Jornalista Andrade Junior

sábado, 26 de junho de 2021

"O Facebook se tornou cúmplice da China",

 afirma Brendan O'Neill, da Spiked

Graças à restrição a qualquer discussão sobre a teoria de que a covid-19 pode ter vazado de um laboratório em Wuhan, pessoas no mundo todo foram submetidas ao silenciamento à moda chinesa


Nos últimos meses os moradores da China não foram os únicos a ser proibidos de falar mal do regime chinês. O mesmo ocorreu com bilhões de pessoas mundo afora. Graças ao Facebook e à sua restrição a qualquer discussão sobre a teoria de que a covid-19 pode ter sido “fabricada” ou pode ter vazado de um laboratório em Wuhan, pessoas nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e no mundo todo foram submetidas ao silenciamento à moda chinesa. Elas foram basicamente impedidas de dizer qualquer coisa que pudesse constranger o Partido Comunista Chinês. Os chefões supostamente descolados e cool da World Wide Web ajudaram a globalizar a repressão do PCC ao pensamento livre e ao debate aberto.

Precisamos falar sobre isso. O Facebook agora retirou as restrições a posts que descrevem a covid-19 como “artificial” ou “fabricada” ou que dizem que o vírus escapou de um laboratório — o Instituto de Virologia de Wuhan, para sermos exatos. Isso pavimentou o caminho para seus 2,7 bilhões de usuários discutirem livremente a possibilidade de a covid-19 ter surgido em uma instalação científica, e não em uma tigela de sopa de morcego. Mas esse não deveria ser o fim da questão. Não deveríamos casualmente esquecer o fato de os bilionários supostamente antenados do Vale do Silício terem passado meses apagando de suas plataformas especulações sobre atos ilícitos ou descuidos em relação à covid-19. Porque essa questão dramática, essa aliança tão infeliz entre os tecnocratas da Califórnia e os autocratas de Pequim, joga luz na loucura e nos perigos da censura on-line.

Não vai ser um choque para ninguém que tem prestado atenção que a retirada da proibição sobre as teorias do vazamento do laboratório coincidiu com o pedido da administração Biden para um esforço concentrado para revelar as verdadeiras origens do vírus. Ambos aconteceram exatamente no mesmo dia. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, instruiu agentes do serviço de informação a “redobrar” seus esforços para descobrir de onde veio a covid-19 — e, voilà, o Facebook disse que não ia mais apagar nem acrescentar um aviso aos posts que diziam que a covid-19 foi fabricada ou veio de um laboratório. Ninguém poderia ter pedido uma prova melhor da relação bizarra e confortável entre o Vale do Silício e o establishment democrático. Ou, em termos mais flagrantes — e exatos —, entre as pessoas que controlam a esfera pública do século 21 e o político mais poderoso do planeta: Joe Biden. Que os facilitadores da discussão pública no mundo moderno sejam orientados sobre o que é aceitável pensar e dizer em Washington deveria assustar qualquer um que acredita em liberdade de expressão e diversidade de pensamento.

A falta de provas da teoria do laboratório não é justificativa para silenciá-la

No último ano, qualquer pessoa que considerasse a possibilidade de que a covid-19 tivesse vindo de um laboratório, e não de um mercado, era denunciada como louca. Ele ou ela corria o risco de ser enclausurado na cadeia do Facebook — ou seja, ser impedido de postar por 30 dias — e se tornar motivo de riso de todos os sabichões do reino do Twitter. “Idiota que acredita em teorias da conspiração” era basicamente o nível da discussão que se podia esperar se você quisesse saber se o novo coronavírus veio de um laboratório, e não de um morcego, para o público em geral. No entanto, houve uma reviravolta. Talvez as teorias dos laboratórios não sejam tão absurdas, dizem os comentaristas. A teoria do vazamento de laboratório está “ganhando força”, diz o Independent, um jornal que antes colocava a conversa do laboratório sob o título de fake news.

Claro, ainda pode ser verdade que a ideia de a covid-19 ter vazado do Instituto de Virologia de Wuhan não seja real. E me parece que a afirmação que está circulando pelas margens da internet — de que a China desenvolveu o novo coronavírus de propósito e depois o espalhou pelo mundo para prejudicar seus concorrentes globais —, além de totalmente maluca, não conta com nenhuma evidência. Mesmo a sugestão de que o vírus tenha vazado acidentalmente do laboratório de Wuhan — onde ele talvez estivesse sendo estudado, ou possivelmente até modificado e intensificado — está longe de ser fundamentada. Nas palavras do professor Dale Fisher, membro da equipe da OMS que visitou Wuhan para tentar descobrir mais sobre o surgimento dessa pandemia, existem poucas evidências concretas desse cenário. “A teoria do vazamento do laboratório não está totalmente fora de cogitação, [mas] é preciso fazer mais pesquisas”, disse ele.

