Seria trágico que Curitiba ficasse de fora da Copa, mas não podemos aceitar pagar qualquer preço para manter as partidas na Arena
Em 2007, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, o então presidente Lula, principal cabo eleitoral do país, garantiu que não haveria dinheiro público nos estádios que receberiam a competição. “Tudo será bancado pela iniciativa privada”, prometeu em 30 de outubro daquele ano. Pouco mais de seis anos depois, às vésperas da competição, as verbas públicas estão bancando a maior parte dos gastos com os estádios, vários dos quais com as obras atrasadas. O pior caso é justamente o de Curitiba, visitada ontem pelo secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke, que levantou a hipótese de a cidade não ser uma das sedes da Copa se até 18 de fevereiro não houver garantias de que a Arena da Baixada estará pronta a tempo.
Que haveria dinheiro público, e muito, nas obras da Arena (como, aliás, em quase todos os demais estádios da Copa) ficou claro desde a previsão inicial do custo das reformas do estádio, em 2009: R$ 135 milhões, com a conta dividida igualmente entre prefeitura, governo estadual e Atlético Paranaense. O valor não parou de crescer, chegando a R$ 265 milhões. Em 17 de janeiro, o presidente do Atlético, Mário Celso Petraglia, apresentou um orçamento com um gasto adicional de R$ 15 milhões, necessários para bancar o aumento de 50% no número de operários que trabalham na Arena, sugerido pelo consultor de estádios da Fifa, Charles Botta, para garantir o cumprimento dos prazos.
Como resposta ao ultimato da Fifa, prefeitura e governo do estado resolveram deixar de simplesmente despejar dinheiro na Arena e decidiram entrar na gestão da obra. Uma intervenção que, dados o volume de recursos públicos investidos (só a prefeitura informou à Fifa ter gasto quase R$ 220 milhões com a Arena e seu entorno) e o ritmo preocupante das obras, até demorou para ocorrer. Não há dúvidas de que teria sido muito melhor que a promessa de Lula tivesse sido cumprida e que os estádios não demandassem dinheiro dos impostos pagos pelos brasileiros. Infelizmente, não foi o que ocorreu, e agora a prioridade é impedir o desperdício. Seria uma tragédia que, a essa altura, Curitiba ficasse de fora da Copa por incompetência coletiva – não apenas pelo que já foi investido na Arena, mas também pelos ganhos que a cidade deixaria de ter com a redução drástica no fluxo de turistas-torcedores. Mas não é por isso que se aceitará pagar qualquer preço para manter na Arena as quatro partidas previstas. Não vemos o acréscimo de mais dinheiro público nas obras do estádio, por exemplo, como uma solução correta. Uma alternativa adequada seria que a iniciativa privada bancasse eventuais novos aportes.
De qualquer forma, com Curitiba confirmada ou excluída da Copa, o episódio precisa servir de aprendizado. O presidente que em 2007 garantia que tudo seria feito pela iniciativa privada fechou os olhos quando começaram a surgir as demandas por dinheiro público nos estádios. Lula, assim, surge como o primeiro, mas não o único responsável. Dirigentes esportivos pediram, e gestores públicos concederam grandes somas para levar a Copa não só a Curitiba, mas a outras cidades. Considerando a qualidade dos serviços públicos, longe do “padrão Fifa”, é preciso perguntar: terá valido a pena? Houve mau uso do dinheiro? Este é um novelo que tem de ser desfiado.
É preciso ressaltar que a situação dos estádios é mero espelho da situação do país. Desde 2007 se sabia que o Brasil sediaria a Copa. Em julho daquele ano já havia uma lista de 18 potenciais cidades-sede. Mesmo com a definição das sedes ocorrendo apenas em maio de 2009, a presença de várias delas era certa, e Curitiba estava na lista final de muitos especialistas. Ainda assim, tudo foi deixado para a última hora. É possível que os torcedores estrangeiros encontrem vários aeroportos em obras. Em 2009, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, prometia que o trem-bala entre São Paulo e Rio estaria funcionando antes da Copa – até agora não há um dormente instalado. No último dia 5, reportagem da Gazeta do Povo mostrou que nenhuma das obras de mobilidade previstas para Curitiba estava pronta. Projetos foram alterados ou suprimidos, prejudicando o chamado “legado” que a Copa traria.
Em março de 2012, Valcke disse que o país precisava de um “chute no traseiro” para acelerar os preparativos da Copa. Em vez de reconhecer que o francês tinha razão, a maioria dos brasileiros entrou em um surto nacionalista de repúdio às declarações. Àquela altura, ainda faltavam mais de dois anos para a Copa. Agora, faltando menos de cinco meses para o pontapé inicial, pode-se desculpar até a deselegância nos termos usados por Valcke. Afinal, se mesmo com palavras duras os brasileiros deixaram a situação chegar aonde chegou, onde estaríamos se a Fifa recorresse apenas a advertências suaves?
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