Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 15 de abril de 2019

HÁ VÁRIAS, MAS EIS A DIFERENÇA CRUCIAL ENTRE A BUROCRACIA ESTATAL E A ECONOMIA DE MERCADO

por Jeffrey Tucker.

Qual é a diferença mais notável entre o funcionamento do governo e o da economia de mercado?
Ludwig von Mises nos forneceu uma resposta surpreendente, uma resposta que ele explicou em detalhes em seu sensacional livro Liberalismo — Segundo a Tradição Clássica, publicado no longínquo ano de 1927.
Mises disse que a diferença toda estava na contabilidade, isto é, no cálculo de custos.
Dentro das burocracias não-comerciais do governo, tudo é um jogo de adivinhação. Você não sabe exatamente o quanto deve gastar em quê; você não sabe se há algum objetivo racional naquilo que você está fazendo; você não sabe se este ou aquele plano será bem-sucedido ou se irá fracassar completamente; você não sabe onde cortar gastos caso tenha de fazê-lo; e você não sabe quais seções e quais pessoas estão fazendo um bom trabalho e quais não estão.
O setor público é um setor que, inevitavelmente, por pura lógica econômica, sempre funciona às escuras, sem ter a mínima ideia do que faz, e sempre tendo de fingir que está fazendo tudo certo.
Por quê? Porque o governo não opera de acordo com os sinais de preços emitidos pelo mercado. Ele não opera segundo a lógica do sistema de lucros e prejuízos. Como ele não tem acesso aos sinais de preços, ele não é capaz de calcular lucros e prejuízos. Por conseguinte, ele não tem uma bússola que possa guiá-lo em suas ações. Ele não tem como avaliar e estimar a real valia econômica de qualquer coisa que faça. Seus investimentos nunca poderão ser feitos da maneira correta, seus serviços nunca serão prestados de maneira satisfatória, e sempre haverá desperdício de recursos e gritante ineficiência.
Esta é uma realidade inevitável. Não se trata de ideologia; é pura ciência econômica.
Em suma: o governo e seus órgãos não vendem seus serviços no mercado concorrencial para consumidores que voluntariamente optam por comprá-los, não se direcionam pelo sistema de lucros e prejuízos, e suas receitas não são auferidas de acordo com a qualidade dos seus serviços.
Por não ter esta racionalidade, as burocracias estatais sempre acabam seguindo os caprichos do governo do momento, preocupadas exclusivamente em satisfazer as demandas de políticos que visam apenas sua autopromoção e sua reeleição.
Consequentemente, as burocracias estatais sempre estarão sob os auspícios de uma gente cujo horizonte temporal é de no máximo quatro anos, e inevitavelmente se transformarão em fábricas de desperdício, ineficiência, confusão e ressentimento.
No setor privado o mundo é outro
Já nas empresas privadas que operam em ambiente de livre concorrência a situação é diferente.
No mundo do comércio, os sinais de preços emitidos pelo mercado comandam as decisões. O sistema de lucros e prejuízos mostra como os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os consumidores recompensam as empresas propiciando-lhes grandes lucros; se erroneamente, os consumidores punem as empresas impondo-lhes prejuízos.
Uma expansão ou um corte nos investimentos é algo que será guiado pelo balancete das empresas. E, se as empresas quiserem realmente se estabelecer no mercado, ofertando bons serviços, os empregados terão de ser tratados produtores valorados, e não explorados.
Não interessa se a empresa é grande ou micro: ela estará sempre em busca da lucratividade. E a lucratividade sempre será, em última instância, determinada pela decisão voluntária dos consumidores.
Para ver como algo aparentemente simples possui ramificações muito mais complexas do que se poderia imaginar a princípio, peguemos o exemplo de um restaurante chique.
A estrutura de produção deste restaurante não se resume apenas à coordenação entre os garçons e a cozinha. É necessário haver uma administração voltada exclusivamente para o controle dos estoques de todos os alimentos e de todas as bebidas. Como não é possível saber com antecedência o que os clientes irão ordenar de seu variado menu, o estoque de alimentos e bebidas tem de ser vasto e plenamente adaptável às súbitas alterações de gosto e interesse de seus clientes.
Tal controle de estoque não seria possível de ser planejado sem preços de mercado, sem a contabilidade e sem o sistema de lucros e prejuízos.
Além da coordenação entre os chefs e os cozinheiros, e entre os cozinheiros e os garçons, a estrutura de produção deste restaurante se estende para muito além de suas paredes. A comida tem de vir de todos os cantos do mundo. Diversos meios de transporte têm de ser utilizados para fazer com que a comida chegue ao estabelecimento. Mas não é possível servir comidas e bebidas se não houver agricultura, criação de gado e plantio de ervas e temperos em lugares remotos do mundo.
E a coordenação não pára por aí. Ela ainda volta no tempo — décadas e às vezes até séculos — para as primeiras sementes plantadas nos vinhedos que produziram os vinhos, e os primeiros centeios que produziram os uísques e as demais bebidas servidas no restaurante.
E a tecnologia que possibilita tudo isso é relativamente nova, desde a refrigeração até a comunicação digital entre a cozinha e o maître.
Nada disso seria possível sem o sistema de preços, que permite a contabilidade de custos e determina se há ou não lucratividade em qualquer uma das etapas envolvidas neste processo.
Este mecanismo extraordinariamente complexo — muito mais complicado do que qualquer operação já tentada por qualquer burocracia estatal — tem de funcionar harmoniosamente para todos os clientes que aparecerem no restaurante a qualquer momento.
E se ninguém aparecer? Se isso acontecer com muita frequência, todo o investimento entra em colapso. Todo o planejamento, todos os gastos, todas as habilidades envolvidas revelar-se-ão um grande desperdício. O mercado enviou seu sinal: o empreendimento não estava empregando recursos escassos da maneira mais eficiente possível.
O que determina se este empreendimento será pujante e lucrativo ou se ele desaparecerá rapidamente é simplesmente a decisão do consumidor de comer lá ou não.
Não há ninguém apontando armas para ninguém, não há coerção, não há chantagem. Há apenas um empreendimento implorando para poder servir seus clientes.
Se você propusesse a criação de algo assim para uma pessoa que jamais houvesse visto algo parecido em operação, ela nunca iria acreditar que tal coisa pudesse funcionar. Muito menos existir.
É por tudo isso, escreveu Mises, que o cálculo monetário e a contabilidade de custos constituem as mais importantes ferramentas intelectuais do empreendedor capitalista. Mises celebrou a famosa declaração de Goethe, que havia dito que o método contábil das partidas dobradas foi "uma das mais admiráveis invenções da mente humana".
Ciclos econômicos
Uma vez vislumbrado todo este processo, fica fácil entender por que vivenciamos recorrentemente o fenômeno dos ciclos econômicos. Fica mais fácil entender por que empresas privadas muitas vezes parecem fazer coisas tão insensatas e imprudentes quanto o governo; por que elas também tomam decisões irracionais; por que elas também produzem burocracias; por que elas também seguem o capricho de políticos; por que elas também passam por ciclos de expansão e contração.
Mises explicou isso, neste mesmo livro. A causa de tudo é aquilo que ele chamou de intervencionismo. 
Quanto mais o governo regula, intromete, tributa, erige barreiras, inflaciona a moeda, confisca, proíbe e dá ordens, mais a iniciativa privada se torna sujeita à mesma irracionalidade que permanentemente assola o governo. As intervenções do governo no mercado, por menores que aparentemente sejam, provocam distúrbios no sistema de preços, afetando toda a contabilidade de custos das empresas. (Eis o mais completo e sucinto artigo sobre isso.)
As intervenções estatais podem tanto fazer com que empreendimentos insustentáveis repentinamente aparentem ser lucrativos (sem que realmente o sejam), como também pode fazer com que empreendimentos genuinamente lucrativos se tornem rapidamente insolventes.

