Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 25 de junho de 2021

"Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido",

 por Theodore Dalrymple

Se você quer ser um guru, uma boa forma de começar (isto é, se você for homem) é deixar crescer uma barba longa, bagunçada e desgrenhada. Assim como o poder de Mao Tsé-tung veio do cano de uma arma, para uma parcela surpreendente da população, a sabedoria ou a verdade emanam do movimento de uma barba. Sabedoria e barbas (considerando que as barbas não sejam arrumadas) caminham juntas como morangos e creme. Barbas são o slogan publicitário do sábio, ou do suposto sábio.

Isso sem dúvida explica por que Paulo Freire, talvez o intelectual brasileiro de seu tempo mais famoso internacionalmente, teve o tipo de barba em que, ou até com a qual, pássaros podiam fazer seu ninho. De que outra forma ele seria, nas palavras da Wikipedia, “considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial”?

Com frequência é dito que muitos bons livros são esquecidos, mas que nenhum livro ruim é lembrado. Isso obviamente não é verdade, e a prova dessa inverdade é que a obra mais famosa de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, ainda está em catálogo e, presumivelmente, ainda é comprada e lida em países de língua inglesa meio século depois de seu lançamento. Ainda que o livro seja excepcionalmente ruim, não se pode dizer que ele não revele talento: porque é preciso ter um tipo de talento para ser idiota, perverso, perigoso, ingênuo, juvenil, arrogante e chato ao mesmo tempo. Se os desagradáveis não conseguem se controlar, eles têm pelo menos a obrigação de ser interessantes: esse é o único pequeno serviço que eles podem prestar ao mundo.

Dentro de todo guru existe um ditador tentando se soltar

Contudo, não tenho conhecimento de Paulo Freire como homem. Estou totalmente preparado para acreditar que ele teve muitas virtudes pessoais, como charme, inteligência e gentileza nas relações pessoais, e assim por diante. Ele pode mesmo ter sido um professor carismático, mas nenhuma virtude pessoal consegue disfarçar a completa sordidez de seu livro, que segue intocado pelo senso comum ou pela conscientização dos desastres que suas ideias podem causar, aliás, já causaram, se levadas a sério. Dentro de todo guru existe um ditador tentando se soltar.

Vamos usar como exemplo apenas um tema que perpassa o livro: que o propósito da educação deveria ser o de humanizar o oprimido. Ainda que ele pareça não notar, essa ideia contém em si a mesma atitude que ele tanto denuncia nos outros: a redução de pessoas a objetos, sua desumanização. O fato é que, enquanto você pode tratar as pessoas como objetos, elas não podem ser ou se tornar objetos e, portanto, não podem precisar de humanização. Elas continuam sendo seres humanos não importa o que você faça com elas, e é exatamente por isso que tratar os seres humanos de forma abominável é abominável.

Sou um oprimido ou sou um opressor? De acordo com Paulo Freire, preciso ser um ou o outro 

Durante minha vida, tive contato com uma grande variedade de seres humanos em uma grande variedade de circunstâncias. Estive em festas literárias e em guerras civis (as duas às vezes podem se parecer mais do que se imagina). Conversei com assassinos condenados em prisões e com freiras santificadas em missões africanas. Nunca me ocorreu que ninguém que conheci fosse menos que totalmente humano, ou seja, que precisasse ser tornado mais humano. Claro, não vou dizer que gostei de todo mundo que conheci, ou que achei que todo mundo que conheci fosse igualmente bom. Mas nunca pensei que ninguém que conheci fosse menos que uma pessoa ou, como Freire chama de maneira tão charmosa (pelo menos na tradução para o inglês), semi-humano.

Não importa quais sejam suas outras virtudes, Freire não é muito bom em pensar, pelo menos em minha opinião. Por exemplo, ele cita com admiração e aprovação a seguinte passagem do psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm, o homem que tentou misturar o azeite do freudianismo com o vinagre do marxismo, como outros tentam preparar um molho de salada:

O prazer da completa dominação de outra pessoa (ou outra criatura animada) é a própria essência do impulso sádico. Outra maneira de formular o mesmo pensamento é dizer que o objetivo do sadismo é transformar o homem em uma coisa, algo animado em algo inanimado…

Agora, para qualquer mente minimamente analítica (algo que, claro, Freire não tinha) isso é obviamente besteira. Um sádico, e a única exceção possível é um escultor moderno, não tortura uma pedra: ele deseja causar dor ou sofrimento e gosta do resultado, de modo que o inanimado não interessa para ele, pelo menos na realização de seus desejos sádicos. O garoto sádico arranca as patas e as asas de uma mosca viva, não morta, porque imagina que a mosca é capaz de sofrer. Conforme se torna mais sofisticado em sua zoologia, ele pode “avançar” para criaturas mais conscientes e “chegar” ao homem: mas ele nunca se assemelha ao que Fromm descreve, e ao que Freire aceita sem críticas. Acreditar que uma grande massa de pessoas precisa ser humanizada, como Freire sugere, é um convite a tratá-las à moda Fromm ou, na melhor das hipóteses, como animais de rebanho, e não como humanos ex officio.

Existem contradições mais elementares no livro felizmente curto, mas sem dúvida muito entediante, de Paulo Freire (não se pode dizer que todos sejam breves e chatos). Por exemplo, ele critica todos os tipos de educação além da que ele propõe — até Freire, ninguém pode ser considerado formado, uma atitude de impressionante arrogância, e ignorância, da parte dele — porque eles dicotomizam. Freire parece não notar que ele é um grande dicotomizador, se não da genialidade, pelo menos da completa simplicidade, uma vez que seu livro todo depende da divisão da humanidade em oprimido e opressor, como se as sociedades modernas consistissem em Genghis Khan, de um lado, e uma pilha de caveiras, do outro. [Em 1240, sob o comando de Khan, os mongóis bateram na porta de Kiev, a atual capital da Ucrânia, e mataram 48 mil dos 50 mil habitantes, erguendo uma pirâmide de caveiras.]

Sou um oprimido ou sou um opressor? De acordo com Paulo Freire, preciso ser um ou outro. Não estou tão mal de vida, mas não sou um oligarca. Tive o inefável privilégio de poder arruinar minha própria vida, em vez de alguém tê-la arruinada por mim, mas nunca fui muito poderoso. Na visão de mundo de Freire, não existe ironia, quanto mais um sentimento de tragédia. Ele acredita em algo chamado de libertação, sem mencionar em relação a quê, que pode ser os dois, total e permanente. Não é possível ser mais superficial.


Theodore Dalrymple é o pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels. Daniels é autor de mais de trinta livros sobre os mais diversos temas. Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É Realizações), estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou O Que Restou Dela e A Faca Entrou. É um nome de destaque global do pensamento conservador contemporâneo. Colabora com frequência para reconhecidos veículos de imprensa, como The New CriterionThe Spectator e City Journal.

Revista Oeste




















publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2021/06/paulo-freire-e-sua-pedagogia-do.html


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