Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Mais Estado, Menos Internet

  A intervenção estatal nas TelecomunicaçÔes no Brasil e como uma regulação simplificada pode libertar o mercado Por Juelinton Silveira, Adriano Paranaiba & Elaine Arantes


A intervenção estatal é um tema recorrente no debate econÎmico, especialmente no contexto das telecomunicaçÔes brasileiras. Este artigo examina como a intervenção governamental influenciou o desenvolvimento das empresas de telecomunicaçÔes no Brasil e a inclusão digital em regiÔes de baixa densidade populacional, à luz da Teoria Austríaca do Intervencionismo.

 

Histórico das TelecomunicaçÔes no Brasil

A histĂłria das telecomunicaçÔes no Brasil começa com um marco histĂłrico significativo. Em 1876, Dom Pedro II visitou os Estados Unidos e participou da Centennial International Exhibition na FiladĂ©lfia, onde encontrou Alexander Graham Bell e testou seu novo invento, o telefone. Impressionado, Dom Pedro II exclamou a cĂ©lebre frase: "Meu Deus, isso fala!". Devido ao entusiasmo do imperador, o Brasil se tornou o segundo paĂ­s do mundo a instalar um telefone, ainda em 1877, no PalĂĄcio de SĂŁo CristĂłvĂŁo, no Rio de Janeiro.

Com o passar dos anos, o setor de telecomunicaçÔes no Brasil evoluiu lentamente. Durante as primeiras e segundas guerras mundiais, pouco investimento foi feito na infraestrutura do setor. Foi somente na década de 1930 que começaram as primeiras legislaçÔes sobre telecomunicaçÔes e radiocomunicaçÔes no Brasil.

Em 1962, foi criado o CĂłdigo Brasileiro de TelecomunicaçÔes (CBT), que estabeleceu o Conselho Nacional de TelecomunicaçÔes (CONTEL) e o Fundo Nacional de TelecomunicaçÔes (FNT) para financiar o setor. Na Ă©poca, havia mais de 900 empresas de telecomunicaçÔes espalhadas pelo Brasil, com a Companhia Telephonica Brasileira (CTB) e a International Telephone & Telegraph (ITT) controlando a maior parte do mercado. Este marco legal instituiu uma estrutura regulatĂłria complexa e centralizou o controle estatal sobre o setor, visando organizar e expandir os serviços de telecomunicaçÔes. A criação da Embratel em 1965, a aquisição da CTB e a desapropriação da ITT pelo governo sĂŁo exemplos de como o Estado buscou consolidar sua presença no setor. Mesmo apĂłs a privatização, a presença estatal se manteve significativa, com altos impostos e regulamentaçÔes que restringem o crescimento das empresas de telecomunicaçÔes.

 

Privatização e Surgimento das PPPs

Nos anos 90, a privatização do setor de telecomunicaçÔes no Brasil trouxe mudanças significativas. A criação da AgĂȘncia Nacional de TelecomunicaçÔes (ANATEL) em 1997 marcou o inĂ­cio de uma nova era para o setor, permitindo a entrada de novos competidores e promovendo a liberalização do mercado. A ANATEL foi criada para regular e fiscalizar o setor, garantindo a competição e a qualidade dos serviços prestados.

A privatização dividiu o mercado de telecomunicaçÔes em vårias empresas, com as maiores adquirindo partes significativas do mercado. No entanto, a liberalização também abriu espaço para o surgimento das Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs). As PPPs surgiram como alternativas locais e regionais às grandes operadoras, focando em nichos de mercado e åreas onde as grandes empresas não tinham interesse econÎmico.

As PPPs se beneficiaram de menores barreiras regulatórias e tributårias, o que lhes permitiu competir com as grandes operadoras e atender åreas desatendidas ou mal servidas. O crescimento das PPPs foi exponencial, passando de poucas dezenas de empresas no início dos anos 2000 para mais de 20 mil operadoras de banda larga fixa em 2024. Esta desregulamentação parcial e os incentivos para novos entrantes permitiram que essas pequenas operadoras proliferassem, especialmente em åreas de baixa densidade populacional.

 

Teoria AustrĂ­aca do Intervencionismo

A Teoria Austríaca do Intervencionismo, formulada por Ludwig von Mises, é uma crítica contundente às intervençÔes governamentais no mercado. Mises argumenta que qualquer intervenção estatal, ao distorcer os sinais econÎmicos naturais, inevitavelmente conduz a alocaçÔes ineficientes de recursos e à criação de monopólios artificiais. De acordo com a teoria, a intervenção governamental no mercado altera os preços e os incentivos, levando a uma alocação ineficiente dos recursos.

Segundo Mises, o mercado livre, quando operado sem interferĂȘncias externas, utiliza os preços como mecanismos de sinalização que orientam produtores e consumidores na tomada de decisĂ”es racionais e eficientes. Os preços refletem a escassez relativa dos bens e serviços, permitindo que os recursos sejam direcionados para os usos mais valorizados pela sociedade. Quando o governo intervĂ©m, seja atravĂ©s de regulamentaçÔes, subsĂ­dios, controle de preços ou outras formas de intervenção, esses sinais de preço sĂŁo distorcidos. Como resultado, os recursos sĂŁo desviados de suas utilizaçÔes mais eficientes, causando desperdĂ­cio e ineficiĂȘncias econĂŽmicas.

