Mas o governo tem hotéis, é?”. Foi o que disse um recepcionista do Hotel Golden Palace, de Irecê (BA), que questionou a reportagem do Spotniks quando
ligamos para lá perguntando se o local pertencia ao Governo Federal. A
hospedaria, assim como outros 32 estabelecimentos de hospedagem, consta
no cadastro de propriedades da União, administrado pelo Ministério do
Planejamento. Procurada para se manifestar sobre este e outros três
hotéis particulares cadastrados como imóveis da União, a Secretaria de
Patrimônio da União (SPU), vinculada ao Ministério do Planejamento,
silenciou. No entanto, a surpresa permanece: o Governo Federal possui
pelo menos 29 hotéis, segundo os dados da secretaria.
A
maioria dessas instalações é administrada pelas Forças Armadas. Segundo o
levantamento do Spotniks, baseado nos dados do MP, apenas duas colônias
de férias estatais são destinadas a servidores civis, sendo que uma
delas já foi abandonada e colocada à venda. Porém, evidências indicam
que o banco de dados da pasta precisa de revisão. Isso porque, segundo
informações das Forças, militares contam com uma rede completa de
“hotéis de trânsito” estatais espalhados pelo Brasil, dedicados a
hospedar servidores a um custo acessível. São 174 estabelecimentos
pertencentes ao Exército, 89 à Aeronáutica e 17 à Marinha.
Em nota,
a Força Aérea Brasileira (FAB) informou que possui hotéis de trânsito
em diversas localidades de vários estados. “São opções de hospedagem
oferecidas pela FAB para apoio ao militar e aos servidores civis,
incluindo seus dependentes”, explicou a Força. “Os HTs são utilizados
especialmente pelos tripulantes empregados nas diversas missões
designadas pelo Comando da Aeronáutica, pelos militares em deslocamento
por motivo de serviço e pelos militares que estejam em período de
transferência de localidade”, acrescentou. De acordo com a nota enviada
ao Spotniks, a taxa média de ocupação dos HT’s da Aeronáutica em 2017
foi de 50% da capacidade. Os valores das diárias variam conforme a
graduação do militar hospedado e o dinheiro é recolhido diretamente ao
Tesouro Nacional.
Também
por nota, a Marinha comunicou que seus hotéis são facilidades colocadas à
disposição do seu pessoal e dependentes, “quando em trânsito por
determinada localidade, tanto por interesse do serviço quanto em caráter
particular”. As receitas geradas com o pagamento de diárias e
alimentação são recolhidas ao Fundo Naval e ficam disponíveis para
utilização da organização militar (OM) gestora do hotel. “As despesas
são custeadas com base nas receitas auferidas”, acrescenta a Marinha.
Segundo o portal da transparência do Governo Federal, o orçamento das
OM’s não inclui o gasto com a folha de pagamento.
A
situação vai muito além da descrita pelos dados do Governo Federal. Ao
contrário dos hotéis de trânsito, não existem informações públicas
consolidadas sobre a quantidade e a localização dos chamados clubes
militares, destinados à recreação e lazer dos integrantes das Forças
Armadas. “Toda cidade com um grande número de quartéis conta com um
clube militar. Até existe a cobrança de uma taxa de contribuição, mas o
problema é que a Força cede funcionários para trabalhar lá e nos HT’s, o
que é bancado pelo contribuinte”, declarou Jeremias*,
um ex-militar do Exército entrevistado pelo Spotniks. “A estrutura não é
pensada para ser sustentável, o dinheiro pago pelos militares é usado,
na maior parte, para tornar o clube ainda melhor”, acrescenta.
Procurado,
o Exército não entrou em contato com a reportagem até a publicação
desta matéria. As Forças Armadas também não informaram qual foi o
orçamento destinado a custear seus meios de hospedagem, nem a quantidade
de pessoas que hospedou em 2016 e 2017. Com exceção da FAB, não fomos
informados sobre a taxa de ocupação média da infraestrutura hoteleira. A
reportagem também perguntou qual foi o custo de construção e/ou
aquisição dos hotéis e clubes militares, mas não recebeu resposta de
nenhum dos comandos.
