas não atacam o problema em sua raiz.
Assim como a decisão da Suprema Corte dos EUA questiona a constitucionalidade da discriminação racial nas admissões universitárias, é possível argumentar que a criação de vagas exclusivas para certos grupos pode violar o princípio da isonomia. Essa prática pode ser vista como uma forma de discriminação invertida, onde indivíduos que não pertencem aos grupos beneficiados são excluídos com base em características pessoais que estão além de seu controle, como sua raça, gênero ou orientação sexual. Isso não apenas perpetua divisões dentro da sociedade, mas também pode retardar o progresso em questões realmente fundamentais, como a melhoria da educação de base.
A Constituição Brasileira não apenas proíbe discriminações explícitas, mas também exige que o Estado e as instituições privadas promovam a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Nesse sentido, políticas que excluem certos grupos de processos seletivos podem ser vistas como contrárias ao espírito da Constituição. Embora os defensores das ações afirmativas aleguem que elas têm um papel importante na correção de desigualdades, elas não deveriam gerar novas formas de injustiça. Mais importante, essas políticas não devem substituir esforços para proporcionar igualdade de condições por meio de uma educação de base sólida, que é o verdadeiro motor de uma sociedade justa e equitativa.
Por exemplo, ao criar uma vaga exclusivamente para mulheres, todos os homens, independentemente de suas qualificações, são automaticamente excluídos. Da mesma forma, vagas exclusivas para negros ou membros da comunidade LGBTQIA+ excluem, automaticamente, indivíduos de outras raças ou orientações sexuais. Embora essas políticas possam ser bem-intencionadas, elas são capazes de gerar ressentimento e divisões dentro da sociedade, além de questionamentos legais sobre sua constitucionalidade.
Além disso, sob o aspecto societário, os administradores que optam por criar vagas exclusivamente para determinados grupos, em vez de selecionar candidatos com base na meritocracia, podem estar violando seus deveres fiduciários para com os acionistas das empresas. Os administradores têm a obrigação de agir no melhor interesse da empresa e de seus acionistas, e a meritocracia, que seleciona os candidatos mais qualificados, é fundamental para garantir o desempenho e a competitividade da organização. Quando os administradores priorizam critérios não relacionados ao mérito dos candidatos, podem acabar comprometendo a eficiência, a produtividade e, consequentemente, o retorno sobre o investimento para os acionistas. Diante disso, em tese, não se pode excluir a responsabilidade pessoal aos administradores decorrentes de uma política de diversidade e inclusão.
Um exemplo recente disso pode ser observado no caso da John Deere, uma empresa que enfrentou críticas significativas por suas políticas de diversidade e inclusão, que foram vistas como potencialmente prejudiciais ao seu desempenho financeiro. A controvérsia levantou questões sobre se as decisões dos administradores estavam realmente alinhadas com os interesses dos acionistas ou se estavam sendo influenciadas por agendas externas que poderiam comprometer a eficiência operacional da empresa.
Uma alternativa a essas políticas exclusivas é a promoção de uma verdadeira meritocracia, onde as oportunidades são concedidas com base no mérito individual, independentemente de características pessoais. Isso não significa ignorar as desigualdades, mas sim criar mecanismos que permitam a todos os indivíduos competir em condições de igualdade. Nesse contexto, o melhor instrumento de integração é a educação de base sólida. Investimentos significativos na educação básica garantem que todos os cidadãos tenham as mesmas condições de competir no mercado de trabalho e na vida social, capacitando indivíduos de todas as origens a alcançar o sucesso por meio de seu esforço e habilidade.
Embora a promoção da diversidade e a correção de desigualdades sejam objetivos legítimos, é crucial que essas metas sejam alcançadas sem comprometer o princípio fundamental da isonomia. A Constituição Brasileira exige que todos os cidadãos sejam tratados com igualdade e respeito, e qualquer forma de discriminação, seja ela baseada em raça, gênero, orientação sexual ou ideologia política, pode ser considerada uma violação desse princípio.
A decisão da Suprema Corte dos EUA no caso Students for Fair Admissions v. Harvard oferece uma perspectiva valiosa sobre os riscos de políticas que discriminam com o intuito de promover inclusão. No contexto brasileiro, é essencial que as políticas de ação afirmativa sejam cuidadosamente avaliadas para garantir que elas não acabem criando novas formas de exclusão e que respeitem o princípio da igualdade de todos perante a lei. Esse é o ponto crucial do julgamento da Suprema Corte americana, que, como visto, se aplicaria perfeitamente no Brasil à luz da nossa própria Constituição. Apesar de alguns precedentes recentes no Brasil, nada impede que o Supremo Tribunal Federal reveja o seu posicionamento em relação à política de cotas. Em todo caso, é fundamental reconhecer que a verdadeira igualdade de oportunidades só será alcançada por meio de uma educação de base de qualidade, que nivele o ponto de partida de todos os cidadãos e permita que o mérito, a ética e os valores sejam os principais critérios de sucesso na sociedade.
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PUBLICADAEMhttps://mises.org.br/artigos/3430/dei-inclusao-pela-exclusao
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