por João Carlos Biagini.
A maioria dos brasileiros já tem conhecimento da existência da ADPF – 442 - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442-, ajuizada pelo Partido Solidariedade e Liberdade, mais conhecido por PSOL, em tramitação no STF-Supremo Tribunal Federal, destinada a autorizar o homicídio intrauterino, eufemisticamente chamado de interrupção voluntária da gravidez ou descriminalização do aborto. O nascimento da vida humana tem o mesmo ciclo dos demais nascimentos da natureza. Semente plantada, ovo ou óvulos fecundados. Na data da fecundação inicia-se a vida de uma planta, de um animal ou de um ser humano. A partir da fecundação, podemos matar a vida humana nas fases: inicial, dentro do útero ou intrauterina, de bebê, de criança, pré-adolescência, adolescência, adulta ou velhice. Sempre estaremos matando um ser humano, ou no dizer do artigo 121 do Código Penal, matar alguém.
Na ADPF 442, há muitas entidades e pessoas querendo liberar o homicídio intrauterino, para eliminar os bebês em gestação originados de relações sexuais consentidas. Nessas relações, o homem e mulher a praticam com gozo e alegria, mas, em diversas oportunidades, surge a gravidez inesperada. Não é indesejada porque, se o fosse, o ato sexual seria forçado ou contrário à vontade da mulher, que caracteriza o tipo penal do estupro. No caso do estupro, a lei permite a eliminação do bebê, pela forma ordenada no artigo 128, inciso II, do Código Penal. Embora a lei não permita a aplicação de pena, não deixa de ser um homicídio intrauterino.
Os crimes contra a vida estão capitulados nos artigos 121 e seguintes do Código Penal. Nos artigos 124 e 126, estão previstos os homicídios intrauterinos: cometer em si mesma ou permitir que outro o pratique. Os crimes sexuais estão elencados no Capítulo dos Crimes contra a Liberdade Sexual, onde lemos: Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso; Art. 215.Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. A gravidez somente será possível com a conjunção carnal, obtida pelo agente através de violência, ameaça, fraude ou outro meio que impeça a livre manifestação da vontade da vítima.
Dito isso, vamos às alegações que, em vez de proteger a menina ou a mulher dos agentes criminosos, em nossa opinião, as coloca diretamente sob a ganância sexual deles, por tempo indeterminado e com a possibilidade da institucionalização do estupro. Dentre tantas premissas e razões infundadas e improvadas presentes na ADPF 442,o Estado do Pará apresenta a ocorrência criminal e a espantosa solução:
“No cenário da Ilha do Marajó (onde situam-se sete dentre os vinte municípios com menor IDH do Brasil), no Baixo Amazonas (região de Santarém), nos garimpos da região dos Carajás e de Itaituba, nos grandes empreendimentos de Altamira, nas fazendas de soja e gado do Sul do Pará e na região metropolitana e central de Belém a violência contra a mulher não possui sequer estatísticas confiáveis, mas são amplamente conhecidas e aceitas pela cultura local. O corpo da mulher não lhe pertence, servindo apenas para satisfazer a lascívia dos genitores e demais parentes, para os garimpeiros e trabalhadores rurais, para os fazendeiros e para os peões.
A conhecida lenda amazônica do boto cor de rosa que se transforma num belo e elegante jovem nas noites de lua cheia e que conquista e engravida as mulheres, abandonando-as posteriormente, é somente a forma pitoresca que os moradores dessa região se utilizam para validar a lógica do estupro paterno que resulta em gravidez.
Em sua maioria, essas mulheres brancas, negras, pardas, ribeirinhas, quilombolas, indígenas e/ou pobres são mantidas dentro dessa cultura que seu corpo não lhe pertence, sofrendo as consequências de ser mulher em um mundo ainda rusticamente masculino, convivendo com diversas gravidezes indesejáveis, impossibilitadas de exercerem a opção do abortamento.”
As aberrações jurídicas existentes nas propostas do PSOL, dos Estados de São Paulo, Pará e das entidades e pessoas a favor da liberação do homicídio intrauterino são, em nosso entender, incomensuráveis. Analisemos o texto do Pará destinado a justificar a descriminalização do aborto ou da interrupção voluntária da gravidez: 1) o baixo IDH, ou seja, o Estado não cumpre sua obrigação de propiciar conhecimento ao povo; 2) em todo o Estado, inclusive no centro da capital Belém, a violência contra a mulher é conhecida, embora sem estatísticas, mostrando que o Estado não cumpre sua obrigação de proteger as vítimas e punir os criminosos; 3) O corpo da mulher não lhe pertence, servindo apenas para satisfazer a lascívia dos genitores e demais parentes, para os garimpeiros e trabalhadores rurais, para os fazendeiros e para os peões, ou seja, o Estado tem conhecimento de todas as violências e de todos os crimes, mas nada faz para punir os criminosos e 4) a lenda do boto cor de rosa é utilizada para validar a lógica do estupro paterno, ou seja, o crime tem autor conhecido que não é punido. O texto termina dizendo que as mulheres do Estado do Pará, diante dos estupros, rotineiros e de conhecimento público, precisam despenalizar os crimes cometidos e aplicar a pena de morte aos nascituros.
Além dos artigos do Código Penal, acima mencionados, a Lei Maria da Penha 11.340, de 7.8.2006, preceitua: Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
E a Constituição Federal, prescreve: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
As leis vigentes que protegem as mulheres contra a violência não são aplicadas. Os direitos constitucionais não são garantidos.
O Estado do Pará e todos o s demais defensores do homicídio intrauterino deveriam refletir nas consequências dessa insana proposta. No caso das mulheres do Pará e de todo o Brasil, temos a convicção de que a descriminalização do aborto ou interrupção voluntária da gravidez resultarão na institucionalização do estupro. Os estupros ocorrerão em massa contra as mulheres, diante da possibilidade de serem forçadas a se dirigir ao SUS e a cometer sucessivos homicídios intrauterinos.
Em nosso entender, a legislação vigente precisa ser cumprida, as mulheres precisam ser protegidas, os criminosos devem ser penalizados e as vidas dos inocentes bebês condenados à morte, futuros brasileirinhos e brasileirinhas, devem ser preservadas.
*Advogado, coautor dos livros Imunidades das Instituições Religiosas e Tratado Brasil-Santa Sé
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