editorial do Estadão
Com notáveis avanços em relação às Dez Medidas Anticorrupção,
apresentadas em 2016 por membro do Ministério Público Federal, o Projeto
de Lei Anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio
Moro, pode contribuir para consolidar alguns importantes progressos no
combate ao crime e à impunidade. Há pontos que merecem maior atenção,
mas o conjunto de propostas do ministro Moro pode ser um bom início de
diálogo com o Congresso a respeito de possíveis melhorias na legislação
penal.
O projeto de Moro consolida a atual jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre o início do cumprimento da pena após a condenação em
segunda instância, trazendo, assim, maior segurança jurídica a tema de
especial relevância.
O ministro Moro propõe o endurecimento do cumprimento das penas – por
exemplo, que seja fechado o regime inicial da pena para condenado
reincidente – e a criminalização do caixa dois. Sobre este ponto, é
importante que o novo crime venha acompanhado de rigor probatório. Nos
últimos anos, tornou-se praxe o uso amplo do conceito de propina, o que
dá, na seara penal, especial margem a abusos.
O projeto prevê também endurecer penas relativas aos crimes com arma de
fogo, por exemplo, o porte ilegal de arma, bem como do crime de
resistência quando “resulta morte ou risco de morte ao funcionário ou a
terceiro”, com pena de reclusão de 6 a 30 anos.
Há medidas relativas ao combate das facções criminosas. Amplia-se, por
exemplo, a definição de organização criminosa, incluindo grupos que “se
valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo
para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade
criminal ou sobre a atividade econômica”.
A respeito das prescrições, o projeto de Moro é mais equilibrado que o
pacote das Dez Medidas Anticorrupção. Não procura invalidar o instituto
da prescrição, especialmente importante para coibir abusos de um sistema
judicial cujos processos, não raro, duram mais de década. O texto
estabelece que a prescrição não corre na pendência de embargos de
declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores.
A previsão de redução de pena de policiais que causarem morte durante
sua atividade é controversa, já que incorpora elementos imprecisos na
definição dos casos de excesso na atuação policial. A proposta permite
ao juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso
decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O policial é
um profissional que recebeu o devido treinamento e foi avaliado como
apto para exercer essa atividade. A rigor, não cabe falar em “escusável
medo, surpresa ou violenta emoção” para um policial em serviço. Se ele
reage assim às circunstâncias de sua profissão, é certo que lhe faltam
condições para exercê-la. O policial, em hipótese alguma, pode ter carta
branca para cometer crimes contra a pessoa.
O Congresso também deve ter cuidado com as medidas relativas ao
perdimento de produto do crime. A redação é ampla, propiciando uma
discricionariedade que faz inverter o ônus da prova. Não é boa regra
presumir ilícito. Também cuidado deve-se ter com a proposta de permissão
do uso de bens apreendidos pelos órgãos de segurança pública – os
direitos da vítima parecem relegados a segundo plano. A identificação
obrigatória do perfil genético dos condenados por crimes dolosos é outro
ponto polêmico.
A previsão do acordo de não persecução penal para investigados que
confessarem o crime pode ajudar a desafogar o sistema judicial, mas não é
panaceia geral. As soluções negociadas estão reservadas para crimes com
pena inferior a quatro anos. E a novidade tem riscos, dando ocasião a
pressões indevidas sobre investigados.
Há boas medidas no projeto anticrime do ministro Moro, mas é uma ilusão
achar que a aprovação de novas leis causará por si só uma diminuição da
criminalidade. Se fosse assim, fácil seria resolver o problema da
segurança pública. Bastava que o Congresso produzisse de tempos em
tempos novidades legislativas em matéria penal. O combate ao crime exige
uma atuação coordenada do Estado, com polícias treinadas, Judiciário
diligente e absoluto respeito aos direitos e garantias de todos os
cidadãos.
extraídaderota2014blogspot
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