Jornalista Andrade Junior

sábado, 26 de junho de 2021

"E tem início a colonização do espaço",

 por Dagomir Marquezi

Estamos a caminho de estabelecer as primeiras formas de ocupação permanente fora de nosso planeta natal


Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, vai se tornar também um dos pioneiros do turismo espacial. No dia 20 de julho, uma terça-feira, ele e seu irmão Mark vão entrar numa cápsula New Shepard, fabricada por sua empresa Blue Origin. Os Bezos brothers deverão subir até o limite entre a atmosfera e o espaço exterior, a 100 quilômetros de altitude. A viagem total deverá durar 10 minutos.

E é esse o produto que a Blue Origin vai oferecer a princípio: um pulinho no espaço. Não faltam interessados. Uma terceira vaga na New Shepard foi a leilão e recebeu ofertas de 7.600 concorrentes de 159 países. O vencedor (ainda não revelado) comprou seu assento por 28 milhões de dólares. A renda vai para uma fundação educacional da empresa espacial.

Uma coisa é uma viagem de 10 minutos. Outra é passar as férias em órbita. E essa possibilidade está muito próxima, pelo menos para (por enquanto) os super-ricos.

O Voyager Station poderá ser o primeiro hotel espacial da História. Ele vai ser construído pela Orbital Assembly Corporation, que se descreve como “a primeira companhia do mundo de construção espacial em larga escala”. O formato da Station é o de uma roda com 200 metros de diâmetro, capaz de receber até 440 viajantes.

Se algo der muito errado, 44 veículos de emergência poderão levar os ocupantes de volta à superfície terrestre. A estação deverá ter 24 módulos de habitação, de tamanhos variados. Sua permanente rotação vai criar uma gravidade artificial para os ocupantes.

Você já pode fazer sua reserva no site da empresa. Mas, se declarar que tem menos de 10 milhões de dólares, nem prosseguirá na inscrição. Suítes de 30 metros quadrados podem ser alugadas de 3 a 30 dias, com vista para a Terra e o universo como um todo. Bilionários poderão alugar uma “villa” de luxo, com 500 metros quadrados, acomodação para 16 pessoas, três banheiros e cozinha própria. Multibilionários podem pensar na possibilidade de comprar uma villa dessas. Por enquanto a empresa não informa o preço do metro quadrado numa estação espacial.

O Voyager Station oferece outras amenidades, como a sala de esportes, onde você pode jogar basquete ou saltar na cama elástica com apenas um sexto da força da gravidade. À noite, a academia se transforma numa sala de concertos “para os maiores músicos da Terra sacudirem a estação enquanto circulam o planeta”.

Os hóspedes contarão ainda com um “sky bar” para quem quiser tomar um drinque observando o espaço com “a melhor vista da estação”. As bebidas são servidas no balcão do andar superior. Você não precisa subir a escada. Com um sexto de seu peso, pode saltar até ela.

Como sempre, é a iniciativa privada que dá os passos mais ousados e surpreendentes

Não podia faltar também um restaurante para “rivalizar com os melhores da Terra”. Os alimentos serão renovados a cada duas semanas por meio de serviços de delivery espacial. “Com o tempo”, declarou o designer Tim Alatorre, “ir para o espaço será apenas uma das opções que as pessoas terão para suas férias, como viajar num cruzeiro ou ir para a Disney World.” O objetivo mais a longo prazo é que a opção deixe de ser para os muito ricos e esteja ao alcance “de qualquer um”.

O Voyager Station não é um projeto para um futuro distante e indefinido. Sua inauguração está anunciada para daqui a meros seis anos. O primeiro prazo era 2015, e só foi adiado por causa da pandemia de covid-19. Está logo aí. E não é o único projeto desse tipo em andamento.

A empresa Axiom Space anunciou o mais modesto Axiom Station. Será um “laboratório comercial e infraestrutura habitacional”. Vai orbitar a Terra a 400 quilômetros de altitude e 27.300 quilômetros por hora. Preço total da estação: 2 bilhões de dólares.

A Axiom não promete bares e academias no espaço, mas uma estação espacial sóbria e funcional, para receber cientistas e turistas. Eles ficarão instalados num compartimento em forma de ovo, planejado pelo arquiteto e designer francês Philippe Starck. Seus quatro módulos estão sendo construídos pela empresa TASI (Thales Alenia Space). A Axiom, comandada por um ex-funcionário da Nasa, já colocou em seu site uma contagem regressiva para o lançamento do módulo inicial. O dia anunciado é o primeiro de 2024.

Em outras palavras, até agora humanos foram ao espaço cumprir uma missão. Agora começam a ir pela curtição. Projetos como o Voyager Station e o Axiom indicam também que se confirma uma era de privatização da exploração espacial. A ideia de um hotel em órbita jamais partiria de uma Nasa, ou dos complexos estatais da Rússia e da China. Como sempre, é a iniciativa privada que dá os passos mais ousados e surpreendentes.

O espaço está deixando de ser “mata virgem”. Estamos a caminho de estabelecer as primeiras formas de ocupação permanente fora de nosso planeta natal. O mais completo e ousado plano nesse sentido é o projeto Nüwa.

