Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Romeu Tuma Júnior revela como a máquina petista usa o Estado para demolir reputações. Por Salatiel Soares Correia

O best seller “Assassinato de Reputações — Um Crime de Estado”, do delegado de polícia e ex-deputado Romeu Tuma Junior, vasculha os bastidores do governo petista e conclui que se montou uma estrutura gigante para destruir os adversários políticos.
Era para ser só um susto, mas não foi o que de fato aconteceu. Ele seria sequestrado. Pediriam o resgate e este seria pago pelos mandantes do sequestro. A vítima ficaria grata por terem salvado sua vida. E, assim, o esquema de cobrança de sobretaxa por serviços prestados a Prefeitura de Sando André, que tanto asfixiava os empresários da região, seria atenuado. Mas deu tudo errado. O que estava previsto para ser um susto se transformou numa tragédia. A cena da desova do cadáver se evidenciava com muita clareza: “as costas [da vítima] fumegadas com tatuagens de cano quente. Antes de darem o tiro de misericórdia, encostaram-lhe a arma fervente na pele. Vejo o corpo e ainda sinto a vibração dessa cena. As mãos, Deus do céu, no formato de um louva-deus, sugerindo a postura de quem rezava, de quem implorou pela vida. A boca assumiu um quê monstruoso, desfigurada à bala. Olho para as reentrâncias do mato e tento estabelecer como teria sido a cena da desova”.  ...
Os escritos acima explicitam a tese do autor a respeito da morte do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel. Esta se encontra exposta num livro repleto de fatos que há pouco foi lançado no mercado. Quem se propôs a escrevê-los se ateve aos fatos — verídicos ou não, o tempo, supremo senhor da razão, dirá. Mas ater-se a fatos não basta. Para produzir as mais de 500 páginas destes escritos torna-se indispensável conhecer os bastidores do poder, bem como técnicas investigativas necessárias para montar um quebra-cabeça sedimentado em evidências para que se possa, assim, chegar às conclusões.  
É isso que se propôs a fazer alguém com 35 anos de experiência. Bagagem o autor tem para atingir esse propósito. Atentem para seu currículo, que ora reproduzo da contracapa de seus escritos: especialista em segurança pública e polícia judiciária, vasta experiência em projetos de cidadania, que integram atuação policial como autoridade brasileira em vários acordos de cooperação internacional em matéria penal, civil, extradição e em questões migratórias. Fiquemos por aí para, agora, explicitarmos os cargos que o personagem destes escritos exerceu. Foi secretário nacional de Justiça; delegado de classe especial da Polícia Civil do Estado de São Paulo, delegado comissionado da Polícia Federal e primeiro chefe da Interpol em São Paulo. Deputado estadual na Assembleia Legislativa paulista de 2003 a 2007.  
E acrescento: filho de Romeu Tuma, ex-diretor da Polícia Federal e ex-senador da República, recentemente falecido. Romeu Tuma Junior é o autor dos escritos que pretendem revelar fatos que, se verdadeiros, maculam biografias e certamente balançam os alicerces do Estado democrático de direito para se tornar o que ele chama de “Estado Policial”, um tipo de Estado capaz de assassinar reputações na velocidade da internet, por meio das instituições que o autor intitula “Supremo Tribunal do Google”. Um tribunal perverso que expõe instantaneamente a honra dos investigados para que seja julgada e, depois do julgamento, lentamente apurada ou arquivada. O “Estado Policial”, segundo o ex-diretor da Interpol, caracteriza-se por ferir de morte os valores democráticos, pois faz uso das instituições com o único e claro propósito: o de “assassinar reputações”. No caso, reputações daqueles que se colocam em seu caminho. Nesse sentido, a seguinte máxima cai como uma luva: para os amigos, os favores da lei; para os inimigos, os rigores.  