A intervenção estatal Ă© vista como um processo acumulativo e auto perpetuante. Mises afirma que uma intervenção inicial, destinada a corrigir uma suposta falha de mercado, frequentemente cria novos problemas que, por sua vez, demandam mais intervençÔes. Este ciclo vicioso leva a uma expansĂŁo contĂ­nua da intervenção estatal, resultando em um controle cada vez maior do governo sobre a economia e reduzindo a liberdade econĂŽmica dos indivĂ­duos. A teoria tambĂ©m destaca que as intervençÔes sĂŁo frequentemente impulsionadas por interesses polĂ­ticos e grupos de pressĂŁo, que buscam obter benefĂ­cios Ă  custa da eficiĂȘncia econĂŽmica e do bem-estar geral da sociedade.

A teoria de Mises sugere que a desregulamentação e a liberalização do mercado sĂŁo essenciais para promover a eficiĂȘncia econĂŽmica e a inovação. Ao reduzir a intervenção estatal, os recursos podem ser alocados de maneira mais eficiente, e as empresas podem competir em condiçÔes mais equitativas, beneficiando os consumidores com melhores serviços e preços mais baixos. No contexto das telecomunicaçÔes no Brasil, a experiĂȘncia das PPPs demonstra que menos intervenção estatal pode levar a um mercado mais dinĂąmico e competitivo, promovendo a inclusĂŁo digital e melhorando a qualidade dos serviços oferecidos.

 

Impacto da Intervenção Estatal x Crescimento e Importùncia das PPPs

A intervenção estatal no Brasil, ao longo das décadas, criou um ambiente desafiador para o surgimento de novas empresas de telecomunicaçÔes. Em 1962, havia mais de 900 empresas de telecomunicaçÔes no Brasil, mas a maioria foi absorvida ou extinta devido à regulamentação e ao controle estatal. Somente com a privatização nos anos 90 o setor começou a se abrir para novos competidores.

A regulamentação excessiva imposta pelo governo criou barreiras de entrada significativas para novos competidores. No entanto, a desregulamentação parcial promovida pela ANATEL para as PPPs permitiu um aumento significativo no nĂșmero de pequenas operadoras de telecomunicaçÔes. Dados da agĂȘncia mostram que as mais de 20 mil pequenas operadoras sĂŁo responsĂĄveis por mais de 60% das novas conexĂ”es de fibra Ăłptica no Brasil, especialmente em ĂĄreas de baixa densidade populacional.

 

Simplificação Regulatória e Incentivos

Mesmo contra as influĂȘncias dos grupos de pressĂŁo, ao longo do tempo a ANATEL tem promovido medidas para simplificar ainda mais as obrigaçÔes regulatĂłrias das Prestadoras de Pequeno Porte, facilitando o licenciamento e reduzindo a carga tributĂĄria e burocrĂĄtica sobre estas empresas. Em 2023, foi publicado um novo guia de obrigaçÔes para orientar as PPPs, destacando a importĂąncia da simplificação das regras para promover a inclusĂŁo digital. Essas normas foram criadas para aliviar a carga regulatĂłria sobre as pequenas prestadoras, permitindo-lhes operar com maior eficiĂȘncia e menor custo.

Essas medidas incluem a redução de taxas de licenciamento e a simplificação dos processos de autorização para a instalação de infraestruturas de telecomunicaçÔes. Estas açÔes incentivam a criação de infraestrutura de banda larga em åreas remotas e de baixa densidade populacional, onde a atuação das grandes operadoras é limitada.

A regulamentação assimétrica tem sido fundamental para permitir que as PPPs se desenvolvam e prosperem, oferecendo serviços de alta qualidade e promovendo a inclusão digital em åreas anteriormente desatendidas.

 

ConsideraçÔes Finais

A anĂĄlise dos dados coletados e a aplicação da Teoria AustrĂ­aca do Intervencionismo indicam que a ausĂȘncia de intervenção estatal, atravĂ©s da desregulamentação, da simplificação dos processos e da redução das barreiras burocrĂĄticas, foi crucial para o desenvolvimento das pequenas operadoras de telecomunicaçÔes no Brasil. Essas empresas conseguiram prosperar em um ambiente mais livre, trazendo inclusĂŁo digital para regiĂ”es de baixa densidade populacional e aumentando a competitividade do setor.

A experiĂȘncia brasileira mostra que menos intervenção estatal pode levar a um mercado mais competitivo e inovador, beneficiando consumidores com melhores serviços e preços mais baixos. O sucesso das PPPs na expansĂŁo das redes de fibra Ăłptica e na oferta de serviços de internet de alta velocidade Ă© um exemplo claro dos benefĂ­cios de um ambiente regulatĂłrio mais favorĂĄvel.

Até mesmo a regulamentação da telefonia móvel estå em discussão para ser menos intervencionista, permitindo que as PPPs possam atuar mais amplamente neste mercado. A Anatel tem considerado medidas para simplificar as regras e promover a entrada das PPPs na telefonia móvel, o que pode aumentar ainda mais a competição e a inovação no setor.

 

ReferĂȘncias

AgĂȘncia Nacional de TelecomunicaçÔes (ANATEL). Dados sobre banda larga fixa.

Mises, Ludwig von. "Ação Humana: um tratado de economia". São Paulo: Mises Brasil, 2010.

OCDE. Avaliação sobre telecomunicaçÔes e radiodifusĂŁo no Brasil. Paris: OCDE, 2020.

Teletime. "Os PPPs, o 5G e a expansĂŁo da banda larga no Brasil".

Teletime. "Perspectivas regulatĂłrias para a Anatel em 2024".





















PUBLICADAEMhttps://mises.org.br/artigos/3426/mais-estado-menos-internet

 

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