SÃO PAULO - Kaique foi brutalmente assassinado por ser preto, pobre e gay. Foi também por isso que o caso foi registrado pela polícia como suicídio. Sua morte é culpa do Estado, da igreja, do Congresso, do Alckmin, da Dilma, do Feliciano.
Essas conclusões foram extraídas de redes sociais menos de 24 horas depois de a história vir à tona, na semana passada. O tribunal Facebook já havia chegado a um veredicto.
O caso de Kaique não é simples. Ao identificar o corpo desfigurado, a família pôs a boca no mundo: disse que o rapaz foi morto por skinheads, teve os dentes quebrados e uma barra de ferro atravessada nas pernas. Junte-se ao contexto real de homofobia e de negligência policial e tem-se uma história verossímil.
O que surpreende é o fato de que o tom das redes sociais não se alterou a partir das evidências que aos poucos foram tornando o absurdo do suicídio numa versão plausível.
São elas: Kaique caiu de um viaduto; perdeu os dentes em razão do impacto da queda; não havia uma barra de ferro no local, e sim o fêmur do jovem rompido por uma fratura exposta; câmeras de segurança não revelaram skinheads, mas o jovem sozinho e trôpego.
A narrativa do crime homofóbico, porém, já estava fechada, com direito a protesto e declaração indignada de ministro. Em alguns casos, não mudou nem após a mãe de Kaique dar uma comovente entrevista em que disse estar convencida do suicídio e pediu desculpas.
Foi assim durante os protestos, por exemplo, no caso do vídeo dos PMs que quebraram o vidro do próprio carro para simular uma agressão --o policial retirava estilhaços de um vidro já quebrado, mas o desfecho do caso já estava escrito.
Esses episódios ilustram bem o que se transformou a internet pós-Mark Zuckerberg --um imenso fórum, indispensável e democrático, mas também terreno fértil para conclusões apressadas e intolerância de todos os matizes.
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