Não restam dúvidas de que a experiência profissional do ex-secretário nacional de Justiça se enriquece mais ainda ante os casos que ele diretamente atuou. E diga-se de passagem: casos muito complicados. Perguntas que necessitavam de respostas adequadas exigidas pela sociedade que mantém toda engrenagem do Estado. Assuntos de toda natureza.  Na maioria desses casos que mexeram com a opinião pública, Tuma Junior atuou ou conheceu com profundidade o entourage em torno deles. Da extradição (que não acabou acontecendo) de Cesare Battisti à Operação Sa­tiagraha; do caso Celso Daniel ao caso Nagi Nahas, até a operação de montagem do supertime do Co­rinthians, esta atribuída a uma lavagem de dinheiro comandada pelo bilionário russo que morreu em Londres, Boris Berezovsky.  
Não tenham dúvidas de que as denúncias mais consistentes são aquelas oriundas de quem conhece o sistema por dentro. Veja-se o caso do mensalão. Quem denunciou conhecia as engrenagens impossíveis de ser percebidas por quem está fora do sistema político. Veja-se o caso do ex-prefeito de São Paulo, já falecido, Celso Pitta. Quem denunciou partilhava do mesmo leito que ele, conhecia por dentro fatos que nenhum de nós poderia conhecer.  
Quem se dispor a ler a obra do ex-secretário nacional de Justiça perceberá que duas molas de seu motor emocional moveram sua decisão de publicar estes escritos: a primeira delas se relaciona à maneira como ele saiu do governo, motivado por denúncias de que teria envolvimento com a máfia chinesa de São Paulo (lembram-se da famosa operação trovão deflagrada pela Polícia Federal?). A segunda tem que ver com a morte do pai que, de acordo com ele, morreu devido aos acontecimentos relacionados à sua saída do governo.  
Logo no início da leitura de “Assassinado de Reputações”, título do livro que ora comento, percebi algo de interessante nos escritos, o que me levou a devorá-los praticamente em três sentadas no meu escritório: a maneira lógica como os fatos são encadeados (a edição do texto é do jornalista profissional e professor universitário Claudio Tognolli). Nesse sentido é que conta a experiência profissional do narrador, repleta de fatos só possíveis de serem expostos por quem, como ele, vivenciou o sistema político por dentro. Na descrição de casos de assassinatos, a maneira como Tuma expõe os fatos no transcorrer de sua narrativa, a máxima de que os mortos não falam não é verdadeira. Os mortos falam para quem tem experiência para perceber a ambiência em volta dos crimes. É mais ou menos como observar uma obra de arte, ela fala para quem entende a mensagem do artista que a concebeu. Tuma Junior conhece bem essa linguagem e procurou expô-la na sua narrativa.
Assassinato de reputações no Supremo Tribunal do Google 
Facada ardida pelas costas + vazamento a conta-gotas + uso de lugares-tenentes e demais teleguiados + fabricação de dossiês: é o somatório que mais expressa os fatos expostos pelo ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma — naquilo que chama de “forma petista” de governar. Adicione-se a esse somatório a maneira como os fatos são apurados por quem tem o dever republicano de apurá-los. Quanto a isso, Tuma Junior não perdoa o próprio órgão ao qual serviu: a Polícia Federal. O ex-diretor da Interpol procura demonstrar por A + B como a PF tem sido u­sada como instrumento no assassinato de reputações. “Prendem suspeitos e jogam a notícia na mídia (Go­ogle), porque não deu tempo para investigar... Antigamente, faziam as provas e, depois, prendiam. Vejam a minha conduta em 35 anos de polícia: primeiro, eu fazia a prova, depois é que a Justiça me autorizava a prender. Hoje, eles prendem para depois fazer a prova. Onde nós estamos?”  
Para Tuma Junior, gravar, editar e vazar a conta-gotas transforma-se em “tortura psíquico-física” que materializa algo novo em termos de sociedade de informação: o “pau-de-arara virtual”.  
Não restam dúvidas de que a sociedade que paga seus impostos deve tomar conhecimento dos fatos quando investigados e provados. Se forem verídicas as afirmações do autor, então, a lógica tornar-se-á invertida e aí estaremos no pior dos mundos, onde os meios de um projeto de poder passam a justificar os fins. Mate­rializar-se-ia, assim, a perversidade do Estado leviatã definido pelo filósofo inglês Thomas Hobbes, aquele Estado que detém poder absoluto sobre os indivíduos — inclusive sobre sua reputação.  
