Augusto Nunes:
Aos 28 dias de outubro de dois mil e vinte, em São Paulo, às treze horas, na sala desta instância jornalística, compareceu Aécio Neves da Cunha, filho de Aécio Ferreira da Cunha e de dona Inês Maria Tolentino Neves, com 60 anos de idade, natural de Belo Horizonte, de cor branca, residente no Rio de Janeiro, sabendo ler e escrever; aos costumes, disse nada; interpelado pelo entrevistador, declarou que é político profissional por ter nascido numa família de políticos, já que seu pai foi deputado federal e seu avô materno só não assumiu a Presidência da República por problemas de saúde; que já exerceu os cargos de deputado federal, governador de Minas Gerais e senador antes de ser rebaixado a deputado federal; que em 2014 disputou a sucessão presidencial como candidato do PSDB e só não venceu a eleição porque o presidente do Superior Tribunal Eleitoral era o ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli; que se preparava para a segunda tentativa de pouso no Palácio do Planalto quando, em maio de 2017, inimigos ardilosos divulgaram o conteúdo de uma conversa telefônica que teve com o empresário Joesley Batista, gravada ilegalmente, na qual o declarante negociava com o dono da JBS um empréstimo de 2 milhões de reais, visto como propina por pessoas de má-fé cujos nomes prefere nem mencionar; que não conhecia Joesley Batista nem de vista nem de nome, embora com ele tivesse mantido meia dúzia de encontros; que a partir da publicação daquele diálogo mal interpretado sua vida piorou extraordinariamente, pois no Brasil nem reza brava consegue restabelecer a verdade se a mentira tem cara de fato e jeito de fato; que escapou por muito pouco de ser transferido do Senado para a cadeia, injustiça da qual o livrou a sensibilidade de amigos que, por caprichos do destino, também são ministros do Supremo Tribunal Federal; que em 2018, por desconfiar da gratidão do eleitorado, achou melhor esquecer tanto a Presidência quanto a ideia de concorrer a mais um mandato no Senado e conformou-se com uma cadeira na Câmara de Deputados, o que pelo menos lhe garantiu a imunidade parlamentar e o foro privilegiado, especialmente úteis a quem vira caso de polícia; que ficou muito magoado com o isolamento político imposto por companheiros de partido que tentaram até expulsá-lo do ninho dos grão-tucanos; que, como sempre existe o lado bom da coisa, tal isolamento o preparou para lidar com esperteza de veterano a quarentena para todos decretada pelos comandantes da guerra contra a pandemia de covid-19; que enxergou na reclusão em seu apartamento no Rio também uma boa chance de estudar com afinco e patriotismo os múltiplos aspectos da crise sanitária, inclusive, ou principalmente, a produção de vacinas; que hoje se considera um doutor em vírus chinês, portador de conhecimentos suficientes para afirmar categoricamente que todos os habitantes do País do Carnaval têm de ser vacinados, pois um único sobrevivente infectado bastará para devastar o Brasil com a segunda, a terceira, a quarta e a quinta ondas de contaminações, e nem será necessária uma sexta porque já não haverá um único e escasso brasileiro vivo; que produziu o projeto de lei objeto do presente inquérito por saber que o povo só faz o que é obrigatório se a tanto for obrigado por tiro, porrada e bomba, como diria o declarante se estivesse conversando por telefone com o dito Joesley que jura não ter conhecido nem de vista nem de nome antes do malsinado telefonema; que foi por apreço à vida, a própria e a do restante da Humanidade, que o projeto de lei prescreve medonhas punições a quem ousar ignorar o que determinam artigos, parágrafos e incisos; que não sabe se Tancredo Neves endossaria uma lei desse calibre, já que, no período em que trabalhou como secretário do presidente morto antes da posse, o neto esquecia à noite o que o avô procurara ensinar-lhe durante o dia; que resolveu apresentar o projeto de lei sem esperar a chegada da vacina, muito menos os testes que vão avaliar sua eficácia, porque está na hora de o brasileiro aprender a fazer ontem o que só pode ser feito amanhã; que ainda não decidiu se vai vacinar-se já na primeira dose porque pretende primeiro saber se a imunidade parlamentar torna um deputado imune também à covid-19; que não pretende fazer campanha no plenário do Congresso pela aprovação do projeto porque, embora tenha completado 60 anos só em março passado, resolveu prorrogar a quarentena no Rio por pertencer ao grupo de risco e também para servir de exemplo, como é o caso do governador João Doria, que continua usando máscara mesmo depois de recuperado da covid-19, o que o livra do risco de transmitir o vírus ou de ser novamente infectado, e além disso meio mundo sabe que o declarante gosta muito mais da noite carioca que do dia a dia em Brasília ou em Belo Horizonte; que a parte que mais aprecia no texto do projeto é a que diz que “é preciso cuidado com a possibilidade de que haja brasileiros que venham a se recusar à vacinação, seja por razões religiosas, filosóficas ou o que seja”, principalmente com esse “o que seja”, que abrange com apenas três palavras todas as desculpas e alegações possíveis, amparadas ou não em atestados médicos; que merece ser considerada “coisa de gênio” a ideia de aplicar aos recalcitrantes as mesmas penas reservadas a quem deixa de votar, com a diferença de que a abstenção eleitoral admite justificativas sumariamente negadas aos acusados de abstenção sanitária; que alimenta a esperança de conseguir no pleito de 2024, graças ao único projeto de lei que apresentou desde o desembarque na Câmara dos Deputados, uma vaga de vereador na Câmara Municipal de São João del Rei, onde nasceu o avô que morreria sem imaginar o que o neto seria capaz de fazer.
Nada mais disse nem lhe foi perguntado.
Revista Oeste
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2020/10/augusto-nunes-termo-de-declaracoes.html
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