por J.R. Guzzo
O Brasil está vivendo neste final de ano alguns espetáculos de intenso valor didático para as aulas de educação moral e cívica das nossas escolas. Através delas, os alunos que prestarem alguma atenção ao que o professor está falando – caso o professor esteja falando só o que é fato, sem inventar nada – vão aprender na prática o que significa uma coisa que os adultos chamam de “instituições”. No espetáculo do momento, a “Câmara Alta” (é como se diz) que representa os 27 Estados brasileiros tem um membro, justo o “vice líder” do governo, que foi flagrado escondendo dinheiro na cueca – segundo as denúncias, dinheiro que roubou das verbas de combate à Covid, como se roubava em outros tempos a caixinha de esmolas da igreja. É essa gente, que está de coração partido em seu apoio ao colega da cueca, que vai nomear sabem quem? O novo ministro do STF, a máxima corte de justiça da nação, que acaba de ser escolhido pelo presidente da República e que ficará atracado à sua cadeira até o remoto ano de 2047. Atenção: se não tivesse sido pego, o tal senador seria um dos 81 que votariam no preferido do presidente.
Pode? Não só pode, como deve – aliás, por força do que estabelecem as nossas “instituições”, não há nenhum outro jeito de se entregar o cargo para o homem. Qual é a moral – ou a cívica – de deixar uma decisão fundamental para o país, como o preenchimento dos onze cargos do STF, abandonada ao capricho do presidente e à aprovação de uma das aglomerações de políticos mais desmoralizadas do planeta Terra – o Senado Federal do Brasil? Não é que os senadores sejam desmoralizados por causa de alguma “hostilidade” ao exercício “da política”, como dizem eles próprios e seus defensores. São assim por causa dos atos que praticam – como, por exemplo, esconder dinheiro roubado na cueca. Obviamente, não têm condição para aprovar o licenciamento de uma carrocinha de milho verde; a ideia de que um conjunto desses possa aprovar os membros do STF, então, é simplesmente incompreensível.
Já não bastaria esse próprio dr. Kássio que o presidente Bolsonaro indicou para o cargo – uma nulidade absoluta, que enfiou trechos plagiados de um colega em sua “tese” de mestrado numa faculdade portuguesa de segunda linha e cujo único mérito oficial para o cargo, segundo o próprio presidente, foi “tomar tubaína” com ele? Não, isso aí ainda é pouco, bem como o horror que o novo ministro tem de condenações por ladroagem. Foi preciso, também, enfeitar o bolo com a cereja do senador da cueca – esfregando na cara do público, bem agora, quem são os indivíduos que constroem o plenário do STF. É a “normalidade democrática”
Você acredita que os demais senadores são muito melhores que o companheiro da Covid? Quantos? Quais? O novo magistrado do Supremo é o herói de um outro caso clínico do Senado – um senador que foi oficialmente denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo MP e cujo caso está sob a apreciação do STF – justamente do STF. É saudado por mais um caso extremo, o senador Renan Calheiros, como o homem que pode “salvar” o Brasil do “estado policialesco” em que estaria vivendo por causa dos processos judiciais contra a corrupção. Aí já é demais, até para os alunos do curso primário – mas, na vida real, ainda não é demais.
O Senado e as “instituições” estão indo ainda mais longe nessa marcha da insensatez; o senador pego em flagrante pediu o seu “afastamento“ do cargo por “90 dias” — à espera de que até lá essa história já tenha caído em exercício findo, e ele fique de novo livre, solto e pronto para novos empreendimentos. Mas se tiver de ficar fora por mais de 120 dias, será substituído por seu “suplente”. E quem é esse “suplente”? O próprio filho do senador da cueca. Que tal? É um desses casos onde se junta o insulto à injúria.
O “suplente” é uma das aberrações mais grosseiras da política brasileira – uma chave falsa para permitir que entrem no Congresso sujeitos que não receberam um único e escasso voto dos eleitores, como pode ser o caso do tal filho. Serve, também, para eleitos renunciarem aos mandatos e venderem seu lugar para milionários que não querem passar pelo perrengue de disputar uma eleição.
Os políticos dizem que é preciso substituir congressistas que, por alguma razão, deixem de exercer os seus mandatos. E por que não se faz uma nova eleição para isso? Afinal, votar é o dever mais sagrado que um brasileiro pode ter, segundo vive dizendo o “Tribunal Superior Eleitoral”. Ou, então, por que não se deixa o cargo simplesmente vago – que diferença iria fazer? Aliás: seria um a menos para roubar. Já é alguma coisa.
O Estado de São Paulo
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