No ano passado, a Mars Society, entidade que reúne os maiores especialistas no chamado “planeta vermelho”, lançou um concurso para escolher o melhor e mais completo projeto de colonização de Marte. Concorreram 175 equipes de doze países. O vencedor foi o escritório internacional de arquitetura ABIBOO, com a assessoria de uma rede internacional de cientistas e especialistas.

Nossos bisnetos poderão nascer marcianinhos

O Nüwa é o primeiro plano real de urbanização de Marte. O nome inspira-se em uma deusa da mitologia chinesa que protegia os humanos fundindo cinco pedras. O projeto mais amplo da ABIBOO prevê a construção de cinco cidades (Nüwa, Fuxi, Abalos, Marineris, Ascraeus) interligadas na região de Tempe Mesa.

Em seu estágio mais avançado, Nüwa poderá estar habitada por 1 milhão de humanos. Esse milhão consumirá por dia 10.000 toneladas de água, 1.500 toneladas de comida e 820 toneladas de oxigênio, tudo produzido no próprio planeta. Essas fontes vitais deverão ser cuidadosamente recicladas, pois qualquer desperdício num planeta tão hostil pode ser fatal. As fontes de energia deverão ser a solar concentrada (58%), a nuclear (30%) e a fotovoltaica (12%).

A unidade de construção de Nüwa são módulos tubulares de 60 metros de comprimento e 10 metros de diâmetro, ligados por uma rede de túneis e elevadores. Os módulos de dois andares não serão empilhados como nos edifícios terrestres, mas encaixados no paredão de um penhasco, formando pontos iluminados na noite marciana. Segundo a revista Space, esse encaixe no penhasco deverá “proteger os habitantes da radiação, garantir acesso indireto à luz do Sol e proteger do impacto potencial de meteoritos”.

Existe na concepção de Nüwa uma preocupação com o bem-estar de seus habitantes, vivendo num planeta de condições extremas. O projeto prevê a criação de “Green-Domes”, grandes estufas onde seriam cultivadas plantas terrestres num minijardim. Nesses espaços coletivos, os humanos poderiam passear com seus pets, participar de apresentações artísticas e até curtir em paz algumas pequenas fontes de água.

No planalto sobre o penhasco (e as habitações), seria instalada a infraestrutura para a produção de comida e energia. Cinquenta por cento da alimentação humana viria dessas plantações automatizadas, criadas num ambiente artificialmente enriquecido por gás carbônico. Ao pé do penhasco estariam os serviços — hospitais, escolas, rede de transporte etc.

O projeto Nüwa calcula que a cada 26 meses seria aberta a ponte entre a Terra e Marte, com viagens entre um e três meses de duração. Um candidato a colonizador deverá pagar, segundo a ABIBOO, aproximadamente “300 mil dólares para ter direito a uma viagem (só de ida), uma unidade residencial de 25 a 35 metros quadrados por pessoa, acesso completo às facilidades comuns, todo o apoio vital em serviços e alimentação e um contrato de trabalho que obriga cada um a devotar entre 60% e 80% de seu tempo de trabalho a tarefas determinadas pela cidade”. Os cidadãos são considerados acionistas da cidade. Nüwa não se propõe a criar nenhuma utopia econômica delirante. Usa os bons e velhos conceitos de economia de mercado adaptados a uma realidade completamente nova.

A educação seria dividida em três fases. Até os 5 anos, as crianças teriam um ensino básico com foco nas áreas emocional, cognitiva, social e física. Dos 5 aos 16, a ênfase vai ser no desenvolvimento de novas habilidades e no trabalho em equipe. A partir dos 17, os jovens cursariam as universidades técnicas marcianas, voltadas para tarefas críticas, empreendedorismo, ciência e artes e conceitos vitais como inteligência artificial e robótica.

Não podemos perder de vista que esses primeiros habitantes serão colonos, e não turistas. E que, portanto, como os pioneiros do passado, deverão focar suas tarefas na instalação da própria colônia, o que não será nada fácil. A moeda local seria o micro. Lá, como aqui, você teria como ganhar de acordo com seu trabalho, e poderia gastar os micros a mais para expandir seus negócios, comprar uma habitação maior ou gastar em viagens e bens.

Segundo seu designer Alfredo Muñoz, “parece realista que a gente possa começar Nüwa por 2054, e terminar pelo fim do século, se houver as fontes certas de financiamento e vontade para isso”. Uma matéria da revista BBC Science Focus afirma que, “por volta do 50º aniversário de Nüwa, a colônia vai estar grande o suficiente para se tornar um Estado independente da Terra”.

Passar férias em órbita ou morar em Marte pode não ser para mim ou para você. Mas nossos filhos poderão sonhar com essa possibilidade. Nossos netos talvez possam comprar um sobrado em Nüwa em suaves prestações. E nossos bisnetos poderão nascer marcianinhos.


Dagomir Marquezi, nascido em São Paulo, é escritor, roteirista e jornalista. Autor dos livros Auika!, Alma Digital, História Aberta, 50 Pilotos — A Arte de Se Iniciar uma Série e Open Channel D: The Man from U.N.C.L.E. Affair. Prêmio Funarte de dramaturgia com a peça Intervalo. Ligado especialmente a temas relacionados com cultura pop, direitos dos animais e tecnologia.

Revista Oeste




















publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2021/06/e-tem-inicio-colonizacao-do-espaco-por.html


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