Rodrigo Constantino:
A inveja do sucesso de muitos judeus pode jogar lenha na fogueira, mas não explica o ódio a todos os judeus, inclusive os pobres
Por que o povo judeu é perseguido há tantos séculos? Por que de tempos em tempos os judeus são atacados com tanto furor? E por que somente Israel, sob ataque de terroristas que lançam milhares de foguetes sobre a cabeça de seus cidadãos, parece não ter o direito de reagir?
Na tentativa de responder a essas questões, Dennis Prager e Joseph Telushkin escreveram Why the Jews?, em que procuram explicar a razão do antissemitismo milenar. Para tanto, refutam tentativas modernas de explicar o fenômeno, que negam o fator intrínseco ao judaísmo e partem para motivos exógenos, alegando causas sem ligação com a própria religião.
Para eles, as teses de bodes expiatórios não se sustentam, pois o ódio aos judeus é singular. Outros grupos já foram alvo desse ódio, mas nenhum foi tão permanente, universal e profundo como o antissemitismo. Pensamos no Holocausto mais recente, e também a mais nefasta expressão desse ódio, mas ele está longe de ser um caso isolado. Ao menos em três ocasiões nos últimos 350 anos surgiram campanhas de aniquilação dos judeus: os massacres no Leste Europeu em 1648-49, o próprio nazismo e as tentativas de destruir o Estado de Israel por seus inimigos árabes.
Os acadêmicos buscam respostas nos fatores econômicos, na necessidade de bodes expiatórios, no ódio étnico, na xenofobia, no ressentimento gerado pela afluência e sucesso profissional dos judeus etc. O único fator que não usam para explicar o fenômeno é o próprio judaísmo e o que ele representa. Causas econômicas, como na Alemanha, podem explicar o fermento do ódio, mas não as câmaras de gás. A inveja do sucesso de muitos judeus pode jogar lenha na fogueira, mas não explica o ódio a todos os judeus, inclusive os pobres, perseguidos em várias épocas e locais.
Contando com 0,2% da população mundial, os judeus ganharam 22% de todos os prêmios Nobel
Para os autores do livro, essas tentativas de retirar o judaísmo da judeofobia são um equívoco. O ódio aos judeus, segundo eles, existe porque são judeus e pelo que isso representa. Quando judeus se tornavam cristãos, obrigados ou não, deixavam de ser atacados. À exceção do nazismo, que tentou eliminar todos os judeus com base na origem genética, os demais casos perseguiam os judeus enquanto permaneciam judeus, mas não se importavam tanto com convertidos.
Os judeus afirmam que existe apenas um Deus para toda a humanidade, o que implica ilegitimidade para todas as demais crenças; acreditam que são o “povo escolhido”, o que costuma despertar ressentimento; e defendem o monoteísmo ético, ou seja, fazem demandas morais que historicamente sempre foram motivo para tensões com outros povos. Para os autores, não é possível negar tais fatores na origem da judeofobia. E talvez por isso mesmo o preconceito aumente em tempos de decadência civilizacional, de relativismo moral. Sociedades permissivas não querem a presença de quem lembra da existência de uma régua moral inelástica.
Além disso, os judeus foram sempre bem-educados, pois sua religião foi disseminada pela palavra; e, enquanto o clero católico gozava de privilégios e os crentes eram, em boa parte, analfabetos, os judeus apresentavam as maiores taxas de alfabetização. Suas famílias, até por suas crenças, mostraram-se historicamente mais estáveis. A solidariedade entre eles sempre foi maior do que a média. Tudo isso ajudou a produzir uma qualidade de vida melhor entre os judeus, mas provocou hostilidade e inveja em muitos povos.
Contando com apenas 0,2% da população mundial e 2% da população norte-americana, os judeus ganharam 22% de todos os prêmios Nobel, 20% das medalhas Fields para matemáticos e 67% das medalhas John Clarke Bates para economistas com menos de 40 anos. Judeus também ganharam 38% de todos os prêmios Oscar para melhor diretor, 20% dos Pulitzer Prizes para não ficção e 13% dos Grammy Lifetime Achievement Awards. Essas informações constam em uma nota de rodapé do livro Civilização, de Niall Ferguson, de 2011. Desde então, judeus acumularam mais alguns desses prêmios. Além disso, Israel, com apenas 8,7 milhões de habitantes, é a grande locomotiva mundial quando o assunto é tecnologia e possui mais empresas listadas no Nasdaq do que toda a União Europeia junta.
