por Carlos Meléndez Veja
Nas campanhas contemporâneas é cada vez mais notório o voto “contra” ou “anti”. Para muitos eleitores, basta saber o que não querem, mesmo que não saibam o que querem. Os “anti” não são um fenômeno novo. Quando os partidos são fortes, os sentimentos a favor são mais importantes que a rejeição. Mas isso é parte de um passado que não voltará. Na atualidade, o descrédito dos partidos e a insatisfação tornam mais relevante conhecer os haters (“aqueles que odeiam”) do que os lovers (“aqueles que amam”). Se para entender a política no século XX tínhamos de penetrar na mente e no coração das pessoas, agora também é preciso conhecer seus ódios viscerais.
Uma identidade política negativa é a rejeição sistemática gerada por determinado partido político. É diferente de uma animosidade política conjuntural, que se expressa por meio de um voto estratégico, um “mal menor”. Um “anti” de verdade é mais profundo, está imbuído de razões ideológicas ou de sentidos de pertencimento a um grupo social que compartilha com ele uma narrativa, uma causa, ainda que careça de uma liderança. Os “anti” são uma forma de militantes sem dirigente, mas com rival. Suas preferências eleitorais expressam uma rejeição intensa a um determinado projeto político. Em outras atividades da esfera pública (nas ruas e nas redes sociais), um “anti” exibe seus ódios politizados sem equívocos.
Para que haja uma identidade política negativa, deve existir pelo menos uma positiva. Ou seja, um grupo de militantes ao redor de um projeto político, seja na forma de partido, seja na de movimento, capaz de dividir e polarizar seu respectivo país. Os seguidores partidários não desapareceram completamente, ainda que já não brilhem como os antigos militantes registrados e com carteirinha. A identidade política vive, cada dia mais, de maneira individual, como uma espécie de religião secular em que não é necessário ir à missa.
O que, sim, parece um fenômeno recente, pela sua magnitude, é a emergência de uma identidade anti-establishment, aquele indivíduo que carrega várias rejeições antipartidárias ao mesmo tempo e não tem simpatias. É aquele que está cansado da oferta eleitoral e grita “fora todos”, como os argentinos fizeram na crise de 2001, mas que nem por isso é menos politizado. De fato, ele se interessa pela política tanto quanto o militante ou o “anti”, mas não está contente com nenhuma das opções tradicionais e aguarda um novo líder. Não é um apolítico ou apartidário, mas simplesmente um radical que não perde as esperanças.
Quantos seguidores partidários, “antipartidários” e “fora todos” existem na América Latina? Como a crise dos partidos afeta o predomínio dos “anti”? Como são esses perfis políticos no Brasil? É o petismo/antipetismo o principal eixo da política brasileira? Quais sentimentos e ideologias estão por trás da divisão raivosa entre “mortadelas” e “coxinhas”?
Convencionalmente, as pesquisas de opinião comerciais fazem uma pergunta simples para identificar os simpatizantes e os detratores dos partidos. No primeiro caso, perguntam “de qual partido você gosta?” e, em seguida, “em que partido você nunca votaria?”. Essas medições são limitadas, pois forçam o entrevistado a escolher um partido de preferência e um partido de rejeição, quando sabemos que as identificações políticas são mais complexas.
Convencionalmente, as pesquisas de opinião comerciais fazem uma pergunta simples para identificar os simpatizantes e os detratores dos partidos. No primeiro caso, perguntam “de qual partido você gosta?” e, em seguida, “em que partido você nunca votaria?”. Essas medições são limitadas, pois forçam o entrevistado a escolher um partido de preferência e um partido de rejeição, quando sabemos que as identificações políticas são mais complexas.
