por Clóvis Rossi Folha de São Paulo
Que a esquerda está em crise em boa parte do mundo não chega a ser uma
grande novidade. Novidade é que significativa parcela do mais importante
partido da esquerda brasileira, o PT, esteja contribuindo para esse
cenário geral de crise com uma forte pitada de ridículo.
Se a única ideia que os petistas podem oferecer é essa estupidez de acrescentar "Lula" ao nome,
é melhor chamar o Tiririca para substituir a Gleisi Hoffmann na
presidência do partido. Palhaçada por palhaçada, fiquemos com quem é
mais autêntico.
Idiotice à parte, passemos a uma crítica fulminante à esquerda vinda de
um acadêmico, Wanderley Guilherme dos Santos, de impecáveis credenciais
esquerdistas e um propagandista entusiasmado do governo Lula.
"Esse é um mundo no qual a esquerda do século 20 não tem mais lugar. Por
isso toda esquerda no mundo hoje é obsoleta, conservadora e
reacionária. Ela se organizou em termos de pensamento e ação no século
19 para concorrer com o liberalismo em termos de imaginário futuro de
organização social. O liberalismo oferecia o progresso, a esquerda
oferecia a revolução pela ruptura. A queda do muro de Berlim destruiu
esse projeto alternativo. A esquerda desde então tem estado na defensiva
e não é à toa que sua palavra de ordem seja resistência", escreveu esse
cientista social para o último número de 2017 da trimestral revista
Inteligência.
Sou obrigado a concordar com ele, até porque já escrevi inúmeras vezes que a esquerda —não só a brasileira— não conseguiu ainda sair dos escombros do muro de Berlim,
mesmo passados quase 30 anos da queda. Foi também o fim do comunismo e é
intrigante que mesmo a esquerda que não comungava com o comunismo
soviético tenha se ressentido.
Se a obsolescência da esquerda tivesse provocado apenas a ascensão de
uma direita civilizada, não haveria grandes problemas. Veja-se o Chile:
a esquerdista Michelle Bachelet dá lugar ao direitista Sebastián
Piñera, que, quatro anos depois, devolve a cadeira a Bachelet para que
ela a entregue, após outros quatro anos, a Piñera. E o Chile vai em
frente, tropeçando às vezes, mas sem uma crise tremenda como a que
devorou o Brasil e ainda se faz sentir.
O problema é que o vácuo deixado pela esquerda foi preenchido pela
extrema-direita, como escreve Dani Rodrik, um heterodoxo professor de
economia política internacional na Escola de Governo John F. Kennedy, da
mitológica Harvard: "Tivessem os partidos políticos, particularmente os
de centro-esquerda, perseguido uma agenda mais ousada, talvez o
crescimento de movimentos de direita, nativistas [nacionalistas],
pudesse ter sido evitado".
O raciocínio parece correto, mas o problema é que nem a direita
(civilizada) nem a esquerda puseram de pé até agora uma agenda capaz de
contrapor-se "às queixas que autocratas populistas exploraram com
sucesso —desigualdade e ansiedade econômica, a percepção de declínio do
status social e o abismo entre as elites e os cidadãos comuns", para
citar de novo Rodrik.
A esquerda brasileira acha mesmo que pôr "Lula" no nome é uma agenda suficiente?
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