por Silvio Navarro e Wesley Oliveira
Superexposição de ministros e nova formação da Corte sinalizam mudanças em julgamentos – e prenunciam mais embates
Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Barroso, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Lewandowski, Fachin e Rosa Weber. E agora Kassio Nunes Marques. É possível – e bem provável – que uma enorme parcela dos brasileiros hoje saiba de cor os nomes dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas desconheça a escalação completa da nossa seleção de futebol ou do seu time do coração.
Trata-se do retrato de um país no qual os supremos magistrados nunca estiveram tão à vista da opinião pública – embora apenas um deles, o atual presidente da Corte, Luiz Fux, seja, de fato, juiz de carreira.
Essa superexposição dos ministros ganhou contornos midiáticos em 2012 no julgamento da Ação Penal 470, que condenou a quadrilha do mensalão. À época, o Brasil descobriu o canal público TV Justiça e acompanhou as 53 intermináveis sessões que julgaram os 38 réus como se fosse uma Copa do Mundo. Os 11 togados se tornaram figuras conhecidas – para o bem ou para o mal –, e suas decisões viraram temas de debates em padarias e mesas de bares.
“No passado, havia embates no Supremo, rivalidades e até discussões que, na falta de transmissão pela TV Justiça ou de atenção da imprensa, não ganhavam espaço. A transmissão das sessões permitiu que essas discussões em órgãos colegiados fossem acompanhadas e se potencializassem com a pauta da criminalidade política. O julgamento do mensalão expôs rivalidades e gerou uma percepção na opinião pública de politização de processos criminais sensíveis. E vimos alguns desses embates se repetir quando a Lava Jato dividiu a Corte”, afirma o jornalista Felipe Recondo, que acompanha o Judiciário há duas décadas e é autor do livro Os Onze – O STF, Seus Bastidores e Suas Crises (Companhia das Letras, 2019).
Soma-se a isso a crescente participação da sociedade nas redes sociais nos anos seguintes. A enxurrada de críticas às decisões do Supremo, aliás, degenerou numa questionável investigação, batizada de “inquérito do fim do mundo”, destinada a apurar o disparo das chamadas fake news contra as “11 ilhas”, como são apelidados os gabinetes dos ministros nos arredores da Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Na semana passada, uma afirmação de Luiz Fux jogou luz justamente sobre esse ponto: o tribunal terá menos decisões monocráticas daqui para a frente, na esteira da repercussão negativa da canetada de Marco Aurélio Mello pela soltura de um perigoso narcotraficante que chocou o país. No caso “em tela”, como dizem os bacharéis em Direito, há, inclusive, suspeitas de que escritórios de advocacia impetraram pedidos de liberdade de criminosos à espera do sorteio do “ministro certo” para ser o relator – ou seja, se o nome não agradasse, o pedido era retirado.
“O Supremo do futuro sobreviverá realizando apenas sessões plenárias. Será uma Corte de voz unívoca. Em breve, ‘desmonocratizaremos’ o STF para que as suas decisões sejam sempre colegiadas, numa voz uníssona daquilo que a Corte entende sobre as razões e os valores constitucionais”, disse Fux durante o seminário virtual “STF: presente, passado e futuro”, da TV ConJur.
A declaração provocou a ira dos demais integrantes, especialmente de Gilmar Mendes. “Respeitem um pouco a inteligência alheia, não façam muita demagogia e olhem para os próprios telhados de vidro”, disse, em alusão a uma decisão de Fux sobre a concessão de auxílio-moradia a juízes em 2014 – revogada por ele mesmo quatro anos depois.
Nos bastidores do Judiciário, a avaliação é que Fux pretende ser lembrado como o presidente do Supremo que dará sobrevida à Operação Lava Jato, alvejada em recentes decisões da Segunda Turma do STF. A afinidade com os investigadores da força-tarefa de Curitiba (PR) não chega a ser novidade: ele foi citado nas supostas conversas dos procuradores roubadas por hackers: “In Fux we trust”, teriam escrito os integrantes do Ministério Público.
“A posse do ministro Fux é muito auspiciosa porque a sociedade espera que ele restaure a legitimidade da Corte, tão abalada nesses dois anos pelos desmandos do seu antecessor, Dias Toffoli. Fux teve uma conduta irrepreensível até agora em defesa das vítimas da corrupção no país e a favor da Lava Jato. Suas primeiras medidas foram muito positivas para acabar com esses currais de habeas corpus, embora ele enfrente a resistência dos chamados garantistas, que nada mais são do que garantidores do crime”, avalia o jurista Modesto Carvalhosa, um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
NOVA ILHA
Quando se sentou à mesa da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, às 8h12 da última quarta-feira, 21, o desembargador Kassio Nunes Marques, o primeiro nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF, demonstrava a tranquilidade de quem tinha a garantia de que lhe sobrariam votos dos parlamentares para assumir a cadeira deixada pela aposentadoria de Celso de Mello neste mês.
Nunes Marques tem 48 anos e, desde 2011, atua no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, por indicação de Dilma Rousseff, o que gerou críticas de largada na própria base bolsonarista. Entrou na chamada cota de vagas para profissionais da advocacia. Piauiense de Teresina, foi advogado por 15 anos e integrou a Comissão Nacional de Direito Eleitoral e Reforma Política da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do seu Estado.
Há dois meses, o desembargador fazia campanha na OAB para que o seu nome constasse da lista de cotados para a sucessão de Napoleão Nunes Maia Filho no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esperava um voo mais baixo, é fato. E, desde então, o desembargador tentava uma agenda com o presidente Jair Bolsonaro. O encontro aconteceu, organizado pelo conterrâneo Ciro Nogueira, senador do PP, no início de setembro. “Kassio tinha ido ao Palácio do Planalto para pleitear a vaga para o STJ. Porém, o presidente gostou dele e acabou optando pela vaga para o STF. Nem ele acreditou”, afirma um interlocutor do futuro togado.
No dia 29 de setembro, o presidente levou Nunes Marques para jantar na casa de Gilmar Mendes. Além deles, estavam presentes Dias Toffoli e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Não foi o único encontro: também se reuniu com a senadora Kátia Abreu (PP-TO) e com o líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Todos toparam.
Após dez horas de uma “sabatina” na última quarta-feira na qual somente três senadores se prestaram a fazer questionamentos sérios – Oriovisto Guimarães, Jorge Kajuru e Alessandro Vieira –, Nunes Marques deixou a comissão sorridente com o placar favorável de 22 votos a 5. Metade do caminho estava percorrida. Ainda naquela noite, o plenário da Casa chancelou a indicação por 57 votos a 10.
Foi o resultado de um teatro pouco republicano no âmbito da desejável independência dos Poderes da República, segundo o qual o postulante ao STF tradicionalmente bate à porta dos gabinetes dos “sabatinadores” às vésperas da sessão para apresentar seu cartão de visita – e oxalá seja somente isso que ocorra entre quatro paredes. Nunes Marques terá uma trajetória de quase 27 anos na Corte se quiser (até os 75 anos, conforme a regra em vigor) para engrandecer sua biografia. É o que o Brasil espera e precisa.
Até julho do próximo ano – a menos que o imponderável nos surpreenda –, a escalação do Supremo Tribunal Federal está novamente completa.
(Colaboraram nesta reportagem Branca Nunes e Artur Piva)
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