Dinheiro público para reduzir juros pagos
por cubanos em financiamentos foi de até US$ 107 milhões. MDIC diz que
outros países já receberam subsídio criado há 20 anos para incentivar
exportações
por Eduardo Militão CONGRESSO EM FOCO
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) confirmou ao
Congresso em Foco que o Tesouro repassou recursos a fundo perdido, uma espécie de subsídio, sem necessidade de ser pago, para o governo de
Cuba
modernizar o porto de Mariel. Alegando sigilo, o ministério não revela o
total gasto pelo Tesouro na operação. Entretanto, valores do programa
que usa recursos públicos para incentivar exportações brasileiras – que
existe desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – mostram que
Cuba recebeu US$ 107 milhões (o equivalente a R$ 239 milhões) no período
da reforma do terminal. Antes do empreendimento, Cuba quase nada
recebia do programa de incentivo.
O empreendimento teve um financiamento de US$ 692 milhões (R$ 1,5
bilhão) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Ao todo, o porto custou US$ 957 milhões. Um documento inédito, assinado
pelo ex-ministro Fernando Pimentel e revelado pelo
Congresso em Foco esta semana, mostra que, quando o Brasil fez acordo com Cuba, em 2008, o combinado era emprestar
US$ 600 milhões, que seriam “utilizados durante quatro anos”.
O MDIC diz que não pode explicar o aumento do valor do financiamento,
alegando sigilo, decretado por Pimentel por período de 15 a 30 anos.
Pela mesma razão, se nega a explicar se os quatro anos se referem ao
prazo de pagamento por Cuba ou ao período em que o BNDES fará os
desembolsos.
A assessoria do ministério informou ao
site que a ajuda
prestada a Cuba na construção do porto de Mariel é dada pelo Brasil a
outros países há muito tempo. O objetivo, alega, é baixar a taxa de
juros dos bancos brasileiros às alíquotas internacionais e facilitar a
importação de produtos e serviços nacionais por governos e empresas
estrangeiros. No caso, Cuba tomou dinheiro emprestado do BNDES para
contratar a reforma do porto, executada pela Odebrecht.
Coincidência
Nos últimos quatro anos, período que coincide com a construção do
porto de Mariel, Cuba tornou-se o terceiro país beneficiado com recursos
públicos do Programa de Financiamento à Exportação – Equalização
(Proex), atrás de
EUA e Angola.
Entre 2001 e 2009, antes do início da modernização do terminal, o
governo da ilha dos irmãos Castro só tinha sido destino de US$ 2,2
milhões, segundo dados da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do MDIC.
Em alguns anos, nada se recebia. Na maioria deles, valores abaixo de um
milhão de dólares.
Mas com o porto, tudo mudou: o valor foi elevado em mais US$ 107
milhões entre 2010 e 2013. Ou seja, tudo indica que, se não foi
exatamente esse o valor da ajuda do governo brasileiro para Cuba pagar
prestações mais baratas ao BNDES pelo porto construído pela Odebrecht,
as cifras devem ser bem próximas disso. Nesse caso, significaria que, na
prática, o Brasil gastou do próprio bolso 16% dos US$ 692 milhões
emprestados pelo BNDES para viabilizar a operação.
O porto foi inaugurado em janeiro deste ano pela presidenta Dilma
Rousseff. Os dados de 2014 ainda não estão disponíveis, o que pode
implicar um aumento dos valores do Proex para bancar a importação de
Cuba, feita pela Odebrecht.
Triangulação com empreiteiras
Para a oposição, o problema não é financiar as exportações
brasileiras, mas beneficiar empresas que financiam campanhas eleitorais,
como a construtora do porto. “Nossa preocupação é a triangulação de
quem está recebendo, como exportador, esses empréstimos ser doador de
campanha de quem libera essa taxa do fundo perdido”, afirma o deputado
Fernando Francischini (SD-PR).
Em reunião na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da
Câmara, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, chegou a afirmar que o
banco não usou recursos a fundo perdido. Na verdade, como se confirmou
agora, foi o Tesouro Nacional. O deputado Pepe Vargas (PT-RS) destacou
que a oposição trabalha contra o interesse econômico do país e dos
empresários brasileiros. “O que acontece aqui é preconceito ideológico”,
afirmou ele, já que Cuba é dirigida pelo regime socialista dos irmãos
Raul e Fidel Castro.
A linha de crédito do BNDES usada em Mariel permite pegar o dinheiro
emprestado para pagar em até 12 anos. O banco e o ministério não
informam quais foram as reais condições do crédito para Cuba. O
documento do MDIC obtido pelo
site, um termo de decretação de
sigilo para o negócio do porto, fala em “condições específicas” para os
cubanos de acordo com “parâmetros internacionais”.
Redução de juros
Na modalidade de “equalização”, o Proex foi utilizado para baixar as
taxas de juros pagas pelo governo de Cuba. Por lei, o governo pode
ingressar com dinheiro público – por meio de títulos do Tesouro – no
banco para que essa taxa caia, no máximo, a 2,5 pontos percentuais. Por
exemplo: na hipótese de Cuba ter conseguido o empréstimo de US$ 692
milhões a uma taxa de 4% ao ano, seria possível reduzir esse custo para
até 1,5% ao ano.
De acordo com técnicos do MDIC ouvidos pelo
site, apesar do
prejuízo aos cofres públicos na operação com uso do Proex, essa é uma
política importante por causa dos resultados na macroeconomia. Aumentar
as exportações significa melhorar a balança comercial brasileira, razão
pelo qual o recurso a fundo perdido tem sido usado com outros países e
empresas brasileiras.
Os técnicos não gostam do termo “subsídio”, porque, para eles, isso
poderia significar baixar a taxa de juros nacional a valores abaixo da
média internacional. O que o Proex faz é igualar os juros brasileiros
aos dos bancos estrangeiros. Para eles, trata-se de uma “pequena ajuda”
do governo para fomentar a economia brasileira.