A composição do leviatã tumista se incorpora mais ainda com a escolha de “alvos”. Quanto a isso, procura, o autor, separar alhos de bugalhos. Para ele, uma coisa é partir do crime para o criminoso. Outra coisa, bem diferente, é partir do criminoso (do alvo que se quer atingir) para o crime. “Tem polícia que investiga crimes e tem polícia que escolhe ‘alvos’”, enfatiza.  
Em inúmeras partes de seu texto, a metralhadora tumista aponta e descreve situações envolvendo esses alvos. Os ex-governadores José Serra (São Paulo), Tasso Jereissati (Ceará), o governador de Goiás, Marconi Perillo, a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, o ex-senador Demós­te­nes Torres e por aí vai. Quatro ligados ao PSDB e um ao DEM.  
Resumamos, então, algumas dessas ordens num saco só: “Dr. Tuma Junior: fulmine o Serra e os tucanos com o dossiê da Alston (supostos pagamentos de propinas para favorecimentos na construção de partes do metrô de São Paulo); Dr. Tuma Junior: faça um favor ao Lula e fulmine o senador Perillo”.  
 Nesse sentido, Marconi + Mensalão = CPI do Cachoeira. Esta é a equação mais adequada que pode, assim, ser resumida: a CPI do Cachoeira foi deflagrada para atingir dois alvos específicos: o governador de Goiás, do qual Lula “tem ódio mortal”, e servir de contraponto para o mensalão.  
No caso do ex-senador De­móstenes Torres, creio ser oportuno reproduzir na íntegra o que tem a dizer Tuma Junior: “Eles arquivaram um relatório de inteligência feito contra ele e que datava de 2006. Por que não fizeram nada na época? Porque não interessava. O tal relatório ficou cozinhando nas gavetas do bunker. No momento político oportuno, tais papéis saíram do forno para atingir Demóstenes, figadal adversário do governo petista. Tudo isso porque o governo estava operando para Demós­tenes migrar para a base petista aliada. E quando definitivamente ele não foi, chegou a hora de o galo cantar; e o relatório de inteligência veio à luz do dia e para toda a mídia”. É desse modo que o julgamento no Supremo Tribunal do Google não perdoa: fulmina reputações na velocidade do pensamento.  
Para atingir não propriamente a saudosa Ruth Cardoso, mas o que ela diretamente representou — o governo Fernando Henrique —, o ex-secretário nacional de Justiça relata o uso de um laboratório científico na coleta de dados. “O laboratório era cientificamente preciso: se eu programasse os computadores para, por exemplo, depósitos de R$ 1,00 feitos por mulheres, em São Paulo, às cinco da tarde, chegaria nos autores. Foi assim que descobrimos, por exemplo, as mulheres que lavavam dinheiro para o PCC”. Para quem não se lembra, a mídia divulgou os gastos pessoais da primeira-dama quando seu marido foi presidente. O uso indevido de um laboratório desses para especular despesas de uma cidadã se constitui num atentado à democracia. Se verdadeiro o uso desse laboratório, eis aí mais um exemplo de um instrumento de governo usado com o fim específico do que nos aponta Tuma Junior em seus escritos: o de assassinar reputações no Su­premo Tribunal do Google.
Impedir extradição de Cesari Battisti foi gesto de gratidão do PT a Greenhalgh
Se existe algo que a sociedade brasileira se habitou a tomar conhecimento pela mídia, nos últimos anos, foram temas sobre as operações da Polícia Federal. Na condição de delegado e ex-secretário nacional de Justiça, Tuma Junior teve participação ativa na maioria desses casos. Se não participou diretamente de todos eles, conhecia a fundo o desenrolar dos seus bastidores. Nesse sentido, na condição de especialista no assunto, os escritos do ex-diretor da Interpol em São Paulo ajudam a entender a base dessa montanha. E, para entendê-la, faz-se necessário ligarmos esta ao seu cume que aparece na mídia. Da base se sai do palco para aparecerem os atores como eles realmente são: virtudes e fraquezas humanas afloram. Creiam: das rivalidades entre instituições — leia-se Agência Brasileira de Informações (ABIN) versus Polícia Federal (PF) —, a rivalidades entre pessoas são expostas em “Assassinato de Reputações”.  
