Anderson Scardoelli, Revista Oeste
A mais alta Corte do Brasil tem um novo decano desde a última semana, quando Celso de Mello se aposentou. Na condição de integrante mais antigo do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, 74 anos, marcou presença no noticiário no decorrer dos últimos dias. Mas não pelo fato de ter se tornado o magistrado com mais tempo no tribunal. Ele foi o responsável pela concessão de habeas corpus em favor de André Oliveira Macedo, o André do Rap, traficante reconhecido por ser um dos líderes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
A soltura do criminoso, que fugiu para o Paraguai, pode ser considerada a mais recente polêmica do novo decano do STF. Não é, entretanto, a única. As polêmicas relacionadas a Marco Aurélio começaram em maio de 1990. Então no Tribunal Superior do Trabalho (TST), ele foi escolhido por um familiar para ocupar uma vaga no Supremo. Afinal, o presidente da República da época, Fernando Collor de Mello, é seu primo. Onze anos mais tarde, ele já era considerado o “mais polêmico do ministros” do órgão por causa de decisões tomadas, conforme informou o jornal Folha de S. Paulo em maio de 2001.
Você sabia? Marco Aurélio foi o responsável por sancionar a lei que criou a TV Justiça
Em maio de 2002, ele ocupou por dias a função interina de presidente da República — o que só ocorre nas ausências simultâneas do titular do Executivo, do vice, do presidente da Câmara dos Deputados e do presidente do Senado Federal. Com a “caneta” em mãos, aproveitou para sancionar o projeto de lei que criava a TV Justiça, emissora que desde então se propõe a divulgar informações sobre o Poder Judiciário, além de transmitir sessões do STF. Apesar de registrar baixa audiência (chegando a zero de Ibope em maio deste ano), o canal público custa milhões aos cofres públicos.
Nos bastidores do STF, Marco Aurélio é conhecido como “Senhor Voto Vencido”. O apelido não é à toa: num levantamento feito pelo Anuário da Justiça, ligado ao Consultor Jurídico (Conjur), com base nas 514 decisões mais importantes tomadas pelo STF entre 2006 e 2015, Marco Aurélio foi voto vencido em 161 – ou seja, um terço.
Voto favorável a terrorista
Em 2009, Marco Aurélio ajudou a dar guarida a um terrorista internacional. Ele considerou “hígida” (correta) a decisão do então ministro da Justiça, o petista Tarso Genro, em conceder refúgio político ao italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua pelo Judiciário da Itália por participação em quatro homicídios. “Tenho como hígido o ato de refúgio”, afirmou o magistrado na época, segundo destacou o site do próprio STF. Após viver anos como homem livre no Brasil, Battisti foi capturado na Bolívia e extraditado à Itália, onde confessou os crimes.
Histórico de solturas
Apesar de Gilmar Mendes ganhar o apelido de “laxante”, Marco Aurélio também tem histórico de soltar criminosos. Em 2017, por exemplo, ele concedeu habeas corpus em favor do goleiro Bruno. O ex-jogador assumiu ter participado do assassinato da modelo Eliza Samudio, sua ex-namorada, em 2010. De acordo com afirmações do delegado que cuidava do caso, o ex-jogador do Flamengo foi o mentor do “macabro” crime. O site do jornal mineiro Estado de Minas chegou a noticiar que Eliza foi “esquartejada e os restos mortais levados para um ‘forninho’”.
Condenada a quase 40 anos de detenção pelos assassinatos de seus próprios pães, Suzane von Richthofen contou com voto favorável por parte de Marco Aurélio. Em agosto de 2007, o ministro defendeu o relaxamento da punição imposta até então à criminosa, conforme registrou o site Consultor Jurídico. O hoje decano, entretanto, foi voto vencido no julgamento. Ricardo Lewandowski, por exemplo, chamou a atenção para a “periculosidade” de Suzane, que ainda disputava com o único irmão a “partilha de bens” da família que ela destruiu. Atualmente, a condenada cumpre pena em penitenciária de segurança máxima localizada em Tremembé, cidade do interior do Estado de São Paulo.
Marco Aurélio também votou para que, além de assassinos e traficante do PCC, um banqueiro condenado por gestão fraudulenta, corrupção passiva e peculato (desvio de dinheiro público) deixasse a prisão. Em 2000, então na condição de presidente em exercício do STF, o ministro concedeu liminar que fez com que o ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola, dono do extinto Banco Marka, saísse da cadeia pela porta da frente. Cacciola só voltou para o sistema prisional brasileiro em 2008, após o governo de Mônaco acatar pedido de extradição. Ele mesmo ironizou que anos antes havia deixado o país sem ser procurado pela Justiça. “Nunca fui foragido. Saí do Brasil oficialmente, com o passaporte carimbado, graças a uma decisão do STF, do ministro Marco Aurélio Mello”, declarou, de acordo com o site da Revista Crescer.
Prisão após segunda instância
Em dezembro de 2018, o ministro Marco Aurélio autorizou monocraticamente, ou seja, em decisão individual, presos condenados em segunda instância a pedir sua libertação em caso de recursos pendentes de julgamento nas cortes superiores. A decisão trouxe à tona a polêmica sobre o chamado cumprimento antecipado da pena e abriu caminho para a soltura do ex-presidente Lula. Em novembro de 2019, o plenário do STF voltou ao tema e decidiu por 6 votos a 5 que um condenado só pode ser preso após o trânsito em julgado — o fim dos recursos—, alterando a jurisprudência que desde 2016 permitia a prisão após condenação em segunda instância. Lula foi solto um dia após a decisão do STF.
E mais solturas
Ao currículo de decisões tomadas por Marco Aurélio no STF soma-se ainda a concessão do habeas corpus impetrado em 2018 pela defesa do fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão. Conhecido pelo apelido “Taradão”, Regivaldo foi condenado a 30 anos de reclusão pelo assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, no Pará. Em 2007, o magistrado foi além de conceder habeas corpus a Antônio Petrus Kalil, bicheiro conhecido como “Trucão”. Ao analisar o pedido da defesa do contraventor, ele decidiu expedir ordem de soltura dos 20 envolvidos na Operação Furacão.
“Seria de boa cautela que o ministro Marco Aurélio Mello não concedesse a liminar. Ou seja, mandasse aguardar o julgamento pelo colegiado”, chegou a publicar, na época da decisão referente à Furacão, o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (IBGF). “[A] decisão enfrentou o mérito, ingressou no difícil terreno da isonomia de tratamento (entendeu que os peixes-maiores estavam soltos e esqueceu que muitos menores fazem da contravenção uma profissão)”, prosseguiu a entidade em tom de lamento.
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2020/10/as-polemicas-de-marco-aurelio-o-novo.html
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