por Carlos Andreazza O Globo
O governo negociou mal. Cedeu mal. Entregou o que não tinha. Cedeu de
novo — e pessimamente. Entregou o que não podia. Foi para muito além do
limite do Tesouro. O governo — sejamos diretos — entregou-se. Não
compreendeu a natureza do movimento criminoso. Não se negocia com quem o
quer aterrar. O resultado era óbvio — esperado:
enquanto a Petrobras aponta novamente para o buraco e o ajuste fiscal
mergulhou na vala, a interdição do país permanecerá, e ganhará novos
agentes. Pioramos. Muito. E o pior ainda virá. Não por falta de avisos.
Apavorados, chantageados, Michel Temer e seus covardes deram a senha —
fizeram o convite: vem que tem. Há subsídios para todo patriota de
classe que bloquear estradas.
O povo apoia os rebeldes da própria causa, né? Ou — provoco — apoia
qualquer insurreição contra políticos e governos? (O movimento
criminoso, aliás, também é contra a atividade política; mas não se viu
um só político tratar o troço pelo que é. Bando de frouxos, ou tirando
casquinha ou acoelhados.) Não se engane, leitor. O povo entrou de
gaiato. Apoia hoje. Será tarde quando não apoiar mais. Para isso servem
as massas de manobra.
Manobra de quem? A ação bandida que paralisou o Brasil articula
interesses de grupos de pressão classistas — inclusive patronais — e de
movimentos político-partidários infiltrados e influentes entre os
caminhoneiros autônomos, miseráveis instrumentos na disputa eleitoral de
poder, pelo controle narrativo da obstrução do país, que opõe
bolsonaristas e esquerdistas.
O investimento no caos é asqueroso e evidente: quer-se sequestrar o
país, inviabilizar a administração pública e, se possível, derrubar o
governo. O irmão caminhoneiro Janot já mostrara o caminho. A pauta do
preço do combustível é secundária. O ímpeto está em fomentar a desordem —
a anarquia. Tanto quanto óbvio é quem afinal vencerá — a história
ensina — uma batalha que instrumentaliza o trabalhador. Não terá sido
por falta de aviso.
O lulopetismo, profissional da interdição, já farejou a carniça de
oportunidades. Como não se pode classificar os petroleiros de
bolsonaristas, a greve anunciada pelo setor não deixa dúvida do que está
por vir e de quem assumirá o controle — e o capital político — da
barbárie contra o Brasil. A paralisação criminosa a que aderiu a direita
cortadora de cabeças, pensando em amealhar votos para o mito em sua
versão Chicago Boy, é um convite à impostura e um afago na ideia de
Estado centralizador. Ou não teremos ouvido, nos últimos dias, Dilma
Rousseff bradar que seu governo não apenas não pilhou e quebrou a
Petrobras como tinha o modelo de gestão correto para a companhia?
Essa crise é artificial. Tem agenda — e não é a redução do valor do
diesel nem a conquista de melhores condições de trabalho para os
caminhoneiros. Os frustrados do “Fora, Temer” tentam faturar a brecha. O
caminhoneiro fundador Janot já indicara a trilha. Pela desestabilização
nacional, abraçam-se — carta branca ao capeta — os que querem
intervenção militar e os que desejam Lula livre. Esse motim — postiço e
orquestrado — está a serviço, sejamos objetivos, dos que pretendem, para
além de derrubar o governo, botar em dúvida até mesmo a realização das
eleições. Pode-se até considerar essa pauta boa. Mas que se a assuma.
Melhor a irresponsabilidade e o oportunismo transparentes do que a
desonestidade intelectual.
Babaquice fundamental a ser derrubada, pois, é esta segundo a qual o
movimento bandido — exclusivamente corporativista — que bloqueou o país
encarnaria amplos valores liberais e representaria um marco patriótico,
um divisor de águas, na tomada de posição do trabalhador contra a
opressão do Estado onipresente. Que uma jornada de vícios estatizantes e
classistas como essa que interditou o Brasil, ademais armada em ano
eleitoral, seja vendida (e comprada) como conjunto orgânico de
insatisfações capaz de mobilizar, de fazer emergir, a partir da
consciência individual de caminhoneiros grevistas, uma revolução —
nacionalista e de corte liberal — tributária no país é mistificação só
possível numa sociedade que renunciou por completo a refletir e se
enxergar.
Não importa, pois, a tunga do mundo real: que o governo, para além de
anunciar que bancará o fim do PIS/Cofins e da Cide, tenha arriado as
calças da responsabilidade para distribuir concessões que beneficiarão
exclusivamente uma categoria, mas cuja conta será paga por todos. O
liberalismo de beira de estrada, encarnado pelos patriotas de classe, e
percebido e incensado pelos sensíveis intelectuais do jacobinismo de
para-choque, outra vitória não merecia senão, por exemplo, a reserva de
30% dos fretes da Conab — uma estatal de abastecimento — para
caminhoneiros autônomos, sem licitação. Parabéns.
Invista no caos e colha mais Estado. Invista no caos e revitalize —
novamente — o lulismo. Invista no caos e eleja a esquerda. Parabéns.
Carlos Andreazza é editor de livros
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário