escreve J.R. Guzzo
Procura-se desesperadamente na mídia, nas classes intelectuais e no Brasil civilizado, equilibrado e distante dos extremos, o candidato milagroso que vai ocupar a cadeira do “centro democrático” nas eleições para a Presidência da República em 2022; esse santo terá de arrumar uns 70 milhões de votos, ou coisa parecida, e salvar o Brasil de mais quatro anos com Jair Bolsonaro. Enquanto isso, continua intacto, e cada vez mais intacto, o problema real dessa história toda: o único candidato que pode vencer Bolsonaro é Lula. É melhor, portanto, já ir se acostumando. Como disse certa vez o ex-governador Leonel Brizola, vai ser preciso engolir de novo o “sapo barbudo”, com Lava Jato e tudo. O ex-presidente Fernando Henrique, por exemplo, já prometeu que vai engolir.
Quem mais, além dele? É o que será descoberto no decorrer da narrativa, mas desde já está claro que Lula, uma vez enterradas as ilusões do Brasil “democrático” e do seu candidato de “centro”, vai fazer um arrastão nesse pesqueiro todo. É a velha história, diria Lula: “Ruim comigo, pior com ele”. E é justamente aí, nessa rede em que vem de tudo, que Lula terá de prestar atenção durante a sua campanha — aliás, já está prestando. Lula, que raramente se esquece de dar prioridade a seus próprios interesses — e se comporta por fora como o homem que realmente é por dentro —, está pouco ligando para as virtudes de quem vier para o seu lado. Fernando Henrique é bom ou ruim? Para ele, tanto faz. Mas Lula se importa, sim, com os prejuízos que seus admiradores possam lhe causar. Por pior que você seja, sempre há espaço para piorar quando certas pessoas passam a ser a sua turma.
Lula quer voto, não quer amigos — e por isso não vai ficar exibindo em público gente empenhada em salvar o Brasil, a democracia e a felicidade geral da nação, mas que não é capaz de ajudar naqueles 70 milhões citados acima. Ao contrário: sem falar nada, e principalmente sem fazer nada pela frente, ele vai tratar, isso sim, de se livrar da aglomeração já formada ou a se formar em torno dele. É melhor não ser visto em certas companhias, não é mesmo? Renan Calheiros, por exemplo: como Lula, ou mesmo um gênio da política, poderia ganhar alguma coisa sendo visto ao lado de Renan Calheiros? Ele é hoje o autonomeado líder da oposição no Brasil; é o lulista-chefe para 2022, aparece mais do que qualquer político do PT e se tornou herói da mídia. Mas Lula, se pudesse, faria de conta que nunca viu Renan em toda a sua vida.
E o ministro Gilmar Mendes, então? Gilmar é o próprio pesadelo para um candidato à Presidência da República, ou a qualquer outro cargo público ou privado. Já imaginaram ele e Lula, juntos, no mesmo palanque? Ou num comercial para o horário obrigatório na televisão? É claro que Lula não vai deixar, e ninguém vai nem tentar um negócio desses, mas também é indispensável que Gilmar fique quieto — ele, o colega Fachin, o companheiro Toffoli e mais um monte de gente. O ministro é outro nome que encanta os jornalistas; será que vai ficar dando declaração? Lula precisou de Fachin, de Gilmar e do resto do STF para se livrar da justiça penal brasileira e da sua condenação, em terceira e última instância, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Mas agora, com toda a certeza, não precisa de mais nenhum deles — sobretudo em sua campanha. O melhor que qualquer ministro pode fazer por ele é se fingir de morto. Ou, como poderia dizer o ex-presidente: “Me esqueçam”.
O que poderia ser pior do que uma Dilma Rousseff?
Lula não disse nem um “muito obrigado” a Fernando Henrique, e não vai dizer; não retirou uma palavra da abjeta acusação que o seu quintal fez, anos atrás, a dona Ruth Cardoso, falsificando “documentos” contra ela, nem voltou atrás na invenção de que recebeu uma “herança maldita” do antecessor. Também fica de boca fechadíssima diante dos imensos presentes que recebeu do STF; finge que nem conhece os ministros. Da mesma forma, vai tentar chegar até o dia da eleição sem assinar nota promissória para ninguém. Lula sabe que são os Renans & Cia. que precisam dele, não o contrário. Sabe que Bolsonaro é um problema para eles, os Renans, que têm horror diante da perspectiva de ficar mais cinco anos e meio fora do governo e do universo bolsonarista — não é problema nenhum para ele próprio, Lula, que pouco se importa com quem está na Presidência da República, ou com os altos destinos da democracia no Brasil. Quer ser o presidente, só isso; se não for ele, está pouco se lixando se for Bolsonaro, o Zé ou o Mané.
Enquanto os cientistas políticos ficam tentando achar, nas mesas-redondas exibidas na televisão depois do horário nobre, o candidato ideal para derrotar Bolsonaro, o candidato da vida real está pensando em como ganhar a eleição. Lula, como em geral acontece, já está lá na frente em matéria de identificar o que é melhor para si próprio. Parece ser o único político brasileiro, até o momento, que contou quantos votos Bolsonaro teve em 2018 e quantos pode ter agora — e sabe que precisa ir atrás desses votos para ganhar a eleição. Lula não quer brigar com os eleitores do presidente. Ele sabe que não é demonstrando ódio de Bolsonaro que alguém vai conquistar os eleitores de Bolsonaro. Se pudesse, falaria o mínimo possível do adversário — como, aliás, tem feito. A imprensa, a elite e as classes intelectuais, sem contar os candidatos a candidato centrista, já falam mal o suficiente; por que ele, Lula, iria se meter num serviço que outros estão fazendo?
Lula, naturalmente, pode mudar de rumo — se sentir, com ou sem razão, que vai ter mais lucro mudando de rumo. Pode, daqui a pouco ou durante a campanha, escalar Bolsonaro como o satanás número 1 do seu palanque e do seu programa de TV. Também é certo, de um jeito ou de outro, que pode errar. Lula já cometeu erros políticos de arrasar quarteirão. O que poderia ser pior do que uma Dilma Rousseff, o maior atraso de vida que alguém conseguiria arrumar para si próprio e para o Brasil? Se já errou numa coisa desse tamanho, pode, é claro, errar de novo. De qualquer maneira, tomando-se o panorama visto de hoje, oposição é Lula — e, querendo ou não, quem exige um país sem Bolsonaro em 1º de janeiro de 2023 vai ter de se contentar com ele. O resto é miragem.
Revista Oeste
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