Assim, qualquer um que esteja furiosamente se conectando às suas redes sociais para dizer “A CHINA INVENTOU ESSE VÍRUS” ainda está sendo um pouco cretino. (Claro, eu defendo o direito de alguém ser cretino.) E, sem dúvida, é triste que a teoria do vazamento do laboratório tenha sido atrelada a um sentimento anti-China mais amplo que considera essa nação como uma força maligna, que constantemente transforma a vida dos ocidentais num inferno. E, no entanto, a falta de provas da teoria do laboratório não é justificativa para silenciá-la ou desqualificá-la. Pelo contrário, é exatamente quando as coisas estão incertas, desconhecidas, em movimento, que precisamos do máximo de liberdade de expressão para tentar determinar que diabos está acontecendo.

A aparente convicção do Vale do Silício de que algo, se não foi provado, deve ser censurado é uma idiotice retrógrada da pior forma. Como essa gente acha que se chega à verdade? Por magia? Por decreto? Por pronunciamentos de Wuhan ou Pequim? A liberdade de pensamento e expressão é o meio pelo qual descobrimos a verdade do nosso mundo. Especulação, investigação, teoria, debate, descoberta — essas são as ferramentas que nos permitem pesar as coisas, separar os fatos da ficção, entender o que é falso e o que pode ser verdade. A censura explicitamente prejudica esse processo ao sufocar o questionamento livre e reduzir o público a recebedores passivos da “verdade” elaborada pelas pessoas no poder. Essa é a receita para um dogma, não para a descoberta; para a ignorância, não para a iluminação.

Prefiro a irritação das teorias da conspiração à infantilização da censura do Vale do Silício

Essa é a triste ironia da censura criada para combater “teorias da conspiração”, que foi a justificativa para a restrição nas redes sociais da teoria do laboratório. A censura tem muito mais chance de inflamar e encorajar a imaginação conspiratória do que de contê-la. A censura incentiva a ignorância. Ao esconder certos fatos ou certas ideias e teorias, a censura desencoraja o uso das habilidades críticas das pessoas para descobrir a verdade, preferindo nos dizer: “Fique quieto. Tenha paciência. Vamos contar para você quando descobrirmos”. Essa pacificação elitista da vida pública — esse desmantelamento dos questionamentos de massa — tem o efeito de fazer as pessoas pensarem “devem estar escondendo alguma coisa” ou de nos convencer a não pensar demais sobre certas questões porque elas estão além do nosso nível intelectual. Nenhum desses estados de medo leva à busca pela verdade.

A verdade só pode ser revelada por meio da verdade. O filósofo e economista britânico John Stuart Mill sabia disso. Em A Liberdade, ele argumenta que “a completa liberdade de contradizer e desaprovar nossa opinião é exatamente a condição que justifica que assumamos sua veracidade para propósitos de ação; e não será com base em quaisquer outros termos que um ser com as faculdades humanas poderá ter qualquer segurança racional de estar com a razão”. Ou seja, é só quando submetemos nossas crenças e teorias à discussão mais ampla possível — talvez até à ridicularização e à zombaria e às críticas ferinas — que podemos verdadeiramente testá-las e melhorá-las e, um dia, decidir que devem estar certas (ou erradas). Esse é o caso para a ciência em especial, cuja força depende de processos livres e rigorosos de refutabilidade. Ao remover a “teoria do laboratório” da discussão e do debate de sua vasta plataforma, o Facebook revelou a curiosa combinação de arrogância e atitude defensiva que é a essência vital da crença mortal da censura política.

Prefiro viver num mundo em que supostas teorias da conspiração correm soltas do que em um mundo onde algum ricaço ou um especialista cheio de diplomas que nunca conheci decide que preciso ser protegido dessas teorias. Os teóricos da conspiração não fazem nada mais do que me desafiar — me desafiar a provar que eles estão errados, a reunir os fatos, a articular com o máximo de clareza o que considero ser a verdade sobre um assunto. O censor, por outro lado, insulta a minha existência. Ele me transforma em uma criança. E diz: “Não pense. Não questione. Não use suas faculdades morais e mentais para descobrir o que é verdade e o que é falso. Vou fazer isso por você”. Prefiro a irritação das teorias da conspiração on-line à infantilização da censura do Vale do Silício em qualquer circunstância.

A censura do Facebook sobre a teoria do vazamento do laboratório foi errada, imoral e ofensiva. Ela frustrou o questionamento intelectual público e deu ao regime chinês um passe livre. Nossas redes on-line são governadas por pessoas que confiam mais nas autoridades de Pequim do que na população de sua própria nação. Isso é genuinamente assustador, e não podemos deixar passar.

Tevista Oeste























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