Diante
destes dados, nos debruçamos sobre as propriedades que foram localizadas
no cadastro de imóveis do Ministério do Planejamento. Essas são as oito
colônias de férias do povo brasileiro, destinadas a pouquíssimos
cidadãos – entre eles, a mais nova ministra do Trabalho, Cristiane
Brasil (PTB-RJ), que há poucos dias chamou atenção da opinião pública
sobre a necessidade dessas instalações após ter passado o ano novo num hotel da FAB em Fernando de Noronha:
1. Clube do Quartel de Amaralina (Salvador-BA)
O
quartel do Exército que se localiza no início da orla de Amaralina, um
dos locais mais privilegiados de Salvador, não é apenas um quartel. Ali
está instalado um enorme complexo de lazer e turismo voltado para o
público militar, que conta com hotel, clube, quadras, piscinas de água
doce e salgada e até um grande espaço para eventos, confortável o
suficiente para festas de casamento e formaturas com até 350 convidados.
Tudo isso com uma linda vista para o mar e acesso particular à praia,
características que fazem inveja até a grandes complexos hoteleiros das
redondezas. De acordo com o Comando da 6ª Região Militar, uma diária no
hotel para duas pessoas sai por R$ 156 na alta temporada, preço bastante
inferior ao que é cobrado por hotéis 4 estrelas da região.
Pelo
alto, é possível ver algumas das principais atrações do local, como as
duas quadras de esportes, as piscinas olímpica e natural e um grande
estacionamento. A estrutura tem ainda bar e restaurante, segurança
reforçada e até uma capela. Apesar de ter sido erguido em imóvel da
União, o acesso ao clube é um privilégio reservado a militares e seus
convidados. Para utilizar o local para eventos, é possível realizar uma
reserva pelo valor de R$ 6.500. Tamanha estrutura, é claro, tem seu
custo: em 2013, o Comando finalizou uma reforma de mais de R$ 300 mil
para “adequação” do espaço de eventos.
Além de
casamentos e formaturas, o espaço recebe comemorações diversas. Com
ingressos que podem chegar a R$ 300, militares e seus convidados
puderam, por exemplo, celebrar a chegada de 2018 em grande estilo, em
uma festa open bar, com direito a pista de dança, DJ, banda, queima de fogos na praia e capacidade para até 600 convidados.
2. Colônia de Férias da SUNAB (Paraíba do Sul/RJ)
A
Associação Nacional de Servidores da SUNAB (ANASS) conta com uma modesta
colônia de férias em Paraíba do Sul, interior do Rio de Janeiro,
construída com recursos federais. Mesmo com o órgão de controle de
preços do Governo Federal tendo sido extinto há duas décadas, a sua
entidade de funcionários permanece na ativa. Atualmente, o local é
utilizado por servidores ativos e inativos e seus parentes e convidados.
Ao
contrário de outros hotéis da União, quem se hospeda no complexo
administrado pela ANASS tem poucos luxos além do campo de futebol e da
grande piscina. São 20 quartos; cada um tem duas camas, uma televisão e
ventilador de teto. Nada de ar-condicionado por aqui. Além dos
associados e seus convidados, interessados em geral também podem
usufruir da estrutura, mediante o pagamento de diárias (R$ 50 por
pessoa). Além de pousada, o espaço também pode ser alugado para festas e
eventos.
3. Hotel de Trânsito da Marinha – A Ressurgência (Arraial do Cabo/RJ)
Se os
oficiais do Exército contam com o belo hotel em Amaralina, seus colegas
da Marinha contam com local privilegiado em Arraial do Cabo (RJ) , “a
cidade onde o sol passa o inverno”. De frente para o mar, na Praia dos
Anjos, o Hotel de Trânsito (HT) “A Ressurgência” conta com duas suítes
para oficiais-generais, dez apartamentos duplos e oito familiares,
wi-fi, sauna, bar, restaurante, salas de TV, leitura e musculação,
churrasqueira e estacionamento. Gerenciado pelo Instituto de Estudos do
Mar Almirante Paulo Moreira, o local ainda tem estrutura para receber
eventos pequenos em seu auditório de 100 lugares.