Para corrigir essa deficiência, nas minhas investigações eu interrogo as simpatias das pessoas no nível local, regional e nacional. Pergunto se, em eleições hipotéticas, um cidadão votaria em candidatos de um “partido A” para três cargos (vereador, prefeito e deputado, por exemplo). Aqueles que definitivamente votariam no partido A para as três posições são classificados como “seguidores” do partido A. Os que definitivamente não votariam no partido A para nenhum dos três cargos são rotulados como “anti-A”. Os descontentes com todas as ofertas partidárias (“fora todos”), que expressam rejeições simultâneas (anti-A, anti-B, anti-C), são catalogados como anti-establishment. Esse tipo de questionário foi aplicado em vários países da América Latina e, recentemente, no Brasil.
O Brasil obteve uma institucionalização parcial de seu sistema partidário em torno do PT. Por sua forte penetração social, o PT teve quatro vitórias presidenciais seguidas (2002-2014). O PSDB não se saiu mal: ganhou a Presidência (1994 e 1998) ou ficou como segunda força nas últimas quatro votações (2002-2014). E, embora não tenha sido competitivo nas eleições presidenciais, o MDB alcançou cargos de representação legislativa e regional de relevância. Sem menosprezar outros partidos menores — como o DEM —, podemos dizer que a dinâmica do establishment brasileiro foi articulada com base nas três primeiras siglas.
A medição que proponho coloca o petismo como a identidade partidária mais relevante no Brasil, com 17,3% de simpatizantes duros. O PSDB e o MDB têm minúsculas porções de adeptos (2,5 e 2 %, respectivamente). Esse porcentual de identificação positiva do PT empalidece em relação aos brasileiros “sem identidade partidária”, que, segundo o Datafolha, são 75% (2015). Portanto, alguns estudos de opinião caracterizam a dinâmica da política brasileira como “sem identidades”. Mas seriam eles cidadãos brasileiros sem partido ou teriam eles, na realidade, identidades políticas negativas ou de rejeição ao establishment?
Minha medição permite identificar a rejeição sistemática aos principais partidos. No Brasil, 38,3% dos eleitores se qualificam como antipetistas, 47,5% como antitucanos e 51,8% como antiemedebistas. Mas, dados os poucos seguidores do PSDB e do MDB nas disputas eleitorais, a única polarização possível é entre PTs e anti-PTs. Entre os 17,3% que apoiam o PT e os 38,3% que o rejeitam de maneira fundamentalista, as decisões eleitorais dos brasileiros estão determinadas.
Como acontece em outros países com antipartidários fortes, o antipetismo não é monolítico, mas depende muito do candidato que quer representá-lo. Articulado em torno de ideologias de direita e conservadoras, e baseado nos estratos de renda mais altos e mais educados, o antipetismo é hoje a principal identidade política com capacidade de mobilização no Brasil. Isso não significa, necessariamente, que a próxima vitória eleitoral está assegurada. Há países onde a coesão dos “anti” ganhou eleições (o antifujimorismo levou Pedro Pablo Kuczynski à Presidência do Peru), mas em outros eles não articulam uma candidatura unitária e viável (como o antiuribismo disperso na Colômbia). Um sistema de segundo turno favorece os alinhamentos que não podiam ser fixados por pactos anteriormente.
O Brasil, ao contrário de outros casos, tem o maior bloco “fora todos” dos países analisados: 23,9% (12,9% no Chile e 11,3% em Honduras). Ao contrário do que se acredita, esse tipo de eleitor não é indiferente à política. No caso brasileiro, o anti-establishment é orientado para a direita, engloba várias classes sociais, é educado e simpatiza com um apelo populista que vem de fora das alternativas tradicionais da direita (MDB ou PSDB). A demanda “fora todos” está latente no eleitorado brasileiro. Mas, como em todo namoro, é necessário um candidato para cortejar. Tais candidatos podem se aproveitar do ambiente propício para se aproximar do contra-establishment, particularmente depois de descobrir a corrupção institucionalizada que o cobre totalmente.
* Carlos Meléndez, cientista político peruano, é professor da Universidade Diego Portales, no Chile
extraíadderota2014blogspot
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