Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Pena de morte na Flórida: mitos e lições - GLÁUCIO ARY DILLON SOARES


CORREIO BRAZILIENSE -
Este ano, a Flórida completa 38 anos desde que a pena de morte foi relegalizada. Há mitos a respeito. Muitos acreditam que o número de execuções é da ordem de centenas ou milhares. Porém, o total, até 2012, inclusive, é 74: dois por ano. Há muito mais condenados do que executados. Há muitos apelos e recursos e o tempo médio entre a condenação e a execução é de mais de 13 anos. Muitos conseguem reduzir a pena para prisão perpétua. A grande maioria dos condenados não é executada, mas morre na cadeia.
Há perto de mil homicídios por ano. De 1992 a 2012, houve 21.384 assassinatos e 47 execuções. Uma para cada 455 homicídios, disparidade usada politicamente por grupos favoráveis e contrários à pena de morte. Um postula que o número de executados deveria ser muito maior - o sistema concede recursos em demasia, e o prazo entre condenação e execução deveria ser menor. O argumento central é baseado na Doutrina da Retribuição: as vítimas estão mortas; os algozes, vivos.

Os contrários à pena de morte não compartem um argumento central: uns acreditam que o Estado não tem o direito de tirar a vida de ninguém; outros são consistentemente favoráveis à vida. É a posição da Igreja Católica. O que acontece em cada caso depende das pressões de grupos organizados: a Justiça penal também responde a eles. Nos EUA, familiares e amigos se organizam para defender seus interesses, que incluem punições severas aos criminosos; em alguns estados, têm direito a expressar opinião nas audiências para discutir a parole, a liberdade condicional.

No Brasil, dois grupos menos organizados, mas influentes, protegem os criminosos: um argumenta com as condições abjetas e a violência que imperam nas prisões, e outro com a constatação de que a polícia é arbitrária e violenta e a Justiça parte das informações fornecidas por ela, o que significa que muitos foram presos injustamente. Em versão radical, considera a Justiça outro nome para a vingança. Alguns chegam a propor o fim das prisões.

Um forte argumento contrário à pena de morte deriva dos erros policiais e judiciais. A pena de morte impede a correção de qualquer erro. Quando o exame de DNA foi admitido, descobriram que muitos foram condenados erroneamente por diversos crimes - vários estavam no death row. A justificação do receio de erros irreparáveis se baseia na existência de países em que tanto a polícia quanto o Judiciário são mal preparados e/ou corruptos.

É mais que um argumento solto: o Innocence Project reavaliou centenas de prisões e condenações usando o DNA. É associado à Benjamin N. Cardozo School of Law da Yeshiva University. Demonstra muitos erros das condenações, sobretudo nas baseadas em testemunhos oculares, responsáveis por 75% das condenações erradas. Infelizmente, no Brasil ainda se ensina que a prova testemunhal é a "rainha" das provas. Várias décadas de pesquisas demonstraram que não é confiável. Há fraudes e há erros.

Muitos erros: desde 1989, a inocência de 312 condenados foi provada pelo DNA. Não é fenômeno restrito a estados atrasados: foram demonstrados erros em 36 estados - 18 haviam sido condenados à morte. Outros 16 foram condenados por crimes que poderiam ser punidos com a morte, mas receberam penas menores. A média do tempo passado erroneamente na prisão é de 13,5 anos.

Há, entre os defensores da pena de morte, uma corrente pragmática que a defende somente em casos comprovados de crimes múltiplos e por impedir que outros crimes violentos e graves, particularmente homicídios, sejam cometidos: presos (presos, mesmo) não matam fora da prisão. Esse caminho recebeu, nos Estados Unidos, um nome particularmente infeliz, a "incapacitation". A outra se baseia na Doutrina da Dissuasão, segundo a qual a impunidade estimula o crime e as penas rigorosas o desencoraja. Criminosos potenciais não cometeriam crimes, devido ao receio das punições duras. As pesquisas apoiam essa hipótese quando a polícia é eficiente e legítima.

A pena de morte seria poderoso fator de dissuasão. Empiricamente, essa relação é discutida e contestada, mesmo onde foi adotada. Daí a necessidade de estudá-la, sem que isso signifique acreditar que o que vale para outros lugares vale no Brasil.

Um argumento estatístico favorável à pena de morte afirma que condenados não deveriam ser assassinos comuns, mas os que cometeram os piores crimes, assassinatos múltiplos, contra vítimas indefesas, com uso de tortura ou outros sofrimentos etc. Muitos seguiriam carreiras criminosas. Soltos, voltariam a assaltar, roubar e matar.

Efetivamente, entre os executados na Flórida, há dos piores criminosos. No lugar mais alto, está Ted Bundy, assassino de dezenas de mulheres, que teria confessado a um companheiro de prisão que matou mais de 800. Danny Rowlings foi executado pelo assassinato de sete pessoas em Gainesville. Não só as esfaqueou e estripou, mas deixou as vítimas (ou partes delas) para serem encontradas em posições grotescas.

Há pressão sobre legisladores nos países que adotam um sistema de Civil Law, codificado, para endurecer a pena para certos tipos de crimes. No Brasil, foi criada a categoria de crime hediondo, e a atividade legislativa tem sido apenas a de aumentar os Crimes hediondos, sem princípio organizador. Nos sistemas de Common Law, direito comum, a pressão incide sobre o Judiciário, para que crie uma jurisprudence mais dura. Confuso? É para estar. Nossos legisladores devem ser cautelosos, porque não há política sem erros, e o preço dos erros na pena capital é muito alto.

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