Além da
localização privilegiada e das comodidades, o preço é outro grande
atrativo. Na alta temporada, a diária de um quarto para duas pessoas
pode sair por, no máximo, R$ 200 para convidados de oficiais. O valor é
muito mais em conta do que o praticado por hotéis privados semelhantes
em Arraial do Cabo.
No
entanto, a Marinha parece não ter aprendido a lição do Plano Cruzado.
Com farta demanda, preços congelados e oferta inelástica de acomodações,
“A Ressurgência” deveria ter esse nome em alusão aos felizardos que
conseguem vencer a espera por uma vaga. “Há muita procura por ser
barato, consequentemente não atende à demanda e a fila é por
antiguidade, nem Oficial 1º Tenente consegue”, comenta o militar
Francisco Magaldi na página do hotel no Google Maps.
4. Retiro Paraíso (Engenheiro Paulo de Frontin/RJ)
Colocada
à venda por R$ 4,2 milhões no início de 2016, a propriedade localizada
no município de Engenheiro Paulo de Frontin possui área total de quase
336 mil metros quadrados, incrustada na Serra das Araras, interior
fluminense. No local, a Associação dos Servidores do Patrimônio da União
(ASPU) manteve durante décadas uma colônia de férias com vista
privilegiada das montanhas do Rio de Janeiro, como é possível ver na
primeira foto a seguir, tirada em maio de 2015, pouco antes do
estabelecimento ser desativado.
O hotel
já foi privado antes de passar para as mãos do Estado: em 24 de dezembro
1939, um pequeno anúncio no Correio da Manhã colocava o imóvel à venda.
A publicação destacava a distância de apenas duas horas do centro do
Rio, com ônibus diários saindo da Praça Mauá, além de nascente própria
de água na “Suíça Brasileira”. O mesmo anúncio voltou a ser veiculado em
janeiro de 1940. Por fim, segundo os registros encontrados em arquivos
públicos, o “Retiro Paraíso” passou a abrigar a colônia de férias da
Aeronáutica em 1946.
O local
foi cedido pelo Governo Federal à ASPU em março de 1966. Em outubro
daquele ano, o Congresso Nacional autorizou crédito extraordinário de
CR$ 10,6 milhões para realização de obras emergenciais no hotel, em
decorrência das fortes chuvas que atingiram o Rio de Janeiro. Em valores
atualizados pelo Índice Nacional da Construção Civil (INCC), a obra
executada pela própria SPU custou mais de R$ 150.000.
Fotos
mais recentes, porém, mostram o estado de abandono do imóvel para o qual
a União busca um comprador. Pelas fotografias feitas por um morador da
cidade e postadas no Facebook, há rachaduras nas paredes, muita sujeira,
mato alto, piscina destruída, pichação e vidros quebrados.
5. Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército em Matinhos (PR)
Em julho
de 2006, Luiz Carlos Alborghetti, popular radialista paranaense,
criticava o então governador Roberto Requião por não possuir um
apartamento nas praias do Paraná que, na sua visão, eram um esgoto a céu
aberto. Alborghetti, falecido em 2009, não conseguiu ver sua crítica
ser remediada pelo atual governador Beto Richa, proprietário de dois
imóveis à beira-mar em Matinhos, litoral paranaense.
O
radialista também não sabia que o Clube dos Subtenentes e Sargentos do
Exército de Curitiba ocupou durante décadas uma sede praticamente dentro
da Praia de Caiobá, em Matinhos, destinada ao lazer dos militares.
Segundo uma funcionária do Clube, o imóvel foi desocupado há mais de
quatro anos e entregue ao Comando da 5ª Região Militar. Hoje, a colônia
de férias dos militares curitibanos fica em Canoas, também no litoral
paranaense.
