Jornalista Andrade Junior

sábado, 2 de novembro de 2013

Um rombo exemplar - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO -
O rombo nas contas públicas de setembro foi pior que a pior previsão, confirmou todas as críticas que vêm sendo feitas ao governo e exibiu as várias contradições da política econômica. O FAT deu um déficit recorde em momento de baixo desemprego; a conta de luz foi reduzida e gerou um buraco de R$ 2 bilhões nas contas do governo em um único mês. O Banco Central acha que está tudo bem.

O papel do Banco Central é ser o guardião da moeda e é elementar que uma política fiscal tão desastrosa, que provoca um déficit primá­rio de R$ 10 bilhões num mês, fomenta o desequilí­brio da moeda. Qualquer Banco Central do mundo, diante de contas como essas, demonstraria preocupa­ção, mas aqui no Brasil, o chefe do Departamento Econômico, Túlio Maciel, tentou minimizar o tamanho do desastre. Disse que em breve vão entrar recei­tascomo a do Refis e do leilão de Libra e os números vão melhorar. Como se sabe, essas são receitas que ocorrem uma vez e não se repetem. Não podem ser consideradas como mudança do quadro fiscal.

O governo resolveu usar uma tática de Maquiavel e dar todas as más notícias num único dia e por isso coordenou o coro: a Fazenda e o Banco Central di­vulgaram suas contas ontem. Pelos números do BC, o Brasil teve um déficit nominal (incluindo o pagamento de juros) de R$ 22,8 bilhões, o pior da série histórica, superando a marca de R$ 22,2 bilhões que era de setembro de 2009, o momento da eclosão da crise internacional. Pela Fazenda, um déficit primário de R$ 10 bilhões, o pior da série.

Segundo o ministro Guido Mantega, o resultado de ontem foi "relativo" porque algumas despesas são excepcionais, como o pagamento do 13º do INSS. De fato, mas, como se sabe que essa despesa sempre chega, não justifica o tamanho do rombo. Para o ministro, as contas de pessoal. Previdência e juros estão estabilizadas. A Previdência ficou no vermelho em R$ 11 bilhões e os juros são despesas ascendentes.

O que as autorida­des dizem não guarda relação com os núme­ros e os fatos. Há uma deterioração fiscal no país resultado de di­versas decisões que expandem o gasto. A decisão de baixar a conta de luz — num ato de campanha elei­toral extemporânea — tem custado caro ao Tesouro. Em setembro, foram mais de R$ 2 bi­lhões os repasses para a Conta de Desenvol­vimento Energético (CDE) que cobre a di­ferença entre o custo e o que é cobrado do consumidor.

No comentário da Rosenberg Associados, a consultoria ressalta que, apesar de haver casos pontuais de piora, é preciso registrar o aumento disseminado das despesas e a queda generalizada da receita. Isso mostraria que o caso é muito mais estrutural do que parece e levanta preocupações sobre o futuro.

As receitas caíram 2,6%, as despesas aumentaram 14% em setembro. O superávit primário caiu um ponto percentual em relação ao mesmo período do ano pas­sado. O déficit nominal acumulado de janeiro a setem­bro foi de 3,77%. No mesmo período do ano passado havia sido de 2,47%. Por onde se olhe, qualquer que se­ja o indicador, ele piorou em relação ao ano passado. E tem piorado ao longo dos últimos anos.

O ministro Guido Mantega disse que a política fiscal brasileira é exemplar e inquestionável. De fa­to, é inquestionável que ela está piorando. E não há quem defenda a melhora. Ministros dá Fazenda têm por dever dé ofício espantar os gastadores. Não é o caso do ministro Guido Mantega. Qualquer Banco Central sabe que se a política fiscal for expansionista o peso sobre a política monetária é maior. Por isso, em situações como esta, deixa ex­plícita sua preocupação. O BC brasileiro prefere continuar sustentando que a política fiscal "cami­nha para a neutralidade". O ano que vem é eleitoral, quando normalmente os gastos se expandem. Tu­do isso forma um quadro preocupante

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