Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 17 de abril de 2019

"Togas",

por Miranda Sá

CATEDRAL DE NOTRE DAME, FOTO DE 1504
Li num velho livro de páginas amarelecidas, publicado muito antes da minha geração abrir os olhos, o romance de um juiz honesto que se revoltou por ver um colega de magistratura condenar uma pobre mulher por se submeter a um aborto.
O meritíssimo sabia que uma outra mulher, cometendo o mesmo delito numa luxuosa clínica, assistida por um cirurgião renomado, jamais iria a um tribunal. Ele tinha a consciência do privilégio das classes dominantes para que a lei seja ignorada quando se trata de um deles.
Juízes são pessoas de carne e osso. Entre eles há os que ralam num concurso para conquistar a cátedra e os que fazem vassalagem aos poderosos para ganhar o cargo. Uns enfrentam as pressões, outros as ignoram, e mais alguns se aproveitam disso para obter lucro político ou pecuniário.
Dois mil e trezentos anos atrás, o filósofo ateniense Platão, que viveu no período clássico da Grécia Antiga, fez uma condenação ao dizer que “O juiz não é nomeado para fazer favores com a Justiça, mas para julgar segundo as leis”. Mas eu me pergunto, e se a Lei for má? Se for leniente com o crime?
A resposta é extraída do cérebro privilegiado de Rui Barbosa, que se trata de covardia a má interpretação da Lei; e escreveu:  – “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”.
A visão da correta da função de julgar de um bom magistrado é perceber que pode errar e só o alivia a modéstia de esperar que o caso vá à 2ª Instância para ter a aprovação ou ser corrigido.
Ocorre, porém – vamos cutucar a onça com vara curta – que ao chegar na 2ª Instância, outro colega, igualmente honesto, pode pensar que o processo teve a tramitação correta e aprova-o sem se aprofundar a decisão anterior.
A ficção quando noveliza a Justiça traz coisas curiosas; Tolstoi num dos seus livros, traz a história do juiz da corte superior da Rússia Imperial que, para anular ou confirmar as decisões anteriores, olhava o número de ordem do processo; se fosse par, anulava e se fosse ímpar, confirmava…
O juiz russo vestia a toga negra dos advogados e solicitadores presentes ao tribunal, a vestimenta comumente usada pelos cidadãos romanos, sendo proibido o seu uso aos estrangeiros e escravos. Havia as brancas dos senadores e as púrpuras dos vitoriosos em guerras externas e depois dos imperadores.
“Toga”, como verbete dicionarizado, é um substantivo feminino que define a capa dos romanos, destacando-lhes para o gozo de inúmeros privilégios; e atualmente indica seu uso pelos magistrados com prerrogativas semelhantes.
Cá no Brasil, nos dias avessos de hoje, a toga é o adjetivo qualificativo dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que pelos comportamentos e palavras se julgam donos da verdade.
No STF, as verdades são unipessoais e as canetas monocráticas. Foi por isso que um deles que soltou o corrupto José Dirceu, articulador do Mensalão, o gigantesco esquema de propinas para ele próprio e para os hierarcas do Partido dos Trabalhadores. Pouco importou que o ex-primeiro-ministro do Governo Lula estivesse condenado a 30 anos e 9 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Foi o ministro Dias Toffoli, atual presidente do Supremo, que articulou esta excrescência contando com o voto de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsky, que atuam na 2ª Turma da Corte com a mesma formação político-ideológica.
Agora, juntando-se à essa minoria que sonha com a implantação de uma ditadura do Poder Judiciário, vem o ministro Alexandre Moraes atentar contra as liberdades democráticas, impondo por puro corporativismo a censura a sites e publicações que divulgam as implicações de Toffoli com a Odebrecht.
Sempre atento e independente, o jurista Modesto Carvalhosa diz que a decisão de Moraes ao censurar a revista “Crusoé” e “O Antagonista” é “sinal de decadência total” da mais alta corte do país.
Lembrou-me o juiz da Suprema Corte Americana, Benjamim Cardoso, disse certa vez que “O Direito, como o viajante, deve estar pronto para o dia seguinte”. E o nosso “after day” é triste, vendo o Direito refém de onze juízes praticamente controlados por uma minoria insana.













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