O hotel
em Matinhos tem área total de 1.139,87 metros quadrados, sendo 535,67 de
área construída. A maior atração do imóvel parece ser mesmo a sua
localização. Sem luxos, nem piscina, nem campo de futebol, ar
condicionado ou quadra de esportes, resta ao lote apenas seu acesso
privilegiado ao mar paranaense.
6. Círculo Militar de Ponta Porã (MS)
Vinculado
aos militares do 11º Regimento de Cavalaria Mecanizado, o Círculo
Militar de Ponta Porã, conhecido como CIMPORÃ, foi jocosamente apelidado
de “Clube dos Bolsominions – Bar gay” por um usuário do Google Maps.
Localizado em uma área de 12.215 metros quadrados, o Círculo funciona desde 1979 e é
um espaço conhecido nas redondezas, palco de diversas celebrações,
desde casamentos e festas a competições hípicas e festivais. Segundo o
último contrato disponível, a organização pagou R$ 1.489,08 por um ano
de aluguel, entre agosto de 2015 e agosto de 2016. Além de
infraestrutura para eventos, o clube conta também com um centro hípico,
piscinas adulta e infantil, estacionamentos, quadra de tênis, quadra de
vôlei de praia, campo de futebol, galpão com churrasqueira e salão de
jogos.7. Centro Recreativo de Oficiais do Exército de Sete Lagoas (MS)
A
Guarnição de Sete Lagoas (MG) do Exército, onde se localiza o 4º Grupo
de Artilharia Antiaérea (GAAAe), possui infraestrutura hoteleira e de
lazer para seus servidores. Há na cidade um hotel para Oficiais,
Subtenentes e Sargentos, vinculado a centros recreativos para militares.
Com sete suítes – todas equipadas com telefone, televisão, internet e
frigobar –, o estabelecimento possui prédio independente das demais
instalações do Exército na cidade e ainda serve café da manhã.
Sem
muito luxo, o maior atrativo do hotel é sua ligação com o Centro de
Recreação de Oficiais do Exército, localizado literalmente na frente da
hospedaria. No clube, os oficiais contam com piscina, toboágua, quadra,
salão de jogos, churrasqueira e serviço de bar.
Em 2016,
o 4º GAAAe esteve no mercado para negócios. De acordo com o Ministério
do Planejamento, a unidade gastou mais de R$ 1,6 milhões em compras de
materiais. Nessa conta, foram mais de R$ 250 mil com aparelhos de
ar-condicionado e mais de R$ 50 mil com a compra de televisores. No
último ano, foram gastos ainda R$ 39.816 com serviços de lavanderia
apenas para o Hotel e, até junho do ano que vem, serão mais R$ 43 mil.
Para o café da manhã, foram mais de R$ 15 mil para custear o
fornecimento de pão.
8. Área de Lazer do Alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira/AM)
O
Amazonas tem suas belezas naturais e o ecoturismo como principais
atrativos para viajantes nacionais e internacionais. Segundo dados do
Governo Federal, são 30 municípios amazonenses com vocação para o
turismo. Um desses destinos é São Gabriel da Cachoeira, localidade do
extremo-norte do estado, na divisa com Colômbia e Venezuela, às margens
do Rio Negro.
SGC
também é marcada pela forte presença militar, com sete organizações do
Exército ali instaladas. Um dos locais favoritos dos Oficiais é o Hotel
de Trânsito sediado no interior da Área de Lazer do Alto Rio Negro
(ALARNE), um imóvel da União localizado nas proximidades Praia do Rio
Negro. As acomodações incluem 12 suítes com ar-condicionado, frigobar e
televisão, além de café da manhã, piscinas e vista privilegiada para a
praia. Assim como em outros clubes militares do Brasil, na ALARNE também
é possível realizar eventos, como aniversários, festas e formaturas.
*Nome fictício, para proteger a identidade do entrevistado.extraídadespotniks.com
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