O governo expande à iniciativa privada os mesmos males que o acometem.
A descrição feita por Mises em 1927 é interpretada hoje como se ele estivesse de posse de alguma bola de cristal. Tudo se torna mais claro assim que você passa a ver o mundo da mesma maneira que ele. Basta analisar a realidade atual.
Até 2007, estimulados pela expansão artificial do crédito feita por seus respectivos bancos centrais, os mercados imobiliários da Europa e dos EUAestavam a pleno vapor, com preços e lucros em contínua ascensão, o que gerava vários milionários por minuto. Parecia que o mundo havia entrado em uma nova era de prosperidade e de riqueza infinita para todos. E então, da noite para o dia, tudo ruiu. Várias empresas amanheceram quebradas, e bancos até então aparentemente robustos se tornaram zumbis, com seus balancetes contaminados e com as economias totalmente letárgicas (em decorrência desta contaminação dos balancetes dos bancos, que, em conseqüência, têm de restringir o crédito).
Até hoje, os governos e os bancos centrais ao redor do mundo, principalmente na Europa, ainda estão completamente perdidos. Praticamente todas as semanas, um figurão do alto escalão de algum governo ou de algum Banco Central vem a público anunciar uma nova medida intervencionista, e sempre termina seu anúncio dizendo que "agora vai!". Só que nada efetivamente avança. E quase ninguém entende por quê.
O desconhecimento das obras de Mises é algo que continuará afetando nossa prosperidade e nosso bem-estar muito mais do que você pode imaginar.

* Jeffrey Tucker é Diretor-Editorial do American Institute for Economic Research. Ele também gerencia a Vellum Capital, é Pesquisador Sênior do Austrian Economic Center in Viena, Áustria. Associado benemérito do Instituto Mises Brasil, fundador e Diretor de Liberdade do Liberty.me, consultor de companhias blockchain, ex-editor editorial da Foundation for Economic Education e Laissez Faire books, fundador do CryptoCurrency Conference e autor de diversos artigos e oito livros, publicados em 5 idiomas. Palestrante renomado sobre economia, tecnologia, filosofia social e cultura.









**Publicado em português, originalmente, em https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=3009 

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