Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

"A neurose do vírus - Ou o vírus da neurosa",

  escreve J.R. Guzzo

A doença real não vai ser encontrada na infecção dos pulmões, e sim no equipamento cerebral de cada um

Oito meses seguidos de covid estão deixando claro, cada vez mais, que um dos piores efeitos colaterais da epidemia foi um assalto maciço à saúde mental de pessoas que nunca tiveram um único sintoma real da infecção, nem precisaram de qualquer tipo de cuidado médico por causa dela. Essa patologia, mal percebida no começo da onda, e progressivamente instalada no comportamento cotidiano das vítimas, se manifesta através de uma anomalia básica: a aceitação passiva, e em seguida muito ativa, de convicções irracionais no seu sistema cerebral, emotivo e psicológico. É como se tivessem desligado, em algum lugar, a chave-geral que assegura o funcionamento normal — ou aquilo que era considerado normal até algum tempo atrás — dos circuitos nos quais se movimenta o pensamento humano.

Faz algum sentido o cidadão entrar num restaurante, sentar-se à mesa e só tirar a máscara na hora de comer — ou, pior ainda, ficar pondo e tirando a cada garfada? Claro que não, mas quem se comporta desse jeito está convencido de que está certo e os demais estão arriscando a própria vida — e a vida dele, nas ocorrências mais radicais de militância antivírus. Não é normal, da mesma maneira, que muita gente considere essencial, além da “bike”, do capacete e do uniforme importados, usar máscara para rodar ao ar livre de bicicleta. Fazem como se fazia no ano 1300, ou por aí, quando os barões, os médicos e os padres convenceram as pessoas que a peste negra vinha pelo “ar”. (Seu conselho capital, 700 anos atrás: “Fique em casa”.) Já se viram mães que colocam minimáscaras em seus bebês quando vão passear com o carrinho; é óbvio que a única doença presente no caso está na cabeça delas mesmas.

Na França, berço da civilização ocidental-cristã-progressista, farol da sabedoria, da inteligência, da lógica e do humanismo, as autoridades acabam de tomar uma medida realmente extraordinária: os quase 70 milhões de habitantes do país estão proibidos de sair de casa entre as 9 horas da noite e as 6 da manhã. Nada de restaurante, bar, café, concerto, teatro, balada; só no dia seguinte. Ficamos assim, então: segundo o governo francês, o vírus só pega de noite; durante o dia o cidadão pode circular à vontade, pois o bicho vai embora e só volta quando escurece. Naturalmente, eles dizem que a sua providência vai reduzir “a aglomeração” de pessoas (estar próximo dos seus semelhantes, nestes dias de perturbação mental, é quase um crime de lesa-pátria), mas na verdade não é nada disso. Por que a “aglomeração” à noite seria pior que a “aglomeração” ao meio-dia? Trata-se de puro pânico de manada por parte de governantes que continuam não tendo ideia do que fazer e se valem, para dar as suas ordens, da aceitação religiosa do “distanciamento social”.


“Macron representa, apenas, a média de qualidade dos governos que vigora nos países da Europa avançada”


É a tal coisa; a mesma França que nos deu Descartes, Voltaire e Balzac hoje nos dá Emmanuel Macron. Fazer o quê? C’est la vie, diriam os próprios franceses — isso é tudo o que temos a oferecer no momento. O problema do presidente francês, e dos agentes do seu governo, não é propriamente ter ideias erradas. O problema é que não são capazes de ter ideia nenhuma — não uma ideia original, ou mesmo simplesmente aproveitável, ou com algum propósito útil. Apenas repetem ideias mortas; não há o menor risco de criarem alguma coisa. Não se trata só de Macron, obviamente, ou só da França. Ele representa, apenas, a média de qualidade dos governos que vigora hoje em dia nos países da Europa avançada. Mais ainda: Macron é uma das megavítimas, também ele e mais muita gente boa, do progressivo colapso psicológico que a epidemia trouxe para todos.

No Brasil, possivelmente porque há por aqui pelo menos uns 150 milhões de pessoas que são pobres demais para ter esse tipo de neurastenia, coisa privativa das classes médias para cima, a pegada do vírus é mais inofensiva. Está muito mais na mídia, nas altas castas do funcionalismo e nos meios onde, em geral, as pessoas não têm realmente que trabalhar para ganhar a vida do que na maioria da população. O que envolve o Brasil na grande anomalia mental trazida pela covid é, de um lado, a superstição médica ou científica que se tornou curiosamente comum hoje em dia. Esse tipo de superstição anda muito popular por aqui e pelo mundo afora. Os médicos, no fundo, sabem sobre a covid não muito mais do que sabiam em fevereiro; como não sabem, inventaram a “quarentena”. A maioria dos homens de ciência, é claro, sabe perfeitamente bem que as condutas aberrantes que foram descritas acima estão muito próximas da insanidade. Mas não querem falar disso; ficam com medo de ser acusados de genocídio, ou algo assim, se abrirem a boca para dizer que dois mais dois são quatro. Se nem o presidente da República escapou da acusação de ter matado 160 mil pessoas, inclusive por parte do Supremo Tribunal Federal, por que um simples médico que tem de ganhar o seu sustento iria se meter na contramão das psicoses que comandam o pensamento atual?

Isso por um lado — por outro lado, e aí é pior ainda, há o comportamento voluntário das pessoas. Um número muito grande de gente decidiu levar a extremos o Evangelho do “distanciamento social”; querem viver isolados, na crença de que podem adiar a hora da morte se ficarem “em casa”, como mandam os “formadores de opinião” do YouTube e os charlatães (modelo light, mas charlatães assim mesmo) da nova crendice científica. Foram convencidos, por algum tipo de desequilíbrio no aparelho onde se formam seus raciocínios, que ficando livres da covid ficam também livres, misteriosamente, do câncer de fígado, do derrame cerebral e do enfarte do miocárdio. Nessa grande neurose, romperam ao máximo com o mundo exterior e reduziram ao mínimo seu contato físico com os demais seres humanos. Afastaram-se de vizinhos, de amigos e até mesmo dos próprios familiares — consideram que a pior coisa que pode lhes acontecer é ver outra pessoa. Começaram por medo, apenas; depois foram tomando gosto pela coisa e hoje acham que é melhor viver assim.

Há muita gente pensando numa “troca de vida”: sai a vida atual, cheia de egoísmo, desigualdade etc. etc. e entra a vida do novo milênio, cada vez mais virtual e cada vez mais virtuosa, onde a comunicação digital pelo WhatsApp, Zoom e outros truques está virando a forma ideal — ou, pior ainda, a única — de manter contato com outros seres de carne, osso, alma e coração. Querem viver assim pelo maior tempo possível e, nos casos mais extremados, para sempre. Aí não é culpa do precário governador Wilson Witzel, campeão nacional da demência pró-confinamento e hoje afastado do cargo, segundo as denúncias oficiais, por ser ladrão — ladrão de dinheiro destinado ao combate da epidemia, por sinal. É culpa de quem está escolhendo viver assim. O problema, nesses casos, não está na covid, nem nos governos nem no presidente Macron; está na cabeça deles. A doença real não vai ser encontrada na infecção dos pulmões, e sim no equipamento cerebral de cada um. A cura, nesse caso, depende unicamente do doente.

Revista Oeste


















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