Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 25 de junho de 2021

'O triunfo dos bandidos",

 por Sílvio Navarro

Com os presos da Lava Jato fora da cadeia e a aprovação na Câmara da Lei da Impunidade, o Brasil recua 20 casas na luta contra a corrupção



Há seis anos, quando a Operação Lava Jato estava a todo o vapor no país, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco surpreendeu o então juiz Sergio Moro e os brasileiros ao propor a devolução — como quem fosse efetuar uma transferência bancária de R$ 100 — de US$ 100 milhões surrupiados da estatal em troca de um acordo para não passar uma década na cadeia. Funcionário do segundo escalão da empresa — era auxiliar de Renato Duque, que agia num ponto estratégico do esquema de propina chefiado por José Dirceu —, ele é lembrado até hoje pelos investigadores não só pelas cifras, mas por encarnar o personagem do ladrão sincero.

“A coisa foi acontecendo dos dois lados”, afirmou Barusco, em seu depoimento à Justiça. “Tanto um oferece, quanto outro recebe, vai-se estreitando o relacionamento e, quando a gente vê, está no meio desse processo. É uma coisa contínua que, de repente, já está acontecendo.”

A estratégia da defesa deu certo. Barusco devolveu o dinheiro que estava escondido na Suíça aos cofres públicos e passou dois anos em casa monitorado por uma tornozeleira eletrônica.

Passados sete anos da primeira das 80 fases da operação, a maioria dos presos ilustres que formavam o cartel da corrupção ainda responde pelos crimes e cumpre pena em regime domiciliar ou semiaberto — foram 174 condenações. Outros 38 se valeram da canetada do Supremo Tribunal Federal (STF), que revogou decisão do próprio STF e proibiu prisões depois da condenação em segunda instância. Entre eles, o ex-presidente Lula e José Dirceu.

Dos condenados pelo Mensalão não resta mais ninguém encarcerado

O fato é que o único “famoso” que segue atrás das grades é Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, trancafiado no presídio de Bangu, condenado em 18 processos a quase 350 anos de cadeia. Do Complexo Médico de Pinhais, no Paraná, que ganhou notoriedade ao alojar a nata dos corruptos da Lava Jato, o último a sair foi Roberto Gonçalves, ex-gerente da Petrobras, no começo do ano passado. A exemplo de outros detentos não tão conhecidos na lista do Petrolão, ele conseguiu o benefício do regime domiciliar por causa da pandemia de coronavírus.

A menos que surjam novas sentenças pesadas, a tendência é que nenhum deles retorne para a cela — duas eventuais exceções podem ser o doleiro Dario Messer, por força de uma recomendação do juiz que consta em seu despacho, e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, cujo indulto natalino concedido pelo ex-presidente Michel Temer foi revogado pelo Supremo.

  

LEI DO RETROCESSO

Paralelamente ao fim da temporada nos presídios para os bandidos de colarinho branco do Petrolão — do Mensalão não resta mais ninguém encarcerado —, o país acompanha o empenho do Congresso Nacional em afrouxar punições para políticos que cometem crimes contra o Erário. É o tal Projeto de Lei nº 10.887, de 2018, relatado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP) e apelidado de Lei da Impunidade.

A justificativa do petista, encampada pela maioria da Câmara, é que há excesso de rigor nas punições aos administradores públicos, algo que engessa a gestão. Na prática, se sair do Congresso Nacional como está, o texto vai instituir a “improbidade dolosa”. Ou seja, terá de ficar comprovada a intenção de roubar o dinheiro do pagador de impostos para que ocorra alguma penalidade. A regra mudará substancialmente a vida de prefeitos, secretários municipais e estaduais e governadores, que hoje enfrentam uma fiscalização mais dura, especialmente do Ministério Público.

Com a chancela de 408 votos dos 513 deputados, o projeto de lei seguiu para o Senado, onde dificilmente será reescrito. O motivo é simples: quando se protege um político aliado, todos os padrinhos e apadrinhados ficam protegidos. Um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, revelou que um em cada quatro senadores responde a processos na Justiça.

Ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol elencou os principais pontos do que está em jogo:

1) os prazos de prescrição foram encurtados de modo a garantir a impunidade em casos complexos. Se a lei valesse hoje, as ações de improbidade da Lava Jato, por exemplo, que tramitam há mais de quatro anos, teriam prescrito;

2) os partidos políticos passam a ser isentos de responsabilidade por atos de improbidade;

3) o prazo de investigação passa a ser de, no máximo, um ano, o que é inexequível quando se apuram crimes e atos complexos;

4) as penalidades só poderão ser executadas depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Ou seja, após infindáveis recursos em quatro instâncias;

5) Muitos desvios deixaram de ser improbidade, inclusive o enriquecimento ilícito do funcionário público.

Outros integrantes do Ministério Público também se manifestaram.

Um estudo realizado de março a abril deste ano pela Americas Society/Council of the Americas e pela consultoria Control Risks, batizado de Índice de Capacidade de Combate à Corrupção-2021, mostrou que o Brasil foi o campeão em retrocesso nos últimos dois anos entre 15 países da América Latina. Hoje, está em sexto lugar no ranking, atrás de Uruguai, Chile, Costa Rica, Peru e Argentina. O diagnóstico reúne pontos como “independência e eficiência do Judiciário”, “acesso à informação pública e transparência geral do governo”, “nível de especialização e recursos disponíveis para combate a crimes de colarinho-branco”, “processos legislativos e normativos” e “qualidade da imprensa”.

Para fechar a semana com o pé na lama, o Supremo Tribunal Federal (STF) — sempre ele — confirmou na última quarta-feira, 23, a decisão que decretou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro em processo contra o ex-presidente Lula e anulou todas as condenações de quem já havia sido condenado em todas as instâncias possíveis. Isso significa que os processos voltaram à estaca zero, numa triste marcha a ré na História. Agora é oficial: o Brasil não é só um paraíso da impunidade, como acaba de inventar a figura jurídica do ex-corrupto.

Revista Oeste















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