por Deonísio da Silva
Na semana passada não celebramos apenas mais um Descobrimento do Brasil. Celebramos 509 anos de muitas procrastinações.
A primeira deu-se ainda antes de nosso país vir ao mundo e chamar-se Brasil. Liderando uma frota ou esquadra de treze naus, Pedro Álvares Cabral ia partir no domingo, dia 8 de março, depois da missa solene e das demais cerimônias de despedida para a longa viagem.
Mas surgiu o imprevisto do mau tempo e ele só deixou a costa na segunda-feira, dia 9 de março de 1500, para descobrir uma terra cuja existência os sabidos portugueses já não ignoravam.
Deu-se ali a primeira procrastinação e provavelmente o primeiro faz de conta, percebido nestas linhas da segunda das três cartas enviadas ao rei Dom Manuel I contando do “descobrimento” ou “achamento”: “Quanto, Senhor, ao sítio desta terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio desta terra”.
Já as duas outras narrativas, a Carta de Pero Vaz de Caminha, e o Relato do Piloto Anônimo, disfarçam melhor ou ajudam o poder metropolitano a esconder ou a omitir, tarefas de resto mais do que justificáveis como estratégias da diplomacia. As cortes católicas para as quais trabalhavam sabiam quem mandava e tinham diplomatas altamente qualificados para trabalhar nos bastidores.
Não vai cair no Enem o que é procrastinação, mas os leitores que não sabem o que é procrastinação têm que ir ao dicionário, pois não há outra palavra tão precisa para designar o adiamento, a transferência ou qualquer outro nome pelo qual o evento seja conhecido. Afinal, “cras” em latim quer dizer “amanhã”.
Desde então o Brasil vive sob o carma da procrastinação. Tudo é deixado para amanhã, advérbio substituído também por depois… E a reforma da previdência? Depois, amanhã ou, melhor ainda, depois de amanhã na semana que vem ou no próximo século.
Mas tem havido alguma exceção. O ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, hoje na prisão, depois de procrastinar 18 pedidos de impeachment para afastar a então presidente da República, enfim aceitou um deles e deu-se a acachapante derrota de Dilma Rousseff, mais dilatada do que a goleada de 7 x 1 imposta pela Alemanha ao Brasil dois anos antes.
Foi ele também quem advertiu colegas e amigos, depois do processo de cassação de seu mandato, que (hoje) ele seria cassado e preso, mas (amanhã) seria vez de muitos outros.
O escritor judeu-austríaco Stefan Zweig, sobre cujo suicídio, dele e da esposa Charlotte Altmann, aliás, escrevi o romance “Lotte & Zweig”, já publicado também na Itália, dizia que o Brasil era o país do futuro.
Era. Sempre foi. Desde o berço. Mas tomara que o futuro chegue logo e não seja mais procrastinado. Afinal, cantamos em nosso hino, na letra de Joaquim Osório Duque-Estrada, professor do Colégio Pedro II: “És belo, és forte, impávido colosso,/ E o teu futuro espelha essa grandeza”.
O autor e professor morreu em 1922 e parecia, de fato, que o futuro estava chegando. Mas atrasou e ainda não chegou, passados tantos anos até o presente 2019.
*Deonísio da SilvaDiretor do Instituto da Palavra & ProfessorTitular Visitante da Universidade Estácio de Sá
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