A metralhadora tumista fulmina a conduta até de colegas de profissão, como foi o caso do delegado (hoje, deputado federal) Protógenes Queiroz. “Eu vivo do meu salário”, afirma para, em seguida, disparar: “Protógenes Queiroz, segundo o site ‘Consultor Jurídico’, tem sete casas cuja origem não sabe justificar ao público, e um bom dinheiro embaixo do colchão”. E aponta mais: “Protógenes cometeu falhas inexplicáveis, deixando dúvidas se não teriam sido até propositais”.  
Um novo giro da metralhadora se direcionou ao ex-presidente Lula ao revelar, logo nas primeiras páginas, que este fora informante do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) na época em que o ex-presidente era líder metalúrgico em São Bernardo do Campo. Palavra de Tuminha, que já era delegado e o Tuma chefão do Dops. Nem o morto Celso Daniel escapou. Motivo: os mais de 100 processos que tinha a administração do prefeito assassinado no Tribunal de Contas de São Paulo demonstram que ele “não era santo”.          
A fogueira de vaidades se incendeia na base da montanha. É o caso de não se darem o atual e ex-diretor da PF — Luiz Fernando e Paulo Lacerda. Ou a rivalidade entre Lacerda e o então ministro da Justiça, Nelson Jobim. Ou até mesmo a vaidade do atual governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro da pasta, Tarso Genro.  
Vaidade é um pecado, mas, afinal de contas, quem não a tem? Ainda mais quando se está no centro do poder.  Até mesmo o próprio autor é tragado por ela ante os sucessivos autoelogios que faz no transcorrer de sua narrativa dos fatos. “Noves fora” a fogueira das vaidades, creio que uma das partes interessantes do livro é a maneira como um profissional da investigação expõe, com a propriedade de sua experiência, como se dá a arte da investigação partindo de onde sempre se deve partir: do crime para o criminoso.  
Vale, ainda, ressaltar que outros casos memoráveis como o do banqueiro Salvatori Cacciola, Daniel Dantas, Nagi Nahas ou a extradição de Cesari Battisti são revelados, em detalhes, pela metralhadora tumista. Diz o que acha, o que tem de dizer. Como foi o caso do interesse do Palácio do Planalto na não extradição de Battisti: pagar uma dívida de gratidão com anos de lealdade ao Partido dos Trabalhadores do advogado do italiano que seria extraditado — Luiz Eduardo Greenhalgh. “Greenhalgh trabalhou bem nos bastidores para facilitar a missão que impôs aos seus credores do governo”, aponta o autor.  
Fiquemos por aqui, pois, se formos a fundo nas partes, perderemos, cansaremos o leitor. Além disso, não teríamos espaço suficiente para detalharmos o que nos relata o autor. Fica a sugestão da leitura do livro — que está muito bem-escrito a la Sherlock Holmes.
Em que mundo estamos? Para onde iremos? 
Este é ano eleitoral e, no transcorrer de 2014, será debatido e decidido para onde irá o país. Ao encerrar a leitura do livro de Romeu Tuma Junior, creio ser oportuna a seguinte indagação conclusiva: em que mundo estamos? Para onde iremos?
A prevalecer a verdade tumista, o Brasil de hoje nos leva para uma crise das instituições em cujo contexto se corporificou o “Estado Policial”, tão evidenciado por Romeu Tuma Junior em seus escritos. Creio que deles emergem inúmeras perguntas que necessitam ser respondidas no processo eleitoral que ora se inicia. Se a verdade está com Tuma Junior, então, certamente, estamos no pior dos mundos do leviatã hobbesiano: aquele em que o “Estado Policial” assassina reputações na velocidade da sociedade informacional. Dizem que o tempo é o senhor da razão. Nada melhor que o tempo e o julgamento da história para colocar os atores do processo político no seu devido lugar. Só a partir daí seremos capaz de dizer para onde iremos.
Salatiel Soares Correia é engenheiro e mestre em Planejamento pela Unicamp. 
Fonte: Jornal Opção -

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