Diante desses dados, o leitor pode concluir que os judeus fazem parte de um grande complô mundial, uma conspiração planetária que os coloca no domínio de tudo, como queriam os antissemitas que produziram Os Protocolos dos Sábios de Sião; ou então que eles possuem uma inegável superioridade genética. Não aprecio nenhuma das duas alternativas, e fico com uma terceira, mais plausível: o ambiente cultural do judaísmo é um fator de diferenciação que abre certa vantagem na hora de competir no mercado.
E o que justificaria tal vantagem? Que segredo cultural seria esse? O livro do escritor israelense Amós Oz, escrito com sua filha, a historiadora Fania Oz-Salzberger, oferece uma boa dica. Em Os Judeus e as Palavras, os autores mergulham no grande legado do judaísmo, que não seria apenas ou principalmente religioso, muito menos genético, e sim cultural. No princípio era o verbo, e desde então também. O conteúdo verbal, transmitido de geração em geração, é o que forma esse continuum único, que sempre serviu como cola para unir os hebreus e lhes transmitir certas características interessantes.
“Nenhuma civilização antiga”, escreveu Mordecai Kaplan, “pode oferecer um paralelo comparável em intensidade com a insistência do judaísmo em ensinar os jovens e inculcar neles as tradições e costumes de seu povo.” Não eram apenas os ricos, mas todos os jovens que eram postos em contato com a palavra escrita, e numa idade bastante tenra. E mais: eles aprendiam desde cedo a perguntar, questionar. No Talmude, uma opinião inteligente de um jovem às vezes prevalecia sobre a de seu mestre. Um bom aluno deve ser livre para criticar seu mestre. No judaísmo, os alunos eram encorajados a se erguer contra o professor, discordar dele, tentar provar que ele estava errado.
Mas voltemos ao livro de Dennis Prager e Joseph Telushkin. Os autores vão buscar na origem do judaísmo e no que ele representava as causas da judeofobia. Ao representarem uma ameaça aos valores principais e às crenças alheias, inclusive o relativismo moral em voga desde a contracultura, os judeus despertaram um ódio universal e profundo. Os quatro componentes básicos do judaísmo — Deus, Torah, Israel e o povo escolhido — desafiaram os deuses, as leis e as culturas de povos não judeus. Sua afluência relativa é o combustível que alimenta esse ódio. Se fossem diferentes, mas fracassados, haveria menos ressentimento, sem dúvida.
Um fator básico da judeofobia seria, portanto, a rebelião contra esse monoteísmo ético, aqueles mandamentos que proíbem vários atos e impõem uma autoridade moral suprema. Em sociedades e culturas mais relativistas e permissivas, essa sombra moral pode ser insuportável. Ao obedecerem aos mandamentos supremos, os judeus também poderiam entrar em conflito com certas leis estatais consideradas injustas. Os romanos, por exemplo, não admitiam que um padrão externo ao seu governo fosse adotado como métrica para a conduta.
Em resumo, ao se diferenciar como povo e adotar uma postura de “escolhido” que segue um mandamento moral superior de seu Deus, o único existente, os judeus já estariam sujeitos à hostilidade dos demais. Quando essa singularidade se traduz em maior sucesso social, parece natural que a inveja, presente nos seres humanos de forma atávica, floresça e leve até mesmo ao ódio. É por isso que vemos tanta gente tomando o lado dos terroristas palestinos e desejando, no fundo, “varrer Israel do mapa”. Mas o povo judeu é conhecido por sua capacidade de superação e persistência. Diante da ameaça existencial, ele vai fazer aquilo que é certo e necessário, não o que agradaria a seus inimigos. Israel vai se defender, sempre.
REVISTA OESTE
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